Acórdão nº 00256/10.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que foi julgada procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC dos anos de 2006 e 2007 e respetivos juros compensatórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: «I – O OBJECTO DO RECURSO I. Visa o presente recurso reagir contra a sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por D., S.A. relativamente às liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007.

  1. As questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em saber se a douta sentença padece de erro de julgamento, de facto e de direito: a) por ter ordenado a anulação total das liquidações, quando não foram impugnadas as correcções relativas aos custos com as «viagens particulares»; b) por ter considerado que a Autoridade Tributária não reuniu indícios suficientes da falsidade das facturas; c) por ter considerado que a tributação por métodos indirectos padece de erro na quantificação da matéria tributável.

    II – A ANULAÇÃO TOTAL DA LIQUIDAÇÃO III. A impugnante não atacou as correcções técnicas relativas às viagens particulares cujo custo se encontrava contabilizado nas rubricas “Deslocações e Estadas” e “Despesas de Representação”, as quais se consolidaram na ordem jurídica.

  2. Tendo a impugnante peticionado a anulação “na totalidade das liquidações de IRC e juros compensatórios”, não poderia o Tribunal considerar a impugnação totalmente procedente, por força do consagrado princípio da divisibilidade do acto tributário.

  3. Assim, incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na não aplicação do princípio do dispositivo, previsto no n.º 1 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos do CPC.

    III – ERRO DE JULGAMENTO – A análise parcelar dos indícios VI. A IT reuniu um conjunto de indícios que permitiam qualificar como falsas algumas das facturas emitidas pelo fornecedor M. à recorrida, os quais terão de ser analisados de forma global e integrada e não como se cada um deles funcionasse autonomamente, de forma estanque e compartimentada.

  4. O Tribunal incorreu em erro de julgamento por ter procedido a uma análise compartimentada, segmentada e atomizada dos indícios de falsidade e da prova sobre os mesmos produzida, na medida em que não estabeleceu quaisquer conexões entre os indícios e os respectivos meios probatórios e não conjugou os diferentes meios de prova admitidos nos autos.

    VIII.

    Por força desta visão parcelar dos indícios carreados pela IT, o Tribunal não logrou percepcionar que, em relação a cada uma das facturas consideradas como falsas, se verificavam vários desses indícios de falsidade.

    IV – ERRO DE JULGAMENTO – A extrapolação de factos genéricos IX. Relativamente à organização em geral e modo de funcionamento da impugnante, mormente quanto às relações comerciais com a “Base” do Grupo, às relações com os fornecedores (incluindo o M.) e à sua logística de recepção, armazenamento e inventariação de mercadorias, o Tribunal deu como provados os factos T) a MM) e OO) a TT).

  5. O Tribunal incorreu em erro de julgamento ao ter extrapolado de factos genéricos (os procedimentos adoptados pela impugnante para a maioria das suas relações comerciais, nomeadamente com o “M.” factos concretos (os procedimentos adoptados quanto às facturas falsas).

  6. A aceitar-se a argumentação sustentada em factos genéricos, todas as hipóteses apresentadas pela impugnante se poderão configurar como viáveis e todas as excepções por esta invocadas terão de ser aceites.

  7. A posição do Tribunal, no que se refere ao apuramento e apreciação da factualidade, terá sido “contaminada” pela conduta da impugnante, a qual não alegou nem provou factos concretos, precisos e objectivos quanto à veracidade daquelas específicas facturas, limitando-se a descrever procedimentos, circuitos documentais, “possibilidades” que se podem aplicar a uma infindável série de situações.

    V – ERRO DE JULGAMENTO – A valoração da prova testemunhal XIII.

    Resulta da sentença que o Tribunal atribuiu uma enorme importância à prova testemunhal, a qual se revelou decisiva para a decisão agora recorrida.

    XIV.

    As declarações das testemunhas devem ser objecto de valoração, realizada aplicando a regra da livre apreciação da prova e recorrendo a máximas da experiência.

    XV.

    O julgador deve apreciar a imparcialidade da testemunha e aferir do interesse ou da vantagem que esta poderá ter no desfecho da lide, avaliando casuisticamente a sua posição e levando em consideração as relações de subordinação ou outras com uma das partes.

  8. O Tribunal deve discriminar os segmentos de um determinado depoimento que são corroborados ou infirmados pelos demais meios probatórios e explicitar fundamentadamente por que motivo, num certo depoimento, apenas toma em consideração uma parte do discurso testemunhal, não podendo desprezar as declarações contraditórias sobre o mesmo facto.

  9. O Tribunal laborou em erro de julgamento por ter valorado incorrectamente o depoimento das testemunhas da impugnante e por, com base na prova testemunhal, ter dado como provados factos que exigiam ou são infirmados pela prova documental ou que são meramente genéricos.

  10. As testemunhas da impugnante apresentam uma intensa ligação com a D. e/ou com as outras empresas do grupo, o que não tido em conta na decisão agora objecto de recurso.

    VI – ERRO DE JULGAMENTO - Os indícios de falsidade das facturas XIX. O Tribunal incorreu em erro de julgamento, por deficiente aplicação das regras do ónus da prova, previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT e por violação do princípio do dispositivo, estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos do CPC, visto que: a) a AT fez prova da verificação dos pressupostos legais que legitimaram a sua actuação, demonstrando a existência de indícios sérios de que as operações constantes nas facturas em causa são simuladas; b) a impugnante não atacou todos os indícios, apesar de o Tribunal os ter apreciado e valorado na sua decisão.

  11. No que respeita à identificação distinta de algumas facturas, consubstanciada na aposição da letra “A” no extracto de conta-corrente do fornecedor “M”., considera o Tribunal que “o facto de existir um sistema de identificação diferenciado de determinado grupo de facturas, por si só, nada significa quanto à validade dessas facturas ou das operações comerciais a que se reportam”.

  12. No entanto, quando se comprova que essas mesmas facturas partilham com outras uma série de características que, se avaliadas globalmente, indiciam que se trata de facturas falsas, não vemos como pode ser pura e simplesmente ignorado este indício.

  13. Ademais, a justificação trazida pela impugnante para esta identificação com a letra “A” encontra clamorosas excepções e mostra-se totalmente divergente da apresentada pelo próprio emitente das facturas.

  14. Por outro lado, não é pela mera circunstância de se ter verificado a entrega das mercadorias (o que, in casu, nem sucedeu) e de existir prova documental do pagamento que uma determinada factura não pode ser qualificada como falsa.

  15. Quanto à desordenação da indicação dos artigos nas facturas consideradas como falsas, o Tribunal recorrido não tomou em linha de conta que esta característica se verifica em relação à totalidade dos documentos reputados como falsos, não se tratando – por conseguinte – de uma mera coincidência.

  16. E não se diga que a questão se situa ao nível das pessoas que efectuam as encomendas (seja habitualmente o chefe de cada secção ou, ocasionalmente, outro trabalhador da impugnante), mas do como como todas essas facturas se encontram (des)organizadas, não se descortinando que “razões atinentes ao momento da sua emissão” ou “outras” podem justificar a desordenação dos artigos em cada factura.

  17. Também não é correcto afirmar não ser certa a existência de “uma diferença cortante entre a forma de organização dos artigos descritos nas facturas reputadas falsas e as restantes”, como resulta do confronto entre os anexos 18 e 19 do RIT.

  18. À impugnante, caso pretendesse infirmar a validade deste indício, bastar-lhe-ia juntar aos autos cópias de outras facturas do M. em que, apesar de existir a mesma desordenação, a IT não as havia considerado como falsas e/ou facturas de outros fornecedores em que o critério da desordenação também houvesse sido seguido.

  19. No entanto, não só não o fez, como também não atacou este facto-índice, o que conduz a que se tenha de considerar que o douto Tribunal laborou em erro de julgamento, por violação do princípio do dispositivo, ao ter tomado em consideração factos que a recorrida não alegou e dos quais não podia tomar oficiosamente conhecimento.

  20. Ademais, não se trata de um requisito formal das facturas, mas de indício de que a aparência do documento se revelava necessária para permitir a diferenciação destas facturas falsas das outras emitidas por aquele mesmo fornecedor M.

    . XXX.

    Quanto à insuficiente identificação dos artigos facturados, também não podemos seguir o entendimento do Tribunal, quer porque não se trata de uma mera “irregularidade formal”, quer porque a relevância deste indício não tem nada que ver com uma qualquer “alegada dificuldade de fiscalização e controlo” por parte dos Serviços Inspectivos.

  21. O que a AT demonstrou é que artigos com descrições genéricas (como apenas «cerveja grade») nunca poderiam ser – como não foram – lançados no SIP.

  22. No que respeita aos prazos de pagamento, independentemente da existência ou não de um prazo pré-definido nas facturas do M., certo é que foi detectado um conjunto de facturas com prazos de pagamento muito alargados e que partilham uma série de outras características apontadas pela IT.

  23. O Tribunal, ancorando-se em...

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