Acórdão nº 01481/05.1BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelAna Paula Santos
Data da Resolução04 de Abril de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA e SMCS, LDA, melhor identificadas nos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao exercício de 2001 e respectivos juros compensatórios no valor global de €62.993,07.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA rematou as respectivas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem: I – O objecto do recurso I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por SMCS, Lda.

contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2001, pretendendo a Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação totalmente improcedente, mantendo na ordem jurídica as liquidações impugnadas.

  1. Conquanto a impugnante tenha imputado variados vícios às liquidações de IVA em causa, o douto Tribunal a quo entendeu aceder a apenas uma das pretensões, anulando, por vício de violação de lei, as correcções operadas em relação a operações alegadamente simuladas, no montante de € 25.485,85.

    II - A factualidade dada como provada III. No que respeita à aos factos dados como provados, e que não nos merecem qualquer reparo, destacam-se os pontos A. (pág. 2), G. (pág. 4 a 15, em especial o ponto III.1.2.

    IVA indevidamente deduzido em Operações Simuladas, de pág. 10 a 15), L. (pág. 17), M. (pág. 17), N. (pág. 17), O. (pág. 17), P. (pág. 17 a 19) e Q. (pág. 19).

    III – O entendimento do douto Tribunal a quo IV. Na douta sentença entendeu-se que a AT “não cumpriu o ónus que lhe incumbia de provar a simulação de transacções comerciais”, estribando-se no acórdão proferido pelo TCA Norte no processo n.º 01380/05.7BEBRG, de 31-01-2014 (no mesmo sentido, os acórdãos proferidos nos processos n.ºs 00199/07.5BEBRG e 00126/06.7BEBRG, ambos de 31-01-2014 e também do TCA Norte).

  2. Se logramos entender este segmento da douta sentença, para que se pudessem considerar aquelas facturas como falsas a AT teria de reunir indicadores objectivos da existência de um acordo simulatório entre o verdadeiro fornecedor dos bens, o emitente das facturas e o utilizador das mesmas.

  3. Não o fazendo, ficaria sempre em aberto a possibilidade de estarmos perante um caso de interposição fictícia (simulação subjectiva) ou perante um caso de interposição real (em que não haveria simulação), sendo esta situação de “dúvida” resolvida contra a AT.

  4. No entanto, com o devido respeito, a douta decisão aqui recorrida, ao percorrer idêntico caminho ao trilhado pelos aludidos arestos do TCA Norte, acaba por padecer dos mesmos erros de interpretação e aplicação da lei, por partir de premissas que não encontram acolhimento, nem no texto, nem no espírito dessa mesma lei.

    IV – A relação subjacente entre emitente e utilizador como requisito de dedutibilidade VIII. Considerou o douto Tribunal recorrido que, para efeitos de IVA, não constitui requisito do direito à dedução que tenha sido o emitente da factura a transmitir os bens ou a prestar os serviços (até porque o legislador se abstraiu da relação subjacente titulada na factura), entendendo que a dedutibilidade só pode ser afastada por uma norma de exclusão, designadamente pelo n.º 3 do artigo 19.º do CIVA.

  5. No entanto, o facto de o emitente que mencione indevidamente IVA [artigo 2.º n.º 1 alínea c) do CIVA] estar obrigado a entregar o imposto não significa que o legislador não atribua relevância à relação entre emitente e utilizador.

  6. Quer porque aquela norma também se aplica a situações em que existe uma relação (comercial) efectiva entre quem emite a factura e quem a utiliza, XI. Quer porque, naqueles casos em que o legislador obriga o emitente da factura a entregar o imposto que menciona e, concomitantemente, impede o utilizador de deduzir esse mesmo imposto, mais não faz do que assegurar o correcto funcionamento daquele imposto de matriz comunitária.

  7. Logo, a existência de uma relação verdadeira entre emitente e utilizador constitui um requisito de dedutibilidade do IVA.

  8. Por outro lado, o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA é uma norma que estabelece mais um requisito para a dedução e não uma verdadeira norma de exclusão, XIV. Quer porque foi opção do legislador estabelecer naquele artigo 19.º os requisitos materiais do direito à dedução (para além dos requisitos formais), definindo no artigo 20.º as operações que conferem esse direito e no artigo 21.º as exclusões ao mesmo, XV. Quer porque o legislador, em obediência à cláusula de standstill prevista na Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, apenas consagrou [manteve] as excepções ao direito à dedução no artigo 21.º do Código do IVA.

    V – O conceito fiscal de simulação e a interposição real de sujeitos XVI. A douta sentença considerou que o conceito de operação simulada terá de ser encontrada no domínio do direito civil, com o sentido que aí se consagra, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da LGT.

  9. Assim, fazendo apelo àquele regime, entendeu que, para que se possa falar em simulação subjectiva, é necessário que se verifique uma interposição fictícia, mas no sentido de se exigir um acordo entre todos os sujeitos intervenientes: o declarante, o declaratário e o interposto.

  10. Caso contrário, não haverá simulação, mas uma interposição real de pessoas, caindo-se na figura do mandato sem representação, na modalidade da comissão mercantil.

  11. Deste modo, deveria a AT reunir indicadores objectivos de que existe esse tal acordo entre todos os intervenientes pois, caso o não faça, subsistiria sempre a possibilidade de o interposto agir como comissário do verdadeiro fornecedor dos bens ou prestador dos serviços.

  12. Porém, este entendimento resulta de uma visão puramente civilista do instituto da simulação, incompaginável com a realidade fáctico-jurídica que o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA visa abranger.

  13. Na verdade, a figura da simulação, tal como se encontra recortada no plano civil, não tem pleno cabimento na análise ao fenómeno das facturas simuladas, visto que, desde logo, a previsão do legislador civil não pretenderia abranger a factualidade que se verifica no plano tributário, i.e., o regime jurídico da simulação, não foi pensado para a simulação fiscal.

  14. Ademais, “o conteúdo da simulação fiscal é, a nosso ver, determinado pela função do conceito neste ramo do direito. Visa prosseguir a verdade fiscal e a tributação segundo a capacidade contributiva. A área de protecção da norma (diversamente do que acontece na simulação civil) é uma relação jurídica concreta: a relação jurídico-fiscal” (PISÃO PEDREIRO, op. cit.

    , pág. 145 e 146).

  15. O erro de julgamento de direito consistiu, portanto, na consideração de que, para se poder falar de facturas simuladas, seria necessário a existência do tal acordo entre todos os intervenientes (e, consequentemente, que a AT reunisse indicadores objectivos desse acordo simulatório global).

  16. Deste modo, a interposição real, sendo uma figura tipicamente pensada para o direito civil e para os problemas que nele se suscitam, não encontra aplicação no campo da denominada facturação falsa, pelo menos com os contornos que a Inspecção Tributária assinalou no seu Relatório.

  17. Ao aplicar a figura da interposição real ao caso em apreço, o que o douto tribunal, no fundo, vem dizer é que, em sectores de actividade como os da sucata, o sujeito A, estando interessado na compra de sucata a B [o real fornecedor dos bens, regra geral, o chamado “ajuntador”, ente não registado/colectado e que, encontrando-se à margem dos sistema, não emite qualquer documento], acaba (por um qualquer motivo) por pedir ao sujeito C que compre os bens a B e lhos venda de seguida, cabendo a C a emissão da respectiva factura, XXVI. Sendo que esta construção, sendo perfeitamente possível no plano civil, afigura-se-nos totalmente descabida no plano tributário, no qual, o que normalmente existe é um adquirente de sucata que, comprando esse material aos mais variados fornecedores não registados (e que, por isso, não emitem factura), necessita de alguém que lhe documente esses custos, recorrendo, para tal, à figura do emitente de facturas falsas.

    VI – A questão do ónus da prova e do seu cumprimento pela AT XXVII. O douto Tribunal a quo andou bem ao considerar que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do IVA, bem como que a AT não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu, cabendo-lhe reunir indicadores objectivos de que tal acordo deveria ter existido.

  18. Diga-se ainda, a este propósito, que não é imperioso que a AT efectue uma prova directa da simulação.

  19. No entanto, com o devido respeito, a douta sentença labora em erro quando, partindo destes pressupostos, acaba por considerar que a Autoridade Tributária teria de invocar factos que indicassem a existência de acordo simulatório entre todos os intervenientes na operação (real fornecedor, interposto e utilizador).

  20. Na verdade, não se contesta que é à AT que compete reunir os tais “indicadores objectivos” da existência do acordo simulatório: o que se contesta é que a AT tenha de reunir tais indicadores relativamente à totalidade dos elementos daquela cadeia.

  21. Compete, isso sim, à AT reunir indicadores objectivos do acordo simulatório entre os emitentes das facturas (CASM, FRSC, AMC e SNE, Lda.) e o seu utilizador (SMCS, Lda.), o que, como resulta proficientemente do Relatório Inspectivo (ponto G. dos factos provados), foi por aquela realizado.

  22. Tanto mais que, no caso sub judice, a prova que o douto Tribunal a quo entendeu dever ser produzida pela Autoridade Tributária é manifestamente impossível, na medida em que...

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