Acórdão nº 00871/08.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. M...EM, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 19.09.2019, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida contra a recusa de provimento ao recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa que teve por objeto a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º ...47, relativa ao exercício de 2003, no montante de € 138.538,99.

1.2.

A Recorrente M...EM terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «Termos em que se conclui: I.

Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 1ª Instância, que julgou improcedente a impugnação deduzida.

II.

No essencial, a matéria em causa nos presentes autos reconduz-se à não aceitação como custo da impugnante do ano de 2003 os valores contabilizados como custo do exercício relativamente aos programas habitacionais geridos pela impugnante.

III.

Os custos em causa dizem respeito ao total das comparticipações a fundo perdido que a impugnante atribuiu no âmbito da execução do programa PER (ao abrigo do disposto no nº 7 do artº 3º do DL 79/96) e ao total das comparticipações a fundo perdido que a impugnante atribuiu no âmbito da execução do programa RECRIA (ao abrigo do disposto dos artºs. 3º e 4º do DL 329-C/2000).

IV.

No essencial, o relatório de inspeção conclui que era sobre a Câmara Municipal que impendia a obrigação de atribuição dos referidos subsídios ou comparticipações, e não à impugnante, não aceitando aqueles custos.

V.

A sentença recorrida, embora não se pronunciando sobre a questão concreta de ser a Câmara Municipal ou à impugnante que impende a obrigação da atribuição de subsídios, vai no entanto no sentido de, recolhendo normas constantes dos Estatutos da Impugnante e do Protocolo assinado com a Câmara Municipal ...X, chegar à conclusão de que a transferência da atribuição da execução dos programas habitacionais do Município para a impugnante tem que estar alicerçada num contrato programa.

VI.

E ao não existir contrato programa para o ano 2003, em causa nos presentes autos, considera a sentença recorrida que o custo que a impugnante assumiu com o pagamento de quantias aos beneficiários dos programas PER e RECRIA não respeita à impugnante por não se enquadrar nas suas atribuições, julgando válidas as liquidações impugnadas.

VII.

No mais, julga improcedentes os demais vícios assacados pela impugnante às liquidações em causa, mantendo as mesmas.

VIII.

Ora, a sentença recorrida parte do pressuposto de que é necessária a celebração de um contrato programa para que seja legítimo à impugnante proceder à execução dos programas habitacionais PER e RECRIA, porquanto, muito embora tal condição não tenha ficado expressa nos estatutos da impugnante, a mesma decorre do protocolo celebrado entre a impugnante e a Câmara Municipal ...X, posterior aos estatutos, e que efetua uma alteração aos estatutos (sentença, pág. 18).

IX.

Não se pode de forma alguma concordar com tal interpretação. Desde logo, nunca um protocolo celebrado com uma Câmara poderia ter a virtualidade de alterar os estatutos de uma empresa municipal, que, como é sabido, foram aprovados aquando da criação da empresa pela entidade que tinha competência para o efeito – a assembleia municipal – al. a) do nº 1 do artº 4º do DL 58/98.

X.

E nos Estatutos da impugnante está expressamente referida, como objeto social da mesma, a gestão social, patrimonial e financeira do património habitacional do Município ...X (artº 3º dos Estatutos, juntos aos autos), constando ainda como uma das suas atribuições “promover o programa Per-Familías” e “assegurar a execução de diversos programas habitacionais (…) nomeadamente os programas Recria (…)” – alíneas k) e l) do artº 4º dos mesmos Estatutos.

XI.

Por outro lado, constituem receitas da impugnante “as rendas provenientes do património habitacional que lhe foram atribuídas pela Câmara Municipal ...X” (a. a) do artº 21º dos Estatutos), sendo que, apenas e só caso o Município pretenda que a impugnante realize investimentos de rendibilidade não demonstrada ou adote preços sociais é que poderá celebrar contratos programa com a empresa – artº 24º dos Estatutos, realce nosso.

XII.

Isto posto, no título constitutivo da impugnante, que não pode ser alterado por nenhum protocolo posteriormente celebrado pela mesma e pela Câmara Municipal, desde logo porque nenhuma administração de nenhuma entidade, pública ou privada, tem a capacidade jurídica de alterar os seus estatutos de tal entidade, os quais têm sempre que ser alterados por quem os aprovou (os sócios, e no caso concreto, a Assembleia Municipal ...), em lado algum se faz referência a que apenas se dará a transferência da execução dos programas habitacionais se for celebrado um contrato programa.

XIII. Pelo contrário; a gestão daqueles programas foi integralmente transferida para a impugnante, na sua constituição, sendo certo que só no caso de ser necessário reforçar a impugnante com outros meios financeiros (designadamente por lhe ser exigida a realização de investimentos de rendibilidade não demonstrada ou a adoção de preços sociais) é que poderá ser celebrado um contrato programa.

XIV.

Esse o motivo pelo qual não foi celebrado um contrato programa no ano de 2003, conforme consta da própria sentença recorrida, porque – e agora remete-se para o relatório e contas do ano de 2003, junto pela impugnante na sua petição inicial e pela administração fiscal – ao contrário do que tinha acontecido em 2002, na houve necessidade de fazer comparticipar a Câmara Municipal nas despesas, sendo que “todas as verbas gastas com o PER FAMILIAS e com o RECRIA estavam consignadas no orçamento da empresa”.

XV.

Mais: conforme consta daquele Relatório, no ano 2003 a empresa teve um resultado líquido positivo de € 88.325,02.

XVI.

Esse o motivo por que não foi celebrado qualquer contrato programa… Não foi necessário que a Câmara Municipal entrasse com qualquer verba.

XVII.

A empresa, no ano de 2003, foi completamente autónoma como consta do relatório e contas junto, auferiu rendimentos próprios, motivo pelo qual a atividade que desenvolveu é totalmente imputável à mesma: declarou todos os rendimentos, e devem ser-lhe imputados todos os custos.

Isto posto; XVIII.

No caso em apreço trata-se, quase e na essência, de uma delegação intersubjectiva – entendida como um instrumento de desconcentração de poderes que conferem ao órgão delegado a qualidade de órgão indirecto da pessoa colectiva pública a que pertence o órgão delegante – cfr.

PAULO OTERO, “A competência delegada no Direito Administrativo Português”, Lisboa, 1987, p. 99 ss.

XIX.

A solução de flexibilização de serviços encontrada pelo Município ...X foi a de proceder à transformação dos Serviços Municipalizados de Habitação numa empresa pública municipal denominada M...EM, ora impugnante, transferindo-se o exercício de determinado tipo de funções públicas para tal entidade, também ela pública, que as exerce sob superintendência do município – são os próprios estatutos da M...EM que, logo no seu artigo 1º. Referem que a mesma “é uma empresa pública, criada pela Assembleia Municipal ..., dotada de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira e património próprio, a qual fica sujeita à tutela da Câmara Municipal ...X” XX. Pelo que não existe a necessidade de celebrar qualquer contrato programa para que ocorra tal transferência, porquanto a empresa municipal está a exercer as competências que lhe foram atribuídas pelo Município, e não a prestar um serviço ao Município, porque está a exercer as funções que lhe foram já inicialmente atribuídas, estando igualmente a assumir os custos de tal exercício, com a comparticipação nos programas habitacionais.

XXI.

Ou seja, não faz qualquer sentido o vertido no relatório, que veio a ser sufragado pela sentença recorrida, de que os custos da impugnante com os programas habitacionais são custos de terceiros… XXII.

Existe uma descentralização, entendida esta como uma flexibilização da actividade do Município, por forma a prestar um melhor serviço ao munícipe – descentralização realizada através de delegação permitida por lei, e não a entrega de uma empreitada a uma entidade estranha, para realizar tarefas que estavam cometidas à Câmara por lei – aliás, basta atentar no facto de a impugnante ter por base os Serviços Municipalizados, que vieram a ser objecto de transformação.

XXIII.

É, assim, inequívoca a existência de uma delegação ou desconcentração do Município para a impugnante, sendo de rechaçar liminarmente a tese da não aceitação como custos dos relativos à comparticipação nos programas habitacionais.

XXIV.

Acresce que, no caso concreto, a M...EM é uma empresa detida exclusivamente pelo Município ...X, ao qual consagra toda a sua actividade, estando, assim, verificadas, além do mais, as regras de que a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da CE faz depender a chamada “contratação in house”, ou seja, as regras para que o Município possa confiar livremente tarefas municipais à impugnante, pelo facto de o Município exercer sobre a impugnante um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, e o de a impugnante ser um “operador dedicado ao Município” – cfr., neste sentido, PEDRO GONÇALVES, “Regime Jurídico das Empresas Municipais”, p. 183.

XXV.

E tais regras conduzem a que a impugnante deva ser encarada como “um prolongamento administrativo da colectividade pública” – em sentido coincidente, cfr. conclusões do Advogado-Geral Léger, no processo Arge, apresentadas em 15.06.2000, Colect. 2000, p. I-11039.

XXVI.

Tudo para concluir, está em causa, na atividade desenvolvida pela impugnante, um serviço público municipal expressamente previsto na Lei nº 159/99, de 14.09, como correspondendo a uma competência típica da Câmara Municipal, sendo que a gestão do...

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