Acórdão nº 481/10.4BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | Paula Moura Teixeira |
Data da Resolução | 22 de Setembro de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G... Lda.
, NIPC ..., relativa às liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes aos anos de 2004 e 2005, no valor global de 1 086 765,07 €.
A Recorrente, Fazenda Pública, interpôs recurso da sentença proferida em 26.03.2012, que julgou procedente a impugnação judicial, a qual por acórdão deste TCAN de 30.09.2015, foi revogada e ordenada a baixa dos autos, para suprir a nulidade da sentença.
Em 23.01.2019 foi proferida nova sentença a qual é objeto do presente recurso.
A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:”(…) A.
Julgou a douta sentença recorrida totalmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), assim como dos respectivos juros compensatórios (JC), relativas aos exercícios económicos de 2004 e 2005, nos valores totais de €458.275,84 e €628.489,23 respectivamente, no valor global de €1.086.765,07.
B.
Com o devido respeito que é muito, entende a Fazenda Pública que o douto Tribunal a quo fez um errado exame crítico das provas produzidas (impondo-se a sua reapreciação), incorrendo em erro de julgamento de facto e de direito, vício que obsta à eficácia ou validade da dicção do direito e deve ter por consequência a sua revogação.
C.
Não só os factos dados como provados na sentença recorrida não justificam o decidido a final, como a prova carreada para os autos e que a Fazenda Pública entende deveria ter sido dada como assente, evidencia base factual bastante para concluir num processo lógico e coerente, e de acordo com as regras da experiência, objectivamente em sentido oposto ao decidido, a ponto de revelar uma e outra falha lógica, e que o discurso fundamentador seguido sofre do vício substancial na escolha da base e do percurso decisório.
D.
Em face do quadro fáctico exaustivamente descrito no RIT (na parte não impugnada), por se considerar determinante à boa decisão da causa, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 1, do CPC, a Fazenda Pública pugna pela ampliação da matéria de facto dada como provada.
E.
Em complemento dos factos extraídos do RIT e transcritos para os “Factos provados” da sentença recorrida, esta deveria também incorporar pelo menos, os seguintes factos (que igualmente se extraem do RIT): a.
Em 06/08/2004, a Redes y Cableados (empresa espanhola) factura à AD.. processadores “Intel Pentium 4 2800Mhz Skt 478 FSB 533 – Tray” pelo preço unitário de € 126,95, sem IVA por se tratar de uma aquisição. A AD.. factura-os à G... Lda. pelo valor unitário de € 114,00, acrescido de IVA.
É praticada aqui uma quebra de preço de 10,20% sobre o valor de aquisição. A G... Lda. adquire o bem mais barato em € 12,95 do que se tivesse adquirido directamente à empresa espanhola.
b.
Em 28/05/2004, a RG... (empresa espanhola) factura à AM... processadores “Intel Pentium 4 2800Mhz Skt 478 FSB 533 – Box” pelo preço unitário de € 134,95, sem IVA por se tratar de uma aquisição intracomunitária. A AM... factura-os à G... Lda. pelo valor unitário de € 119,50, acrescido de IVA.
É praticada aqui uma quebra de preço de 11,82% sobre o valor de aquisição. A G... Lda. adquire o bem mais barato em € 15,95 do que se tivesse adquirido directamente à empresa espanhola.
c.
O benefício económico para a G... Lda. é ainda visível nas situações em que a aquisição é a um buffer.
d.
Em 02/03/2004, a RyC... (empresa espanhola) factura à AM... processadores “Intel Pentium 4 2800Mhz Skt 478 FSB 533 – Tray” pelo preço unitário de € 128,55, sem IVA por se tratar de uma aquisição intracomunitária. A AM... factura-os à TPC... pelo valor unitário de € 114,69, acrescido de IVA.
É praticada aqui uma quebra de preço de 10,80% sobre o valor de aquisição.
A TPC... factura-os seguidamente à G... Lda. por € 118,06 cada, mais IVA.
Apesar da passagem por dois operadores portugueses, a G... Lda. adquire ainda o bem mais barato em € 10,49 do que se tivesse adquirido directamente à empresa espanhola, o que representa uma redução de 8,16% sobre o preço original.
e.
Em 14/12/2005, a RG... (empresa espanhola) factura à AM... processadores “Intel Pentium 4 3000Mhz FSB 800 – 1MB Cache – Box” pelo preço unitário de € 132,45, sem IVA por se tratar de uma aquisição intracomunitária. A AM... factura-os à TPC... pelo valor unitário de € 119,21, acrescido de IVA.
É praticada aqui uma quebra de preço de 10,00% sobre o valor de aquisição. A TPC... factura-os seguidamente à It... por € 121,40 cada, mais IVA. Esta factura à G... Lda. por € 128,90, mais IVA.
Apesar da passagem por três operadores portugueses, a G... Lda. adquire ainda o bem mais barato em € 3,55 do que se tivesse adquirido directamente à empresa espanhola, o que representa uma redução de 2,68% sobre o preço original.
f.
Em 31/08/2005 a B... (empresa espanhola) factura à T... memórias “DDR 400 Mhz – 512MB” pelo preço unitário de € 35,75, sem IVA por se tratar de uma aquisição intracomunitária. A T... factura-as à JC... pelo valor unitário de € 29,59, acrescido de IVA.
É praticada aqui uma quebra de preço de 17,23% sobre o valor de aquisição. A JC... factura-as à Inf... por € 30,50 mais IVA. Esta factura à G... Lda. por € 31,90 mais IVA.
Apesar da passagem por 3 operadores nacionais, a G... Lda. ainda adquire o bem mais barato em € 3,85 do que se adquirisse directamente à empresa espanhola, o que representa uma redução de 10,77% sobre o preço original.
g.
Passando por vários operadores portugueses, a mercadoria chega à G... Lda. a um preço inferior ao que tem na entrada no mercado português. Este é um facto que a empresa teria sem dúvidas conhecimento, já que ela própria efectuava aquisições no mercado comunitário.
h.
Estas quebras de preço praticadas só são economicamente possíveis dada a intenção do missing trader de não proceder à entrega nos Cofres do Estado do IVA que liquida aos seus clientes, fazendo dele o seu lucro.
i.
A G... Lda. teria que conhecer estes factos dado que existe, entre vários dos operadores, um elemento de ligação – AA.
j.
Conforme referido nos pontos 6.1.2.1 e 6.1.2.2 do RIT AA era sócio das empresas AD.. e AM...; k.
Conforme referido no ponto 6.1.1.1 do RIT, AA foi sócio da TPC... até 10/11/2003 (refira-se que a empresa deu inicio de actividade para efeitos fiscais em 15/09/2003), data em que cedeu a sua quota pelo valor nominal a BB, que foi em 2003 funcionária da empresa AM..., da qual AA era sócio; l.
Conforme referido no ponto 6.1.3.1 do RIT, a única sócia da Mqa... era CC, NIF ..., cidadã de nacionalidade equatoriana, com domicílio fiscal na Rua .... De referir, que se trata da sede das empresas AD.. e AM..., e do domicílio fiscal de AA. Refira-se que esta senhora é cunhada de AA, tendo afirmado que foi ele quem lhe propôs o negócio e aconselhou a constituir a empresa.
m.
Segundo dados da Administração Fiscal Espanhola, no decurso de uma acção de inspecção à empresa R..., SL, NIF ..., que declara transmissões intracomunitárias para a G... Lda., quando questionados quanto à pessoa de contacto na G... Lda., os responsáveis da empresa espanhola afirmaram que “Todos os pedidos eram efectuados por telefone. A pessoa encarregada de o fazer era o AA, gerente da empresa citada”.
n.
A G... Lda. estava estreitamente ligada às operadoras AM..., AD.., A TPC... e Mqa..., pelo que não podia deixar de ter conhecimento da origem das mercadorias e da fraude praticada.
o.
Estamos perante um esquema organizado de circuitos de transacções, com intenção de lesar o Estado em sede de IVA.
p.
Os operadores que neles participam conhecem a forma de actuar destas redes, cumprindo com a sua função no circuito, conforme a posição em que participam (missing trader, buffer ou broker).
q.
Todos os operadores, obtêm um benefício “à conta do IVA”, lesando o Estado.
r.
Existe um esforço concertado por parte dos operadores em cumprir com todas as formalidades inerentes a um negócio, ou seja, documento suporte (factura), documento de transporte, meio de pagamento, criando assim uma aparente legalidade formal, conseguida apenas com o esforço e perfeito desempenho de cada um dos intervenientes, que partilham o benefício, em prejuízo do Estado.
F.
No decurso do iter procedimental, os serviços de inspecção tributária carrearam evidências sólidas e bastantes que lhes permitiram concluir pela ilegitimidade da dedução do IVA, nos termos do art. 19º, nº3 e 4, do CIVA.
G.
A Administração Tributária provou a existência de indícios fortes e credíveis de que os pressupostos necessários ao exercício do direito de dedução não estavam preenchidos.
H.
A impugnante, não conseguiu infirmar a prova produzida pela Administração Tributária, e no que mais importava aos presentes autos, não conseguiu provar o seu direito à dedução do IVA em crise.
I.
O ónus da prova do direito à dedução do IVA cabia ao sujeito passivo/impugnante, cabendo apenas à Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos da sua actuação, no âmbito do preceituado no art. 19º do CIVA e art. 75º, nº 1 e 2, da LGT. A Administração Tributária não precisava demonstrar qualquer acordo simulatório.
J.
Sintomaticamente, o RIT não examinou directamente a existência de transacções comerciais entre a impugnante e os seus fornecedores nacionais, mesmo porque não releva ao caso dos autos determinar em especial a existência de simulação, para efeitos do art. 19º, nº3 e 4 do CIVA, porquanto o circuito criado integra uma conduta fraudulenta dirigida à dedução ilícita de IVA.
K.
Importam essencialmente, e para efeitos do art. 19º, nº3 e 4, do CIVA, os contornos específicos em que essas transacções aconteceram, designadamente, pela prova da existência de indícios sérios e objectivos que conduzem à certeza...
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