Acórdão nº 01520/07.1BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCristina da Nova
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Fazenda Pública, vem recorrer da sentença que anulou as liquidações de IRC do exercício de 2004 por haver sido demonstrado que os critérios de quantificação da matéria tributável de que a AT se socorreu se revelaram desajustados, conduzindo a um erro em tal quantificação.

*Formula a recorrente Fazenda Pública, nas respetivas alegações, as conclusões que se reproduzem: «I. Visa o presente recurso recorrer da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B., Lda. contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2004.

  1. O Tribunal a quo anulou a liquidação em causa por ter entendido que a impugnante demonstrou que os critérios de quantificação da matéria tributável de que a AT se socorreu se revelaram desajustados, conduzindo a um erro em tal quantificação.

  2. A questão decidenda a submeter ao Tribunal ad quem consiste em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que a aqui recorrida deu cumprimento ao ónus que sobre si impendia no sentido da demonstração do excesso na quantificação realizada pela AT.

    II – O excesso de quantificação e o ónus da prova IV. O Tribunal recorrido considerou, acertadamente, que a AT cumpriu o ónus de fundamentar a decisão de aplicação de métodos indirectos, pelo que passaria a competir à impugnante a demonstração do excesso na quantificação da matéria tributável.

  3. Com efeito, incumbe ao contribuinte a “concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável”.

  4. Ademais, “a provável falibilidade da quantificação é resultado da apontada inevitabilidade em accionar o método indirecto ou presuntivo”, pelo que o valor apurado será sempre “um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo”.

  5. Por conseguinte, os resultados obtidos pela AT apenas podem ser afastados se o contribuinte, “mediante a produção de provas adequadas e fortemente convincentes, conseguir demonstrar que o funcionamento daquele poder discricionário conduziu e traduziu-se na fixação de resultados, no apuramento de valores, objectiva e inquestionavelmente, fora dos limites da razoabilidade, da mais ampla e impressiva aceitabilidade”.

  6. Saliente-se, ainda, que não basta ao contribuinte suscitar dúvidas quanto ao acerto da quantificação proposta pela AT.

  7. Por fim, refira-se que persistindo a situação de non liquet quanto ao excesso na quantificação, a dúvida terá de ser decidida em desfavor do contribuinte.

    III – O erro de julgamento X. O Tribunal a quo identificou quatro razões pelas quais se tornou possível concluir que a AT incorreu em excesso de quantificação da matéria tributável, a saber: III.1 – A “dúvida” e a presunção em dois graus XI. O Tribunal entendeu que a IT errou ao considerar como válida toda a informação prestada pelos noivos, tanto mais que a impugnante “enumerou como exemplo” um caso em que os noivos declararam não ter sido emitida factura, quando a mesma efectivamente existia na sua contabilidade.

  8. No entanto, a recorrida não enumerou tais casos a mero título de exemplo, o que daria a entender que poderiam existir outras situações idênticas naquele ano de 2004.

  9. Pelo contrário, de entre todos eventos ocorridos em 2004, identificou apenas dois casos em que as declarações dos noivos não se encontravam correctas, pelo que a dúvida por si suscitada é inócua.

  10. Ademais, mesmo que estes dois casos assumissem algum relevo (qualitativo ou quantitativo), a sua importância apenas seria visível no campo da verificação dos pressupostos para a aplicação de métodos indirectos (por demonstrarem a inexistência de omissão de proveitos) e já não no âmbito da análise do (excesso) da quantificação da matéria tributável.

  11. Por fim, reitere-se que não basta ao contribuinte suscitar “dúvidas” quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados.

  12. A IT, por outro lado, não recorreu a qualquer “presunção em dois graus”, tendo – ao invés – obtido a confirmação da existência dos eventos através da resposta da impugnante à notificação para o efeito, bem como da sua contabilidade e dos questionários dos nubentes.

  13. Além disso, a impugnante não contesta a existência de tais eventos, mas apenas aponta incongruências nesses elementos, as quais são infirmadas pelos elementos vertidos no RIT (ponto 14 das alegações).

    III.2 – A “fragilidade” do critério do peso do bolo XVIII. O Tribunal a quo considerou que o critério da atribuição de 100 g de bolo por cada convidado, de forma a apurar o número de convidados em cada evento, é frágil, uma vez que os “bolos de noiva” têm pesos diferentes, para além de se verificar sempre a existência de “sobras”.

  14. Porém, este valor de 100g/pessoa foi determinado tendo por base o valor de 90g/pessoa indicado pelo gerente da impugnante no decurso do procedimento inspectivo.

  15. Logo, apesar de existirem «sobras» do bolo e de o peso não ser uniforme, a média utilizada pela AT já consideraria todas essas hipóteses, pela margem que resulta da diferença entre os 90g/pessoa declarados pelo gerente e os 100g/pessoa utilizados como critério.

  16. Ou seja, “se o gerente calcula o peso total do bolo a encomendar com base nos referidos 90 gramas por convidado isso só pode significar que nesse peso já estão incluídas todas as referidas variáveis” e “como se viu, a AT ainda concedeu uma margem adicional de 10 gramas por convidado, assim diminuindo o risco de errar ou causar excesso de tributação por este motivo”.

  17. Além disso, o exemplo avançado na sentença (o da nubente H.) não poderá encontrar acolhimento, inexistindo a aludida divergência substancial face ao critério seguido pela IT (ponto 17 das alegações).

    XXIII.Por fim, diga-se que este critério adoptado em sede inspectiva não é – nem pode ser – um critério exacto e totalmente preciso, atendendo a que nos encontramos no domínio de aplicação de métodos indirectos.

    III.3 – A não utilização da “tabela de preços” XXIV. O Tribunal a quo entendeu que a impugnante fez prova da desadequação do preço utilizado para a fixação da matéria tributável, visto que “os preços referidos na tabela não eram os efectivamente praticados” e que a AT não explicitou os motivos que a levaram a fazer variar os preços a cada período diferente de IVA nem a aplicar preços máximos e mínimos na proporção de 50% das comunhões e baptizados.

  18. Contudo, a «tabela de preços» por si elaborada era utilizada, ainda que com finalidade meramente indicativa, servindo de “bitola para os negócios, facturados ou não, da Impugnante”.

  19. Além do mais, a AT utilizou preços ainda mais baixos do que os constantes em tal tabela de preços.

    XXVII.Por outro lado, contrariamente ao que parece ter sido entendido pelo douto Tribunal, a alteração de preços praticada pela AT não tem qualquer relação com os períodos de IVA, mas sim com os dois períodos anuais definidos pela própria impugnante em função do maior ou menor afluxo de clientela, XXVIII. Tendo a AT desinflacionado os preços com recurso à mesma metodologia seguida pela impugnante, não manifestando esta, por seu turno, qualquer ininteligibilidade quanto à actuação inspectiva neste particular.

  20. Por fim, diga-se que não se verifica qualquer “ausência de explicação plausível para se aplicar preços máximos e mínimos na proporção de 50% das comunhões e baptizados”, na medida em que a IT, desconhecendo de forma exacta, de entre os serviços que não diziam respeito a casamentos, quais os que se referiam a baptizados e quais os que se reportavam a comunhões, utilizou o critério de tributar metade desses eventos de acordo com o preço mais elevado (€ 30,00) e metade ao preço mais baixo (€ 22,50).

  21. Por conseguinte, tal critério, se erróneo, apenas poderá pecar por defeito (e nunca por excesso).

    III.4 – A não consideração das crianças XXXI. Entendeu o Tribunal que a AT não considerou as crianças entre os 4 e os 10 anos, as quais pagam apenas metade do preço dos adultos, mas apenas as crianças “isentas” (i.e., até aos 4 anos de idade, que não pagam qualquer valor).

    XXXII.Porém, resulta expressamente do RIT exactamente o contrário: no valor de 5% a AT incluiu todas as crianças até aos 14 anos de idade, tratando-as a todas como não pagantes ou “isentas”.

  22. Destarte, se existe um erro por parte da AT, será claramente por defeito e jamais por excesso.

  23. EM CONCLUSÃO, a douta decisão aqui recorrida, ao considerar que a Autoridade Tributária incorreu em excesso no que tange à quantificação da matéria tributável, laborou em erro de julgamento de facto e de direito, por violação do dispositivo contido no n.º 3 do artigo 74.º da LGT.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, considerando-se a impugnação improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.»*A recorrida, B., Lda.

    , apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos: «

    a) Contrariamente àquilo que vem preconizado pela Recorrente nas suas alegações, o tribunal a quo, ao ter considerado que a Autoridade Tributária errou quando se limitou a dar como certo o que foi referido pelos nubentes nos inquéritos realizados, decidiu correctamente.

    b) Nesse sentido, atente-se, desde logo, que a Autoridade Tributária, sem qualquer fundamento de facto, desconsiderou a circunstância de na contabilidade da Recorrida existirem várias facturas legalmente processadas.

    c) No que respeita ao número de convidados em que a Autoridade Tributária se terá baseado para calcular a alegada omissão de proveitos referente a eventos não facturados ou parcialmente facturados, parece a Recorrente olvidar que, conforme foi dado como provado na Sentença recorrida, “o número de...

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