Acórdão nº 00649/19.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | Luís Migueis Garcia |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: A.
(R. (…)), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, em acção administrativa intentada contra Instituto Superior Técnico (Campus (…)), julgada improcedente.
Conclui: 1ª O presente recurso foi interposto contra a sentença proferida pelo TAF de Coimbra em 26 de Junho de 2020, que julgou improcedente a acção pela qual se impugnava o despacho que impôs que o A. fosse trabalhar para Lisboa depois de durante mais de 26 anos ter trabalhado em Coimbra ao serviço da entidade demandada.
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Não obstante estar provado que desde há mais 26 anos o A. trabalhava ao serviço da entidade demandada em Coimbra e que era aqui que tinha a sua residência pessoal e fiscal (v. pontos 12 e 18 da factologia assente), entendeu o Tribunal a quo que como essa mesma entidade demandada não tinha instalações em Coimbra nunca ali poderia ser o local de trabalho do A., razão pela qual ao fim de 26 anos poderia Impor a esse mesmo A. que deixasse de trabalhar em Coimbra e o passasse a fazer em Lisboa.
Contudo, 3ª Ao considerar que o local de trabalho do A. não era em Coimbra onde trabalhava há mais de 26 anos - mas antes em Lisboa - onde nunca exercera funções - e que, por isso, o acto impugnado poderia, livre e unilateralmente e ao fim de 26 anos, impor que o A. passasse a trabalhar de imediato em Lisboa, o aresto em recurso interpretou os art°s 72º/1/f) e 830 da LTFP em sentido materialmente inconstitucional, por violação do direito fundamental à estabilidade consagrado no art° 53° da Constituição.
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Na verdade, um dos direitos fundamentais de todos os trabalhadores é o direito à segurança e estabilidade no emprego (v. artº 53º da Constituição), o qual abrange a própria estabilidade espacial do contrato de trabalho, razão pela qual nenhuma norma jurídica poderá permitir, sob pena de Inconstitucionalidade da mesma, olivre e unilateral alteração do local de trabalho pelo empregador (cfr. José Andrade Mesquita. Direito do Trabalho, 2° ed.. AAFDL. 2004, págs. 586 ss e, no mesmo sentido, o Ac° do TRIBUNAL DA RELAÇÀO DE COIMBRA de 8/11/2012. Proc. n°875/1 1.ST4AVR.CL).
5º Por isso mesmo, o nosso ordenamento jurídico assegura ao trabalhador a sua inamovibilidade pela proibição genérica da entidade patronal o transferir para local diferente daquele em que habitualmente presta o seu trabalho, salvo nas situações permitidas por lei (v. art°s 72°/1/f) e 83° da LTFP e os art°s 129/1/f) e 193° do CTrabalho; v. ainda, o Acº do STJ de 3/3/2010, Proc. n° 933/07.3TTCBR.C1.S1).
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Ora, assegurando a Constituição e a lei a inamovibilidade geográfica do trabalhador e a impossibilidade da entidade empregadora alterar unilateralmente o local da prestação do trabalho, temos por certo que a tese perfilhada pelo Tribunal a quo conduz à inconstitucionalidade material dos artes 72º/1/f) e 83° do LTFP, quando interpretados no sentido de permitirem que ao fim de 26 anos de prestação de trabalho numa dada cidade a entidade empregadora possa, livre e unilateralmente, impor ao trabalhador que passe a prestar o seu trabalho numa outra cidade , ainda por cima a uma distância de 200 kms daquela onde há 26 anos vinha trabalhando para essa mesma entidade empregadora.
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Refira-se, aliás, que a tese perfilhada pelo Tribunal a quo transforma o trabalhador num mero objecto do empregador, de que este pode põr e dispor livremente, como se aquele não tivesse quaisquer direitos e ao fim de 26 anos fosse "obrigado" a mudar completamente todo o vida que construiu ao longo daquele tempo, apenas por o que durante 26 anos fora conveniente paro o empregador tenha deixado de o ser de um momento para o outro 8ª Para além de interpretar os artºs 72° e 83º da LTFP em sentido materialmente inconstitucional, o aresto em recurso incorreu igualmente em manifesto erro de lulgamento ao considerar que o local de trabalho do recorrente não era em Coimbra - onde desde há 26 anos exercia por imposição da sua entidade empregadora funções -, mas antes em Lisboa.
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Com efeito, tendo dado por provado que desde 1998 o A. exercia as suas funções profissionais ao serviço do IST em Coimbra (v. n 12 da faclologia assente), não poderia ignorar que a doutrina e jurisprudência eram pacificas e unânimes ao considerar que o local de trabalho é dado pelo "centro estável (ou permanente) de actividade do trabalhador", correspondendo ao lugar onde cumpre a sua obrigação, exerce as suas funções e onde tem de comparecer diariamente (v. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.
Manual do Direito do Trabalho, 1991, pág.
683, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II - Situações laborais individuais. 2006, pág. 406, ANTÓNIO DE LEMOS MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 7 Ed.°. 1991, pág. 322,., JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 2016, pág. 201, JOSÉ ANDRADE MESQUITA, Direito do Trabalho, pp, 571 e 572) 10ª No mesmo sentido se pronuncia desde há multo o Venerando Supremo Tribunal Administrativo e o próprio Tribunal Central Administrativo do Sul, ao sustentarem que o local de trabalho corresponde ao domicílio necessário do funcionário, entendido como a localidade onde efectivamente exercem funções e onde têm de comparecer no início e no final da jornada diária de trabalho (v., entre outros.
os Ac°s do STA de 6/12/94, Proc. nº 35984, de 12/1/95, Proc. nº 34517, de 30/1/96, Proc. n°38789, de 5/6/96, Proc. n°38787, Proc. n° 477/96 e Proc. n°39875, e os Ac.s° do TCASIJL de 12/06/2008, Proc. n° 01050/04.3BEBRG e de 07/02/2013. Proc. n° 0456/08).
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Consequentemente, estando provado que pelo menos desde o momento em que tomou posse - 1998 - o A. exerceu Ininterruptamente as suas funções profissionais na cidade de Coimbra ao serviço da entidade demandada e por ordens dela, é por demais manifesto estar provado que o centro da sua actividade funcional e, portanto, o seu local e trabalho sempre foi em Coimbra e seguramente nunca em Lisboa, razão pela qual é notório o erro de julgamento em que Incorreu o aresto em recurso ao considerar que o local de trabalho do A. era Lisboa e que o acto Impugnado apenas estava o ordenar o seu regresso a esse mesmo local e trabalho.
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Contra o exposto, e no intuito de se sustentar que Coimbra no era o local de trabalho do A., não se argumente que o IST não possuía instalações em Coimbra e que, como tal, nunca nesta cidade poderia ser o local de trabalho do A.
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Na verdade, para efeitos de determinação do local e trabalho é absolutamente irrelevante que tal actividade seja executada em instalações próprias do empregador ou em quaisquer outras instalações, uma vez que o que releva para esse efeito é o local onde foi ordenado e imposto que o trabalhador prestasse as suas funções, devendo recordar-se mais uma vez que "...
a doutrino e o jurisprudência têm aperfeiçoado a noção de local de trabalho, de modo a fazê-la coincidir não com o espaco ffsico das instalações do empregador, mas com a ideia de centro estável ou predominante da actividade laboral" (v. MARIA DO ROSÁRIO PALMA, Direito do Trabalho, Parte II - Situações laborais individuais, 2006, pg. 409).
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Consequentemente, se a entidade demandada tem ou não instalações em Coimbra e se foi ou não ao obrigo de um protocolo que o A. ali ficou a trabalhar desde há mais de 26 anos - e qualquer protocolo é a ele alheio, urna vez que ato foi celebrado entre a Universidade e o IST -, a verdade é que tudo isso é absolutamente irrelevante para curar do local de trabalho do A., uma vez que o que releva é que foi no cumprimento das ordens do IST que o A. ficou a trabalhar para esse mesmo IST em Coimbra e que o faz desde 1988, razão pela qual revela um grave e profundo erro de julgamento que se considere que o local de trabalho não era em Coimbra -onde sempre trabalhara - mas antes em Lisboa - onde nunca trabalhara na vida.
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Estando comprovado que o local de trabalho do recorrente era em Coimbra,sempre o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso decorria também do facto de o art° 95º da LTFP só permitir a modificação do local de trabalho do A. para mais de 60 kms da sua residência se estivessem preenchidas as condições de verificação cumulativo mencionadas no referido preceito, o que não só não sucedia no caso sub judice como nem sequer foi comprovado pelo acto impugnado, razão pela qual sempre este enfermaria de violação de lei e de falta de fundamentação.
Contra-alegou o recorrido, concluindo: 1. A sentença recorrida deve ser mantida porque aplica em o Direito aos fatos nela dados por provados.
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Nunca poderia o despacho impugnado violar o disposto no art.° 98 da LTFP porque o Recorrido não tem qualquer serviço desconcentrado na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
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Nunca poderia o despacho impugnado violar o disposto no art.° 93 da LTFP porque não estar constituída, nem ir ser constituída, qualquer situação de mobilidade que envolvesse o Recorrente, o Recorrido e a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
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Não se verifica qualquer Inconstitucionalidade material na interpretação do art.° 83 e do art.° 72, n.° 1 al. f) da LTFP feita na sentença recorrida, que aliás assenta, na apreciação dessa matéria controvertida, no Douto Acórdão de 17 de janeiro de 2020, desse Tribunal Central Administrativo Norte.
*O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitindo parecer.
*Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*Os factos, que o tribunal “a quo” teve como provados: 1) O R. compreende, na sua estrutura, diversas unidades de investigação, de entre as quais se destaca o Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), que sucedeu ao anterior Centro de Fusão Nuclear (CFN) e ao Centro de Física de Plasmas (acordo).
2) Em 11/03/1991 o R. celebrou com a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) um “protocolo de colaboração para a fusão nuclear controlada”, do...
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