Acórdão nº 00301/08.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | Carlos de Castro Fernandes |
Data da Resolução | 19 de Maio de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A A..., Lda. (Recorrente), melhor identificada nos autos, veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pela qual se negou provimento à impugnação por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2004 (períodos 0406T,0409T e 0412T), de 2005 (períodos 0503T, 0506T, 0509T e 0512T), de 2006 (períodos 0603T, 0606T, 0609T e 0612T) e de 2007 (período 0703T).
No presente recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: 1.
A decisão apresentada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que condenou a aqui Recorrente a liquidar o IVA relativo às transmissões de produtos de ourivesaria e relojoaria para Moçambique, por inobservância de forma legalmente prescrita para a prova da dita transacção é de rejeitar.
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Bem como, deve rejeitar-se a consideração aposta pelo Tribunal a quo de condenar a aqui Recorrente a liquidar o IVA relativo à venda de dois veículos automóveis, que esta havia adquirido em segunda mão, porquanto, a realidade desmente o entendimento apresentada por aquele Tribunal.
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Em relação à transmissão de produtos para o espaço fora da Comunidade, impõe-se salientar que, o procedimento formal não foi adoptado pela Recorrida devido às informações orais prestadas pelas autoridades alfandegárias, as quais informaram desconhecer a existência de qualquer procedimento adoptar, neste caso concreto, a remessa de algumas peças de ourivesaria transportadas por particulares.
Secção Contencioso Tributário 4.
Na realidade, a aqui Recorrente dirigiu-se, mais de uma vez, quer à Alfandega de Braga, quer ao próprio Aeroporto, a fim de lhe ser indicado o procedimento a adoptar para que aquele tipo de operações se realizasse.
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Porém, o facto é que aquelas Autoridades nunca lograram indicar o procedimento legal a adoptar – tudo, aliás, como melhor atestariam as testemunhas indicadas pela ora Recorrente com a sua Impugnação judicial, mas que o Tribunal a quo, numa atitude deveras incompreensível, entendeu prescindir do seu depoimento.
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No entanto, não prescindiu a ora Recorrente de agregar todos os documentos que comprovam a dita transmissão de produtos de ourivesaria e relojoaria para Moçambique, os quais veio a juntar aos presentes autos como prova da dita transacção, seja em sede do exercício do Direito de Audição Prévia, seja em sede de Impugnação Judicial.
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Ocorre que, não obstante aquela panóplia informativa, a Fazenda Nacional, numa soberba tributiva que enternece, entende que a forma é mais importante do que a substância e, agindo contra a Verdade (inexistência do facto tributário), exige a liquidação do IVA (indevido) daquela transacção para fora da Comunidade Europeia, fazendo “ouvidos de mercador”, quer à axiologia ínsita do artigo 14.º, n.º 1, al. a) do CIVA, quer ao disposto no art. 28.º, n.º 8 do mesmo diploma legal, quer ainda aos basilares princípios do nosso sistema jurídico-tributário, como o Princípio da Verdade Material na Tributação ou o principio da legalidade.
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Comungando do mesmo entendimento, o Tribunal a quo entendeu não subsumidos aos factos alegados pela Recorrente, comprovados mediante prova documental junta, o disposto no art. 14.º, n.º 1, al. a) e art. 28.º, n.º 8 do CIVA, vindo reiterar aquela mesma decisão.
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Ademais, ao arrepio de todos os brocardos definidores da actividade jurisdicional, entendeu que a presente causa revestia uma simplicidade suficiente que lhe permitiu, erradamente, prescindir da produção da prova testemunhal indicada pela Recorrente, proferindo a decisão ora posta em crise, nos termos do art. 113.º do CPPT.
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No entanto, aquela opção não foi a mais feliz, pois, como aludido ao longo dos presentes autos, a não adopção do formalismo adequado à transmissão de produtos para o espaço exógeno à Comunidade, deveu-se à incapacidade das Autoridades Alfandegárias de conseguirem indicar à aqui Recorrente o formalismo adequado a regularizar as mencionadas transacções.
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Contudo, a aqui Recorrente, como reflexo do zelo de boa-fé que tinha e tem ao longo deste negócio, sempre se muniu dos documentos (facturas, recibos e declarações da pais importador) necessários à comprovação da dita transmissão dos bens para o espaço fora Comunidade, os quais já juntou aos presentes autos, seja aquando o exercício de Direito de Audição, seja em sede de Impugnação Judicial.
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Ora, com o acervo documental junto pela aqui Recorrente, dúvidas não podem subsistir, para a Fazenda Nacional e muito menos para o Tribunal a quo, da existência da transmissão de bens expedidos para Moçambique, mantendo uma decisão que visa a prossecução tributária a todo o custo, sem respeito pela realidade fáctica.
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Aliás, tanto assim é que, o Tribunal a quo nem sequer ousou atender à prova testemunhal arrolada, sendo certo que, este meio de prova atestaria a veracidade de todos os factos anunciados nos presentes autos, não deixando dúvidas quanto à Transmissão dos Bens para fora do Espaço Comunitária, isto é, para Moçambique.
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Então, questiona-se: deve o Estado, na sua vertente tributária, através da Administração Tributária, prosseguir uma tributação “cega”, sem consideração pela existência ou inexistência de factos tributários? Ou deve, contrariamente, adoptar uma conduta racional e consciente, com respeito pela Verdade e tributar apenas os factos tributários efectivamente comprovados, em respeito pela Justiça Material? 15.
Ressuma da própria axiologia imanente ao ordenamento jurídico-tributário que a resposta a dar vai no sentido de que, a tributação deve cingir-se apenas e só aos factos tributários efectivamente comprovados, tudo, aliás, como deriva do princípio da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material e em harmonia com o art. 36.º, n.º 1 da LGT, isto é, a tributação deve verificar-se com a produção real e efectiva do facto tributário.
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No caso sub judice, inexiste o facto jurídico sujeito a IVA, porquanto a transmissão de bens/produtos para Moçambique/fora da Comunidade, encontrase isenta de IVA, como dispõe o art. 14.º, n.º 1, al. a) da LGT, como tal, não se constitui a relação jurídico tributária relativa necessária para a emergência da obrigação tributária, pois assim, se enaltece o princípio da verdade e justiça material, alicerce intrínseco à actividade tributária.
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Assim, não obstante a aqui Recorrente, por facto imputável aos funcionários da Alfândega de Braga e do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, não lograr apresentar o documento idóneo para regularizar a transacção dos produtos para Moçambique, o facto é que, apresentou toda a prova documental necessária que comprova aquela operação.
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Mais! A prova daquela transacção só não foi mais cabal, porquanto o Tribunal a quo prescindiu da produção de prova testemunhal arrolada pela aqui Recorrente, nos termos do ponto 14.º, n.º 1, al. a) do CIVA, razão pela qual, prosseguiu a teima iniciada pela Administração Tributária de tributar as indicadas operações, quando as mesmas não se encontram sujeitas a imposto, nos termos do art. 14.º, n.º 1, al. A) do CIVA.
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Esta conduta obstaculiza o disposto no art. 99.º da LGT e o art. 36.º do mesmo diploma legal, pois, sendo patente in casu a transmissão de produtos de ourivesaria e relojoaria para Moçambique, não obstante o documento idóneo para provar aquela transmissão não ter sido junto, exsuda da prova já junta, a veracidade daquela transmissão, pelo que, à luz do princípio da justiça material deveria o Tribunal a quo determinar a revogação da liquidação apresentada pela Fazenda Nacional.
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Até porque, o Estado não pode ter uma visão mentecapta face à realidade, na prossecução do seu fim tributário. Pelo contrário, deve atender à realidade, aos factos tidos por provados para liquidar os vários impostos. Além de que, deve sempre atender ao conteúdo comportamental do sujeito passivo de imposto e não à sua forma, visto que, a...
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