Acórdão nº 02294/18.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Setembro de 2022

Data16 Setembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I.

RELATÓRIO 1.

O MUNICÍPIO do PORTO, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 12 de Abril de 2021, que, julgando parcialmente procedente a acção administrativa, interposta por "E... Lda", com sede na Rua ..., ...

, Porto, onde peticionava que: - (a) no procedimento de reclamação administrativa desencadeado pelo requerimento com a referência n.º 30.../16 se formou, em 5 de Dezembro de 2016, acto tácito de deferimento; - (b) o despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto no processo n.º 64.../10/CMP, com data de 19 de Setembro de 2016, foi administrativamente anulado com fundamento na sua invalidade; - (c) o procedimento de fiscalização urbanística com o n.º 64.../10/CMP se encontra arquivado; e, bem assim, - (d) a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, em quantia a liquidar em incidente ulterior, declarou/decidiu que "... no procedimento desencadeado pelo requerimento entrado sob o n.º 30.../16/CMP se formou, em 5 de Dezembro de 2016, acto tácito de deferimento da reclamação administrativa apresentada pela Autora e, nessa medida, que foi (i) anulado o despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto de 16 de Setembro de 2016 e (ii) arquivado o procedimento de fiscalização autuado sob o n.º 64.../10/CMP" e ainda absolveu "... o Réu do pedido indemnizatório formulado sob a alínea d)".

* Nas suas alegações de recurso, o Município do Porto formulou as seguintes conclusões: "A.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a acção administrativa intentada pelo ora Recorrida e, consequentemente, declara “que no procedimento desencadeado pelo requerimento entrado sob o n.º 30.../16/CMP se formou, em 05 de Dezembro de 2016, acto tácito de deferimento da reclamação administrativa apresentada pela Autora e, nessa medida, que foi (i) anulado o despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto de 16 de Setembro de 2016 e (ii) arquivado o procedimento de fiscalização autuado sob o n.º 64.../10/CMP”) e absolve “o Réu do pedido indemnizatório formulado sob a alínea d))” [Vide dispositivo da sentença proferida pelo tribunal a quo. O recurso é somente relativo aos 3 primeiros pedidos.] B.

A sentença recorrida enferma dos vícios de erro de julgamento, errónea aplicação e interpretação dos artigos 114.º, n.º 2 e 68.º, alínea c), ambos do RJUE, o que resulta na errada conclusão de que se formou o deferimento tácito sub judice no dia 5 de Dezembro de 2016.

C.

Com a presente acção administrativa, pretendeu a ora Recorrida i) ver declarado que no procedimento de reclamação administrativa desencadeado pelo requerimento entrado sob o n.º 30.../16/CMP se formou, em 5 de Dezembro de 2016, acto tácito de deferimento da reclamação administrativa apresentada pela Autora, ii) ver declarado que, em virtude de tal acto tácito de deferimento, o despacho proferido pelo Presidente da CMP no processo n.º 64.../10/CMP, com data de 19 de Setembro de 2016, foi administrativamente anulado (ou revogado com fundamento na sua invalidade) e iii) ver declarado que, em virtude de tal acto tácito de deferimento o referido procedimento de fiscalização urbanística (processo n.º 64.../10/CMP) encontra-se arquivado.

D.

Para tanto fazer valer as suas pretensões neste pleito, sustentou a Recorrida, que apresentou uma reclamação administrativa e que a mesma não foi respondida no prazo procedimental de 30 dias, pelo que se formou um deferimento tácito, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 114º do RJUE.

E.

A sentença recorrida desconsidera por completo o facto de as obras em causa não serem sequer susceptíveis de legalização, por não serem “obras de escassa relevância urbanística”, e de existir um parecer desfavorável da DRCN, acabando por fazer também uma interpretação literal do artigo 68.º, alínea c) do RJUE.

F.

Não corresponde à verdade que o Recorrente não se tenha pronunciado acerca da reclamação administrativa. Depois de recebida a reclamação administrativa apresentada pela ora Recorrida, logo os serviços municipais encaminharam a mesma para o respectivo Departamento Jurídico.

G.

Neste encalço, foi produzida a informação I/14.../17/CMP, de 16 de Janeiro de 2017, cfr. fls. 306 e seguintes do PA, que aqui se dá por reproduzida.

H.

O Recorrente promoveu a notificação da Recorrida da dita informação jurídica, mas apesar ter sido enviada por via postal registada com A.R. para a morada da Recorrida, esta não foi levantar a carta ao correio [A fls. 449 e 450 do PA pode ler-se a razão do não levantamento da notificação: “Objecto não reclamado”.].

I.

Poderá formar-se o deferimento tácito nos termos do disposto no nº 2 do artigo 114º do RJUE, quanto o particular recusa uma notificação? J.

A resposta parece é negativa, porque a figura do deferimento tácito surge no ordenamento jurídico português a título excepcional [No que se refere ao silêncio/inércia da Administração, o indeferimento tácito é a regra ], como forma de proteger os particulares das demoras da Administração em situações concretas, como sucede em questões urbanísticas (artigo 114º, nº 2 do RJUE).

K.

Perante um pedido de um particular existe um dever legal de resposta da Administração (artigo 13º do CPA), mas a realidade dos serviços da Administração em geral conduz não raras vezes a um silêncio que pode fazer perigar os direitos ou os interesses legalmente protegidos dos particulares.

L.

E é aí que opera o deferimento tácito: quando existem condições legais para o deferimento expresso e o mesmo só não sucede pelo silêncio e pela inércia da Administração.

M.

No caso em apreço, não existiu silêncio por parte do Recorrente, tendo sido dado seguimento à reclamação deduzida pela Autora, que só não foi notificada porque não quis, ao não levantar a carta no correio, pelo que não poderá operar o deferimento tácito. Conceder em entendimento contrário, seria o mesmo que promover condutas menos apropriadas da banda de quem se relaciona com a Administração, desvirtuar a razão de ser do deferimento tácito, bem como transmitir uma mensagem simples e perigosa aos particulares: se conseguirem não ser notificados no prazo legal, a vossa pretensão será (tacitamente) deferida.

Sem prescindir, N.

Existem barreiras inultrapassáveis à formação de um deferimento tácito. Desde logo se estivermos perante um acto cuja ilegalidade a Administração, o particular (e o próprio tribunal) não desconheçam.

O.

Conforme melhor resulta do PA, o edifício intervencionado está abrangido pela zona especial de protecção (ZEP) do Conjunto Classificado da Avenida de ..., podendo nele ser executadas obras tipificadas de escassa relevância urbanística, sem necessidade de controlo prévio municipal [Cfr.

informação I/57.../15/CMP, de 27 de Março de 2015 – cfr. fls. 211 e seguintes do PA.]. P.

Acresce, todavia, que se trata aqui de um imóvel classificado pela carta do Património do PDM-Porto como Imóvel de Interesse Patrimonial N1- ..., sendo legalmente determinada a sua protecção e valorização através, nomeadamente, do n.º 1 do artigo 45º do RPDM e do Artigo B-1/4º do CRMP.

Q.

Nesse sentido, o projecto de arquitectura aprovado pela licença de construção n.º ALV/1.../13/DMU, foi sendo sempre acompanhado pelos serviços municipais responsáveis pela protecção e preservação do património municipal, assim como pela DRCN.

R.

Existe vasta informação dos serviços municipais (DMAAU I/25.../16/CMP15, I/75.../16/CMP) atestando que as alterações introduzidas em obra não eram de escassa relevância urbanística, estando sujeitas, portanto, a controlo prévio.

S.

Foi ainda emitido parecer pelos serviços da Divisão Municipal de Museus e Património Cultural (DMMPC), I/147.../16/CMP [Cfr. fls. 215 do PA.], no qual se refere a existência de anteriores informações emitidas por aquela Divisão Municipal relativamente ao mesmo edifício (I/10.../10/CMP e I/182063/14/CMP), nas quais se menciona a realização de obras com impacto urbanístico.

T.

No seguimento desse entendimento foi solicitado e emitido parecer obrigatório (negativo) da DRCN, relativamente às obras de alteração levadas a cabo: Parecer, com a referência n.º S-2014/35...71 (C.S: 976036). Existindo um parecer negativo da DRCN, qualquer acto de deferimento de licenciamento...

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