Acórdão nº 00554/08.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCarlos de Castro Fernandes
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Proc. n.º 554/08.3BEPRT Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A Autoridade Tributária e Aduaneira - AT (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou procedente a ação administrativa especial intentada por BR... – Sucursal em Portugal (Recorrida), melhor identificada nos autos, que havia sido deduzida contra o despacho de indeferimento proferido pelo Sr. Subdiretor Geral dos Serviços de IVA, datado de 10.12.2007, pelo qual se indeferiu o pedido de restituição de pagamento de quantias pagas a título de IVA.

No presente recurso, a Recorrente (AT) formula as seguintes conclusões: A - Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a ação interposta pela Recorrida e em consequência, anulou o ato da autoria do Sub-Director Geral do IVA datado de 10.12.2007, que indeferiu o pedido de reembolso da quantia de € 99.420,55, a título de reembolso de IVA e condenou a ré à sua restituição, acrescida dos juros indemnizatórios.

B - A questão controvertida consiste em saber qual o meio processual adequado para a Recorrida solicitar o reembolso do IVA quantia pago pela Recorrida: o mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 71.º ou o n.º 2 do artigo 91.º todos do CIVA. (Numeração em vigor à data dos factos).

C - O Tribunal a quo decidiu que o caso dos autos se situa fora do âmbito objectivo de incidência de IVA, pelo que a regularização da situação contributiva da Recorrida não é susceptível de fazer-se com recurso ao artigo 71.º do CIVA - o qual pressupõe a existência de uma operação sujeita a tributação e à regularização do imposto pago a mais ou a menos.

D - Salvo melhor entendimento considera-se que esta interpretação não tem qualquer suporte no texto da lei pelo que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento.

E - Mas, mesmo assim não se entendesse, sempre resultaria provado que no caso em apreço, a Recorrida liquidou IVA de acordo com a nota de crédito emitida, pelo que houve uma operação tributável enquadrada no regime de tributação do IVA.

F - O meio processual adequado e próprio para a Recorrida defender a sua pretensão relativa à correção do imposto entregue em excesso é o mecanismo previsto no n.º 6 do art.º 71.º do CIVA, e não o artigo 91.º do CIVA que tem carater residual G - Entendimento este que constitui posição consolidada dos Tribunais superiores, conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0966/10 de 18.05.2011 do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e, mais recentemente, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 06573/13 de 08.01.2015, bem como a decisão Arbitral n.º 91/2013-T.

H - De igual modo, mal andou a decisão recorrida por considerar que a aplicação do artigo 91.º do CIVA não tem carácter residual ou de última ratio; I - Incorreu ainda em erro de julgamento a decisão impugnada ao qualificar o erro que deu origem ao pedido de reembolso como erro na autoliquidação de IVA.

J - Uma coisa será a liquidação de imposto operada na nota de crédito emitida por um sujeito passivo, em que cobra o imposto ao adquirente do bem ou serviço, e outra será a autoliquidação efetuada na correspondente declaração periódica, onde fixa o imposto a entregar ao Estado.

K - No caso concreto, os erros em que a Recorrida assenta a sua pretensão deram-se nas liquidações integradas nas notas de crédito à sua subsidiária, e não na autoliquidação, que foi feita em conformidade com o imposto por ela mencionado naqueles documentos, e, como tal, com a lei.

L - Por não se verificar qualquer erro na autoliquidação a decisão ora impugnada incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento ao pronunciar-se no sentido que a Autoridade Tributária tinha o dever de a proceder à retificação da liquidação a favor do sujeito passivo nos termos do art.° 78.°, n.ºs 1 e 2 da LGT e 91.°, n.° 2 do CIVA, condenando a ora Recorrente ao reembolso do IVA e ao pagamento de juros indemnizatórios.

M - Com efeito, a autoliquidação, enquanto estiver em conformidade com o respetivo documento contabilístico “nota de crédito” – para o que ora interessa – está em situação regular.

N - A Administração Tributária deve pautar a sua atuação em cumprimento do princípio da imparcialidade conformando a sua atuação nos termos e com fundamento na lei como aliás fez na situação sub judice, não podendo privilegiar uns beneficiários em detrimento de outros, criando situações injustas.

O - Não tendo a Recorrida exercido o direito que lhe assiste – reembolso do imposto pago em excesso - no prazo legal, por razões de certeza e segurança jurídica, extingue-se o mesmo por caducidade.

P - Verifica-se assim provado que a Autoridade Tributária limitou-se a cumprir, de acordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 266.º da Constituição o determinado em sede tributação do CIVA.

Q - Destarte, o ato que indeferiu o pedido de correção não padece de qualquer ilegalidade pelo que deve ser revogada a sentença que o anulou e determinou o reembolso do IVA bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

Finaliza a Recorrente pedindo que a presente ação seja julgada totalmente improcedente, revogando-se a decisão recorrida.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nestas concluindo que: A.

Na sequência de uma operação de transmissão de ativos realizada entre a Recorrida e a BA... Sociedade Unipessoal, Lda., a primeira procedeu a regularizações de IVA a favor do Estado, em relação aos meses de dezembro de 2003 e agosto de 2004, que ascenderam ao montante total de € 99.420,55.

B.

Na sequência do entendimento da Recorrente versado no âmbito de um procedimento de inspeção instaurado contra a Recorrida, de que a operação em causa se encontrava fora do âmbito de incidência objetiva de IVA, a Recorrida, a partir de março de 2007, exerceu o seu direito de solicitar a regularização a seu favor do montante de € 99.420,55 que havia entregue em excesso a favor do Estado, através da sucessiva apresentação das competentes declarações periódicas de substituição e de pedidos de reconhecimento do crédito.

C.

Essa pretensão da Recorrida foi-lhe sendo sucessivamente negada por parte da Recorrente, seja através da não-aceitação das declarações de substituição, seja através da rejeição dos pedidos de reconhecimento do crédito que aquela havia formulado.

D.

A Recorrente indeferiu o pedido da Recorrida com base no argumento de que esta última exerceu o seu direito para além do prazo de dois anos previsto no artigo 71.º (78.º), do Código do IVA.

E.

Sucede, porém, que o uso desse argumento não tem qualquer cabimento, à luz das normas aplicáveis ao caso concreto.

F.

Nenhuma das disposições previstas no artigo 71.º (78.º), do Código do IVA, nomeadamente os seus n.ºs 2 e 6, foram pensadas pelo legislador para lidar com casos de regularizações de IVA liquidado e entregue em excesso ao Estado provocadas por erros de direito no enquadramento de uma dada operação comercial.

G.

Na medida em que não se podem confundir os erros de direito com outro tipo de erros (materiais, de cálculo, inexatidões nas faturas/notas de crédito) nem com outro tipo de circunstâncias que podem despoletar a necessidade de regularizações de IVA (e.g. anulação de operações e/ou reduções do respetivo valor), então é inequívoco que o direito da Recorrida em regularizar o IVA entregue em excesso ao Estado encontra abrigo junto do artigo 91.º (98.º), n.º 2, do Código do IVA.

H.

Tal é, de resto, a opinião de inúmera doutrina, designadamente de AFONSO ARNALDO, TIAGO ALBUQUERQUE DIAS, ALEXANDRA MARTINS, PEDRO MOREIRA, PATRÍCIA NOIRET CUNHA E INÊS PINTO LEITE, oportunamente citados pela Recorrida.

I.

Tal foi também a opinião expressa pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer (de fis 141 dos presentes autos), do Tribunal a quo, e de outra jurisprudência, também oportunamente citados pela Recorrida.

J.

Deste modo, tendo a Recorrida respeitado o prazo de quatro anos constante no artigo 91.º (98.º), n.º 2, do Código do IVA, não existem razões de ordem legal para que a Recorrente possa legitimamente rejeitar o reconhecimento daquele direito.

K.

Até porque, em última análise, tal rejeição da parte da Recorrente conduz(iria) a uma situação de enriquecimento sem causa atendendo a que, numa operação que a própria reconheceu não estar sujeita a IVA, se está(rá) a locupletar injustificadamente de uma quantia a que sabe não ter direito.

L.

Tanto mais é assim que, em função da jurisprudência do TJUE, tem sido entendimento pacífico que, em casos em que estejam envolvidos sujeitos passivos agindo de boa-fé e em que se verifique que as regras do Direito da União foram desrespeitadas aquando da liquidação do IVA, não devem os Estados-Membros (e as suas autoridades nacionais) adotar comportamentos que impeçam aqueles sujeitos passivos de serem ressarcidos das quantias...

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