Acórdão nº 00577/21.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 24.01.2022, pela qual foi julgado procedente o recurso interposto por A....

contra a decisão que fixou o conjunto de rendimentos líquidos, por aplicação de métodos indiretos, do ano de 2016, no montante de € 1.535.495,85, e determinou a respetiva anulação parcial, no tocante à consideração como manifestação de fortuna do imóvel adquirido em 2016 pela Recorrente, com as necessárias consequências ao nível da determinação da matéria coletável.

1.2.

A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença de 19/01/2022, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que decidiu determinar “a anulação da decisão de 5 de novembro de 2020 que fixou o conjunto de rendimentos líquidos, por aplicação de métodos indiretos, do ano de 2016, no montante de € 1.535.495,85, apenas na parte em que considerou como manifestação de fortuna o imóvel adquirido em 2016 pela Recorrente (no valor de € 1.287,600,00) com as necessárias consequências ao nível da determinação da matéria coletável.”.

  1. Sucede que, salvo outro e melhor entendimento, a decisão ora em crise, cometeu um erro de julgamento por errada interpretação da disciplina jurídica aplicável ao caso concreto, nenhum vicio podendo ser assacado ao acto impugnado que ponha em causa a sua legalidade e validade.

  2. Com efeito, a interpretação que o tribunal faz do ónus probatório em sede de manifestações de fortuna, afasta a boa interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice, uma vez que considera suficiente para justificação da manifestação de fortuna realizada em 2016, a mobilização efectuada em 2016, bastando para tal a mera existência de um saldo positivo sempre superior a € 2.000.000,00, o que não comprova que correspondem à realidade os rendimentos declarados em sede de IRS desse ano.

  3. Sendo esta uma questão também de direito, uma vez que está causa a interpretação do regime jurídico instituído no art. 89º-A da LGT, o qual não dispensa a prova do concreto nexo de causalidade entre a aquisição do imóvel em 2016 e as disponibilidades financeiras movimentadas para o efeito, na esteira do que vem sendo o entendimento da jurisprudência.

  4. Constitui jurisprudência reiterada que o ónus da prova imposto pelo nº 3 do art. 89º-A da LGT pressupõe a prova do nexo de causalidade entre o acréscimo de património evidenciado e as disponibilidades financeiras canalizadas para o efeito, não bastando a prova da existência de disponibilidades financeiras susceptíveis de justificar aqueles acréscimos de património à data em que os mesmos ocorreram.

  5. Assim, não se colocando qualquer dúvida em relação à existência de saldos durante o ano de 2016 que permitiriam à Recorrente a realização da manifestação de fortuna, da prova produzida, conjugada com da característica essencial do dinheiro, a sua fungibilidade, dos autos não se encontra demonstrada a ligação entre a fonte e a capacidade aquisitiva demonstrada, uma vez que não se sabe, porque não foi junto aos autos qualquer elemento, que evidencie que os saldos bancários existentes na conta bancária da Recorrente do Banco, s…. no ano de 2016, não foram objecto de movimentações que permitiram a concretização da manifestação de fortuna e que os mesmos não estavam sujeitos a tributação.

  6. Não pode de todo concluir-se que a Recorrente tenha feito a prova de que os meios financeiros mobilizados para a aquisição do imóvel provinham de rendimentos não sujeitos a declaração.

  7. Se assim não fosse, as manifestações de fortuna, enquanto factos indiciadores de fraude ou evasão fiscal perderiam grande parte da sua eficácia, pois, sempre que o contribuinte demonstrasse que no dia 31 do ano anterior à aquisição dispunha de capacidade de realização da despesa, estaria sem mais justificada a origem da aquisição realizada no ano logo a seguir.

    I. O que é absolutamente inadmissível, atendendo ao facto destes procedimentos serem instrumentos de combate à fraude e evasão fiscais, tanto mais que do probatório não resulta, nem poderia resultar, porque essa prova não foi efectuada, que os meios financeiros mobilizados para a aquisição não tiveram origem em rendimentos suscetíveis de tributação.

  8. A exigência probatória do n.º 3 do art.º 89.º-A da LGT, deve ser interpretada no sentido de que a recorrida, para afastar a aplicabilidade da avaliação indireta do rendimento, cabia, não só demonstrar, como demonstrou, a mobilização dos recursos financeiros para a aquisição do imóvel, mas também demonstrar que a “fonte”, a origem, da totalidade dos recursos financeiros utilizados na aquisição provinham de rendimentos não sujeitos a tributação.

    K.

    Se em 2015 dispunha de meios financeiros que lhe permitiam a realização da manifestação de fortuna, tal não significa que no ano de 2016, esses exactos meios financeiros não foram substituídos por outros que permitiram a realização da manifestação de fortuna e sujeitos a tributação.

    L. Num momento em que se debatem na sociedade finanças descentralizadas e os perigos do sistema financeiro digital, os Tribunais, enquanto garantes da legalidade e construtores da densificação normativa, não podem permitir, salvo o devido respeito, que o ónus da prova exigido para efeitos do art.º 89.º-A n.º 3 da LGT, seja desvirtuado e aligeirado pela construção de uma narrativa razoável, assente na capacidade aquisitiva da Recorrente, que se reflete apenas na existência de saldos bancários existentes na conta do Banco….

  9. Se em 2016 a Recorrente tinha meios financeiros depositados na conta do Banco…, não se sabe se foram efectuadas movimentações bancárias durante este ano, não se sabe se durante os meses anteriores à aquisição do imóvel os meios financeiros aqui existentes não foram consumidos por outras aquisições e substituídos por outro incrementos patrimoniais que foram posteriormente canalizados para a manifestação de fortuna em causa.

    N.

    A capacidade aquisitiva de Recorrente, no âmbito da manifestação de fortuna evidenciada, em Portugal concretiza-se, com a transferência efetuada do Banco G ............…para a Caixa ...…em 2016, tendo-se verificado a manifestação de fortuna também neste ano, impendia sobre esta demonstrar qual a fonte da mesma, nomeadamente herança ou doação ou rendimentos que não esteja obrigada a declarar, não resultando dos autos qualquer evidencia de que não constituíam rendimentos sujeitos a declaração nesse ano.

  10. A tributação por via das manifestações de fortuna, consubstancia uma necessidade de efetivação do princípio da capacidade contributiva, tendo como objectivo a luta contra a fraude e evasão fiscal. P. Nestes termos, considerando-se que para justificar a aquisição do imóvel realizada em 2016, basta a disponibilidade de meios financeiros, os quais só ingressam na esfera jurídica aquisitiva em Portugal da Recorrente em 2016, sem necessidade de demonstração da fonte dos mesmos, há uma clara violação da regra do ónus de prova nas manifestações de fortuna, com efeito, é incontornável que a mens legislatori repercutida no n.º 3 do Art.º 89-A da LGT, exige a prova da origem direta entre a afetação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada, a qual não resulta da existência de saldos bancários que permitam a realização da aquisição.

    Q.

    Sendo certo que existe uma manifesta disponibilidade financeira da Recorrente consubstanciada na existência de saldos, sem qualquer outra evidência, esta não permite, ao contrário do que se faz na sentença proferida pelo Tribunal a quo, considerar que está efectuado o trato sucessivo entre a canalização em 2016 de meios financeiros existentes na Conta do Banco G…para a Caixa...…, que justifique a manifestação de fortuna.

  11. O facto 7) que consubstancia a mobilização em 26 de julho de 2016 da conta do Gpara a Conta da Caixa ...….que permitiu a realização da manifestação de fortuna tem que ser justificada, porque realizada no ano da aquisição, ou seja, em 2016, não tendo sido demonstrado os rendimentos que declarou neste ano correspondem à verdade e que a fonte da manifestação evidenciada não constituía rendimento sujeito a declaração nesse ano.

  12. E tal prova não se pode fazer com a existência de saldos no ano de 2016 que evidenciam uma capacidade financeira, mas não revelam movimentações ou incrementos patrimoniais que possam ter existido nesse mesmo ano, e que pudessem ter sido canalizados para a manifestação de fortuna evidenciada.

    T. Para o cumprimento do ónus de prova exigido para efeitos do art.º 89.º-A n.º 3 da LGT, é absolutamente necessário validar e quantificar os meios financeiros que entraram na esfera patrimonial da Recorrente no ano de 2016, na conta do BancoG…. para se poder concluir que os mesmos não constituíam rendimentos sujeitos a declaração.

  13. Para além do mais a interpretação do Tribunal a quo que permite que para cumprimento do ónus de prova exigido para efeitos do art.º 89.º-A n.º 3 da LGT, se baste a circunstância de que: “ entre 31 de dezembro de 2015 e 27 de julho de 2016, a conta à ordem n.º BE (…), do Banco G............, S.A., teve sempre um saldo positivo superior a € 2.000.000,00.”, não validando se os meios financeiros mobilizados em 2016 que foram transferidos em 2016 da conta do G............, SA para a Caixa...…, e que desta foram canalizados para a aquisição do imóvel, correspondiam ou não a rendimentos sujeitos a tributação, viola o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP e o princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 104.º da CRP, uma vez que não resulta dos autos qualquer evidência de que os rendimentos não constituíam rendimentos sujeitos a declaração no ano de 2016.

    V. A constituição impõe...

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