Acórdão nº 01787/11.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A ...., SGPS, S.A.

, pessoa colectiva n.º (...), com sede na Rua (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 14/07/2020, que julgou improcedente a presente Acção Administrativa Especial deduzida contra a entidade demandada Ministério das Finanças, onde peticionava a anulação do Despacho do Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos, proferido em 26/07/2011, que autorizou a aplicação da cláusula geral anti-abuso; a condenação da Direcção-Geral dos Impostos a não proceder à tributação de dividendos que consideraria como alegadamente distribuídos pela Autora no exercício de 2008 e a declaração da ilegalidade de qualquer liquidação imposta à Autora com base na aplicação das normas anti-abuso, autorizada pelo Despacho impugnado.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “I. A douta sentença recorrida seguiu um entendimento no sentido de que a cláusula geral anti-abuso é oponível e accionável contra o substituto tributário; II. Os beneficiários do rendimento que foi tributado foram os accionistas da B.... e encontra-se provado - facto provado CC) – que nem a “B ....” nem os seus dezanove accionistas foram ouvidos no âmbito do procedimento; III. O destinatário da aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso terá que ser aquele em cujo património se produziram as vantagens fiscais, e terá que ser este o sujeito passivo do procedimento de aplicação da cláusula; IV. A cláusula geral anti abuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por actos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária, que só podem satisfazer-se com a imposição da tributação omitida a quem obteve essas vantagens; V. Esta é a única interpretação que do artigo 38.º da LGT se compatibiliza com o princípio constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) e com Princípio da tributação com respeito pela justiça material (cfr. artigo 5.º, n.º 2 da LGT); VI. No caso de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento que seria sujeito a retenção na fonte, deve ser considerada a inoponibilidade da Clausula Geral Anti Abuso e da consequente liquidação tributária ao potencial substituto tributário, nomeadamente por não existir nenhuma disposição legal que garanta a recuperação do pagamento das liquidações adicionais de IRS relativas à retenção na fonte, não sendo possível exigir a restituição a quem delas realmente usufruiu, pois os alegados “negócios artificiosos mantêm validade e eficácia à luz da lei civil.

  1. Afirmar que é irrelevante saber quem é que “dentro do grupo” acaba por usufruir efectivamente das vantagens fiscais, é um manifesto erro de julgamento, na medida em que o património chamado a responder não é, nem nunca será, o mesmo.

  2. Acresce que a aplicação da cláusula geral anti abuso não pode ter aptidão para despoletar o nascimento de obrigações fiscais acessórias retroactivas junto de terceiros, nomeadamente a retenção na fonte exigida devido à reconfiguração jurídico fiscal em resultado da sua aplicação; IX. Se interpretássemos a Cláusula Geral Anti Abuso no sentido de produzir efeitos fiscais sobre terceiros, que não o contribuinte que agiu com o objectivo de obter uma vantagem fiscal, além de incorrermos numa violação do princípio da determinação legal da obrigação de retenção na fonte, configuraríamos um atentado contra outros princípios de cariz constitucional; X. A norma do artigo 38.º, nº 2, da LGT é materialmente inconstitucional se interpretada no sentido de admitir a oponibilidade dos efeitos da aplicação da cláusula geral anti-abuso ao substituto tributário, designadamente a imposição dos efeitos do incumprimento de um dever de retenção na fonte que não existia à face do negócio efectivamente celebrado, num contexto em que não está legalmente assegurada, por normas de direito tributário, a viabilidade de reaver as quantias não retidas cujo dever de retenção é determinado a posteriori, por violação dos princípios da proporcionalidade, do direito à propriedade e da tributação do rendimento com base na capacidade contributiva estatuídos nos artigos 18.º, n.º 2, 62.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, da CRP.

  3. A responsabilização do substituto tributário numa lógica de grupo é um erro de julgamento, na medida em que o elenco accionista das sociedades pode-se alterar entre o momento da prática dos factos e o momento da aplicação da cláusula geral anti abuso; XII. E a interpretação correcta do artigo 38º, nº 2, terá de valer generalizadamente, em relação a qualquer tipo de sociedades anónimas, inclusivamente as cotadas em bolsa em que a estrutura accionista se altera constantemente, relativamente às quais é evidente que a imposição da tributação à sociedade por com a sua intermediação os accionistas terem criado para si próprios vantagens fiscais indevidas não ter qualquer efeito sobre quem usufruiu dessas vantagens e deixou, depois, de ser accionista.

  4. A interpretação correcta do n.º 2 do artigo 38.º da LGT exigiria a necessária intervenção do beneficiário do rendimento no procedimento de aplicação da cláusula, pois é na sua esfera que se produz a vantagem fiscal.

  5. Em face do supra-referido, não poderia a Recorrente ter sido destinatária da aplicação da Clausula Geral Anti abuso.

  6. A douta sentença incorreu em erro de julgamento e violou o n.º 2 do artigo 38.º da LGT na sua correcta interpretação normativa; XVI. O despacho impugnado deve, assim, ser anulado pelo vício de ilegalidade.

    Como é de inteira JUSTIÇA! Nestes termos deve ser julgado o recurso procedente e revogada a douta decisão recorrida, com a consequente anulação do acto administrativo impugnado.” ****O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: “1.ª Não se conformando com a sentença proferida que julgou a ação administrativa totalmente improcedente, vem a Autora recorrer e fixar como objeto do recurso a anulação da referida decisão 2.ª Contudo, compulsadas as suas alegações e conclusões de recurso, constata-se que a Recorrente restringe a sua discórdia com a sentença recorrida apenas a um fundamento, abandonando as demais ilegalidades (formais e materiais) que imputava ao ato sindicado na ação administrativa especial, pelo que nessa parte a sentença recorrida deve considerar-se transitada em julgado.

    1. Efetivamente, a Recorrente apenas contesta a sentença afirmando que não é o sujeito passivo do imposto liquidado, pois não é a beneficiária do rendimento em causa, pelo que o procedimento de autorização da aplicação da norma anti-abuso deveria incidir e decorrer com intervenção dos titulares do rendimento, tendo ocorrido falta de audição prévia dos interessados.

    2. Nesse sentido, imputa à sentença recorrida erro de julgamento, mas, não lhe assiste razão.

    3. Como bem se nota na sentença recorrida, e foi algo que alguma da jurisprudência arbitral, mormente a citada pela Recorrente, em situações semelhantes às presentes, preferiu ignorar, na aplicação da cláusula geral anti-abuso, as transações efetuadas têm de ser analisadas na sua totalidade (e não de forma isolada ou compartimentada), ou seja, tendo em mente o contexto mais abrangente em que se inseriu essa venda e atentando a todos os passos e participantes, com um escrutínio especialmente exigente por envolverem acionistas comuns e sociedades relacionadas.

    4. E, a Recorrente foi interveniente nos negócios considerados artificiosos, de forma direta: a venda da sua participação na “AC .... ”, foi a operação que deu origem ao montante que ficou disponível para ser distribuído e que despoletou a necessidade de construção dos negócios e atos jurídicos subsequentes, devendo ainda notar-se que estamos na presença de sociedades relacionadas, controladas exatamente pelos mesmos acionistas e inclusive com os mesmos administradores.

    5. Quanto à jurisprudência arbitral citada pela Recorrente, entende-se, com o devido respeito, que aí se percorreu um caminho que não assenta na letra e no espírito da lei em vigor à data dos factos, sendo aliás a alteração legislativa indicada pela Recorrente evidência disso mesmo, não sendo, contudo, a mesma aplicável, por inexistente, aos factos tributários aqui em discussão.

    6. E, foram proferidas decisões distintas das citadas pela Recorrente, como seja a proferida no processo n.º 258/2013-T (disponível publicamente no site do CAAD, no separador referente à jurisprudência), onde se considerou que o sujeito passivo era o substituto tributário.

    7. Assim, como bem se nota na sentença recorrida, aplicando o determinado no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, e considerando o ato adequado ao fim económico visado seria a distribuição de dividendos pela Recorrente aos seus acionistas, este estaria sujeito a retenção na fonte a taxa liberatória e, neste caso, o cumprimento da obrigação de imposto (a responsabilidade pela retenção e pela respetiva entrega), que cabe em exclusivo e a título originário ao substituto, ou seja, à Recorrente; tendo os substituídos, uma responsabilidade subsidiária (cf. n.º 3 do artigo 28.º da LGT), sendo, por força da lei, o sujeito passivo da relação jurídico-fiscal (cf. n.º 3 do artigo 18.º da LGT).

    8. Face ao exposto, era a Recorrente quem tinha de ser ouvida nos termos previstos nos n.ºs 4 a 6 do artigo 63.º do CPPT, por ser sobre si que impende a obrigação de retenção na fonte, não tendo de ser observado o contraditório relativamente aos restantes intervenientes nas operações, não havendo um mínimo na letra e no espírito da lei que permita a exclusão da aplicação das normas de substituição tributária...

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