Acórdão nº 02181/21.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução30 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO BB - URBANISMO E HABITAÇÃO, E.M. instaurou acção administrativa contra AA, ambas melhor identificadas nos autos.

Pediu a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €352,55, a título de dívidas de rendas vencidas e não pagas e ainda a quantia de €418,51, referente a prestações vencidas e não pagas no âmbito de acordo de pagamento em prestações, acrescida de €159,66 a título de indemnização pela mora e dos juros de vencidos, no montante de €147,26 e vincendos, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir e absolvida a Ré da instância.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: I. Nenhuma norma na Lei 81/2014, de 19 de dezembro, nomeadamente nos seus artigos 17º e 28º, atribui à BB qualquer poder de autotutela executiva, nem o poder de emitir título executivo consubstanciado em certidão de dívida.

  1. De acordo com o artigo 179.º nº1 do CPA, a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias mediante processo de execução fiscal apenas será possível quando i) as prestações pecuniárias sejam devidas por força de um ato administrativo; e ii) estas devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, sendo certo que não estamos perante nenhum ato administrativo nem a BB é pessoa coletiva pública.

  2. As empresas locais apenas podem ser admitidas a exercer poderes públicos de autoridade mediante habilitação legal expressa, nos termos do disposto no artigo 22º do Regime Jurídico do Sector Público Empresarial (DL n.º 133/2013, de 03 de outubro) e a BB não está expressamente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, uma vez que inexiste norma legal ou estatutária que a invista nesse poder, que o legislador reservou para as entidades públicas.

  3. Se o legislador pretendesse conceder às empresas locais a possibilidade de execução coerciva de obrigações pecuniárias, tê-lo-ia feito, retirando a expressão “pessoa coletiva pública” da norma inserta no artigo 179.º do CPA, o que não fez porque quis intencionalmente reservar a possibilidade de recurso à execução fiscal às pessoas coletivas públicas.

  4. O artigo 179.º nº1 do CPA faz depender a possibilidade de recurso ao processo de execução fiscal de as prestações pecuniárias serem, devidas a uma pessoa coletiva pública o serem “por força de um ato administrativo” e segundo o artigo 17º n.º 2 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo (e não ato administrativo).

  5. As prestações pecuniárias em dívida – as rendas – não são devidas em função de um ato administrativo, mas sim em virtude de incumprimento do contrato por parte do inquilino, pelo que a declaração de tal incumprimento carece de tutela jurisdicional.

  6. O legislador não consagrou expressamente a possibilidade de as entidades detentoras de habitações arrendadas em regime de renda apoiada recorrerem à execução fiscal para a cobrança dos valores em dívida porque assim não quis.

  7. Sendo a entidade demandante uma Empresa Municipal, tem interesse em agir, sendo a ação nos Tribunais Administrativos o meio idóneo para tal fim, sendo certo que a procedência da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir determina que a Recorrente veja ser-lhe negada a possibilidade de cobrar os valores em dívida! IX. A decisão ora em crise que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, indeferindo liminarmente a petição inicial, viola o disposto no artigo 179º do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que a admita, com todas as legais consequências.

Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que serão supridos, deve a presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser revogada a douta decisão que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, indeferindo liminarmente a petição inicial, substituindo-a por outra que admita a petição inicial, seguido os autos a sua subsequente tramitação, com todas as legais consequências.

Fazendo assim JUSTIÇA! Não foram juntas contra-alegações.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS Atente-se no discurso fundamentador da sentença: O interesse em agir é um pressuposto processual autónomo que se distingue da legitimidade por ultrapassar o âmbito da titularidade da relação material controvertida, alcançando o campo da necessidade da tutela jurisdicional.

A falta de interesse em agir é uma excepção dilatória insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do réu.

Vejamos.

Em 30.06.2015, a autora e a ré celebraram contrato de arrendamento nos termos do qual a primeira deu de arrendamento à segunda a fração autónoma correspondente ao ..., em regime de propriedade horizontal, de tipologia T3, sito na Rua ..., freguesia de ....

Tal contrato foi submetido, nos termos da sua cláusula primeira, ao regime previsto na Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro. Mais resulta da sua cláusula décima primeira que o arrendatário se obriga a respeitar o Regulamento Municipal para o Arrendamento de habitações Sociais.

Estamos no âmbito de uma relação jurídica de arrendamento social, sujeita ao regime jurídico correspondente, ou seja, o regime do arrendamento apoiado para habitação, constante da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro. Efectivamente, dispõe o seu artigo 2.º, n.º 1, que “O arrendamento apoiado é o regime aplicável às habitações detidas, a qualquer título, por entidades das administrações direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do setor público empresarial e dos setores empresariais regionais, intermunicipais e municipais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam.” Na situação em causa pede-se o pagamento de rendas devidas àquela ao abrigo do contrato de arrendamento, pretensão que se situa no domínio da referida “relação jurídica de arrendamento social”, sendo o regime jurídico aplicável o do referido diploma legal.

Resolvida a questão do regime jurídico aplicável à situação em apreço, importa agora discernir se a autora dispõe de poderes de autotutela declarativa e executiva para alcançar a sua pretensão de obter o pagamento das rendas em dívida.

Nos termos do n.º 3 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, “Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, acrescentando o n.º 3 que “Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.” De tais normas resulta que cabe às entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado, como é o caso da autora: a) proceder ao despejo, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação (cfr. n.º 1); e b) promover a execução das rendas, encargos ou despesas em dívida (cfr. n.º 2).

Mais decorre que, quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, as decisões de promover a execução das rendas, encargos ou despesas em dívida e de proceder ao despejo devem ser tomadas por tais entidades em simultâneo, o que faz todo o sentido dado tratar-se de medidas de execução administrativas intimamente relacionadas. Por conseguinte, retiramos das normas citadas os poderes de autotutela declarativa e executiva das entidades que detêm habitações...

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