Acórdão nº 00358/10.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelTiago Miranda
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 14 de Abril de 16 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a impugnação, proposta por A... S.A.

com sede na Rua (…), NIPC (…), contra as liquidações adicionais relativas a períodos do ano de 2005, bem como dos respectivos juros compensatórios, no valor global de 36 421 791,88 €.

Circunscreveu o seu recurso ao IVA que liquidara relativamente à “prestação de serviços promocionais” aos fornecedores em contrapartida de descontos no preço dos bens fornecidos.

Também a Impugnante interpôs recurso, quanto à parte da sentença recorrida que sufragou a não aceitação, pela AT, da rectificação do IVA a deduzir em consequência da utilização, pelos clientes, de talões de desconto como “meio de pagamento”.

A AT rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: CONCLUSÕES A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2005 e correspondentes juros compensatórios, melhor identificadas na douta sentença, no montante global de € 36.421.791,88.

  1. É da parte da decisão respeitante à questão do “IVA em falta por não liquidação de imposto na prestação de serviços promocionais” que a Fazenda Pública (FP) recorre, por não se conformar com a aplicação do direito aos factos que, no seu modesto entender, deveria ter decisão diversa, o que conduz a erro de julgamento de facto e de direito determinante da sua revogação e substituição por outra decisão que considere o vício em causa improcedente.

  2. Com efeito, fixados os factos determinantes para o julgamento da causa, o Tribunal a quo entendeu que os valores debitados aos fornecedores da Impugnante, a título de “abono frete”, “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade preço”, “desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear”, deviam ser qualificados como verdadeiros descontos ao preço dos produtos, e não como prestação de serviços, dado que “A promoção dos produtos adquiridos ao fornecedor por parte da Impugnante favorece-o – embora reflexamente – na medida em que o mesmo continue a fornecer e/ou vender directamente tais produtos” – cfr. pag. 41 da douta sentença.

  3. Continua a argumentação do Tribunal a quo referindo que, “Da mera leitura do contrato em causa resulta a previsão contratual da prestação de serviços por parte da Impugnante no âmbito do designado contrato geral de fornecimento. Efectivamente, ali se prevêem autênticos serviços promocionais a favor de outro contraente. Porém, a simples redacção de tal contrato não nos pode levar, sem mais, a concluir pela existência de prestações de serviços por parte da Impugnante; é necessário algo mais, algo que nos permita assentar na efectivação de tais prestações de serviços. Quer dizer, é certo que as mesmas estão contratualmente previstas; mas daí a concretizaram-se vai uma grande distância. E a incidência de imposto reporta-se a operações concretas, e não a operações previstas e sem existência material, devendo atender-se à substância económica dos factos tributários – cfr. n.º 3 do art.º 11.º da LGT”.

  4. Mais acrescentando que partindo do pressuposto de que para existir uma prestação de serviços é necessário existir operações concretas e não, operações previstas contratualmente mas sem existência material, conclui que no caso em apreciação “não há qualquer operação a título oneroso mas, pura e simplesmente, um desconto no preço dos produtos adquiridos ao fornecedor pela Impugnante, desconto que é obtido à custa da poupança de custos por parte do fornecedor”.

  5. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública (FP) conformar-se com o doutamente decidido. Com efeito, estabelece o art.º 4.º, n.º 1 do Código do IVA, que são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens. O conceito de prestação de serviços ali estabelecido, não corresponde, à semelhança com o que sucede a nível de transmissão de bens, à definição civil de prestação de serviços, segundo a qual se trata do contrato em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição – art.º 1154.º do Código Civil (CC) G. Tendo em conta a natureza do IVA como um imposto geral sobre o consumo, o conceito de prestação de serviços aparece com um conteúdo residual ou negativo. A incidência do IVA ganha, assim, uma vocação de universalidade. A vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável. Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa actividade económica, deverá existir um consumo (Celorico Clotilde Palma, in Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 5.ª Edição, Julho de 2011, pags. 71 a 73).

  6. Por outro lado, tendo o conceito de prestação de serviços um carácter residual, a prestação tem que ser efectuada a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA. E relativamente ao valor tributável, o art.º 16.º do CIVA prevê, como regra geral relativamente às operações internas, que o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA.

    I. Entende-se por contraprestação o valor total obtido ou a obter como contrapartida da entrega dos bens ou da prestação de serviços. A prestação é constituída pela entrega do bem ou da prestação do serviço; a contraprestação é tudo o que se entrega como contrapartida da prestação recebida, ou seja, pressupõe a existência de uma operação onerosa (Patrícia Noiret Cunha, in Imposto Sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do IVA e ao Regime do IVA na Transacções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, pags. 255 e 256).

  7. A mesma Autora, na obra citada, a pags. 256 e 257, refere que a contraprestação foi definida pelo TJ (Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, conforme alusão às siglas utilizadas na obra, a pags. 22) no acórdão batatas holandesas como devendo ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva. Mais refere que o conceito pode configurar-se com recurso a quatro elementos: a) Em primeiro lugar, é necessária a efectiva obtenção de um bem ou direito, mediante um intercâmbio real de prestações; b) Em segundo lugar, a contraprestação deve ser susceptível de determinação pecuniária, ainda que a contraprestação seja em espécie, caso em que o valor deve ser convertível em unidades monetárias; c) Em terceiro lugar, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo directo que vincule a prestação e a contraprestação efectuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve igualmente ser directo (a contraprestação deve inserir-se num acordo de vontades – acórdão Tolsma), e; d) Em quarto lugar, a apreciação da contraprestação tem um cariz subjectivo, na medida em que é necessário partir dos dados reais da operação em causa, analisando o valor efectivamente recebido em cada operação individualmente considerada.

  8. Por outro lado, é conveniente dizer que a contraprestação não coincide exactamente com o preço dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, elencando o art.º 16.º, n.º 6 do CIVA determinadas situações que estão excluídas do valor tributável, onde se incluem os descontos, os abatimentos e os bónus concedidos, exclusão que deve ser feita sempre que esteja numa relação directa com o bem que se transmite ou o serviço que se presta.

    L. Volvendo ao caso sub judice, a Impugnante celebra com os seus fornecedores CGF, constando das condições ali estabelecidas dois tipos de obrigações, em que a Impugnante assume a posição de cliente e prestador de serviços, simultaneamente. As obrigações designadas de gerais estão relacionadas com o fornecimento dos produtos, assumindo a Impugnante, neste caso, a condição de cliente; por outro lado, constam as obrigações de cooperação e desenvolvimento associadas aos serviços prestados, situação em que a Impugnante assume a condição de fornecedora e, reflexamente, os fornecedores assumem a condição de clientes.

  9. Os vários tipos de serviços/descontos debitados e acordados com os fornecedores são calculados, genericamente, mediante uma percentagem de compras de determinados produtos negociada com cada fornecedor, tendo por objectivo as seguintes contrapartidas, a saber (vide factos dados como provados, a pags. 18 e 19 e na fundamentação de direito, a pag. 40 da sentença): a) Efectuar a recolha da mercadoria no próprio fornecedor (“abono frete”); b) Dar preferência aos produtos desse fornecedor em detrimento de outros com produtos iguais ou similares e disponíveis no mercado. São ainda associadas vantagens relativas à facilidade de colocação dos produtos, dado o parque comercial de lojas, cuja implantação se estende a todo o país continental e ilhas (“cooperação comercial”); c) Proporcional(r) aos fornecedores a participação nos vários programas de actividades promocionais que alavancam as vendas dos respectivos produtos nas lojas (“animação promocional”); d) Utilizar os canais de distribuição da Impugnante, garantindo o eficaz lançamento de novos produtos e a exploração de novos segmentos de mercado; beneficiar dos programas de pesquisa e desenvolvimento com vista a...

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