Acórdão nº 00346/11.BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução15 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: I - J. M. L. F. . R.

e esposa M. M. C. . E.

[autores]; II - EP – Estradas de Portugal, SA [ré - atualmente, Infraestruturas de Portugal, S.A., por força da sucessão legal, nos termos do disposto no n.° 1, do artigo 2,°, do Decreto-Lei n.° 91/2015, de 29 de Maio] ; III - B. – A. E. . L., S.A.

[ré] ; … todos id. nos autos, vieram interpor recurso(s) de decisão do TAF de Coimbra, que julgou “a presente ação administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se as RR. a pagar solidariamente aos AA. a quantia de € 92.463,00 (noventa e dois mil quatrocentos e sessenta e três euros), acrescida de juros de mora contados desde o trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento”.

[Sendo intervenientes acessórias IV - S. E., S.A., L. E. . C., S.A., MSF – E., S.A., e N. – C. A., S.A. (integrantes da L. A. – Construtores, ACE (LACE)), V - F. – C de S, SA, e VI – C. . S. A., SA., despacho de 22/11/2016 (cfr. Acta de Audiência Prévia) determinou “a cessação de todas estas intervenções acessórias”]Os autores J. R. e M. E. finalizam o seu recurso com as seguintes conclusões: 1 – Entendem os AA que a decisão atacada enferma de erro de facto e de Direito.

2 – No que respeita à matéria de facto, consideram que deve ser reapreciada a prova testemunhal gravada, bem como a prova documental por não ter sido totalmente valorada, na decisão da matéria de facto, em questões de fundamental importância para o mérito da causa, dando como provados e não provados, factos que não o deveriam ter sido.

3 – Tendo ainda desconsiderado factos relevantes para a boa decisão da causa.

4 - Impugna-se a resposta dada à matéria dos factos não provados indicada em a): “`A substituição das caixilharias nas janelas e nas portas da habitação dos AA, por caixilharias em PVC está orçamentada em € 6 565,00”, porquanto se considera que foi incorretamente julgada, face aos depoimentos de A. P. N. F., M. A. V. . O., F. M. V. . M. C., J. . O. P. G. e J. L. R. P., que confirma a necessidade de recurso à substituição dessa caixilharia e contraditam a solução que o Tribunal a quo deu, 5 – Acresce que o valor objetivo do orçamento ali contemplado já se encontrava documentado nos Autos no Doc. 11 junto com a PI, com referência a material tipo “Tecnal”, cuja qualidade já seria a adequada para minorar o ruído e mais barata que o PVC e foi orçamentado em € 6565,00, em maio de 2011.

6 - Tanto mais que, se deu como provado no ponto 38 dos factos provados que a substituição da caixilharia permitiria diminuir o ruído vindo do exterior, não podendo ser dada relevância ao facto de terem sido aventados dois materiais distintos (“tecnal” e PVC) porque ambos cumprem com a função de minorar o ruído e reflectem a evolução dos materiais utilizados, com um custo diferenciado.

7 – Pelo que, esta matéria deverá integrar o elenco dos factos provados.

8 - No que concerne aos factos dados como provados nos pontos 19 e 20, dos factos provados, na parte em que o primeiro diz que foram monitorizados, no ano de 2009, o ambiente sonoro, com medições ao ruído em novembro e dezembro de 2009, junto ao local RU42 (localização da habitação dos AA) e em que o segundo discrimina os valores aí apurados, também concluímos que foi incorretamente julgado, face à prova documental constante dos Autos.

9 – Cumpre pois atentar ao RELATÓRIO MONITORIZAÇÃO DO AMBIENTE 2009 que refere expressamente que nenhuma campanha da Qualidade do Ambiente sonoro, foi realizada junto à habitação dos AA.

(ponto identificado como RU 42), pelo que, a monitorização ao ruído em 2009 não existiu, junto à habitação dos AA, ao contrário do que o Tribunal deu como provado.

10 – Sendo que a única monitorização realizada foi já no ano de 2010 (fevereiro de 2010), pelo que apenas poderia ter sido dado como provado a monitorização sonora efetuada junto à casa dos AA (RU 42) nesse ano.

11 - Acresce que, ficaram demonstrados factos que consideramos relevantes para a correta decisão da causa e que o Tribunal desconsiderou.

12 - A medição realizada no mês de outubro de 2005, junto à habitação dos AA, na fase do projeto de construção da A--, comprovada documentalmente nos autos correspondente ao ponto M5, (considerando o tráfego em estrada local e na A--), revela valores de LAeq- 47db (A) de dia e 45db (A) à noite.

13 – Medição esta a que o Tribunal não deu, indevidamente, relevância, excluindo-a dos factos provados, quando a mesma é essencial para comparar a situação existente antes e depois da abertura ao tráfego de veículos da Auto estrada, no que concerne aos níveis de ruído.

14 - E, conjugada esta matéria com a dos factos provados sob o ponto 17, dos factos provados, em que os resultados das medições obtidas em agosto de 2008 eram de 60dB(A) diurno e Ln e 51LB(A) noturno, ficou demonstrada a existência de um incremento sonoro relevante, entre a situação existente em outubro de 2005 (antes da A-- estar aberta ao tráfego de veículos) e em agosto de 2008 (após a A-- estar aberta ao tráfego de veículos).

15 – Estes factos comprovam assim o incremento sonoro (ruído) diurno e noturno, em medições constantes do processo entre outubro de 2005 (antes da A-- e já com a A--, realizada por entidade imparcial) e agosto de 2008 (com a A-- e a A--, realizada por Entidade imparcial, durante um dia), o que demonstra, inequivocamente, que tal se verificou independentemente da existência ou não da A-- (existente a mais de 100 metros da habitação e a A--, a menos de 25 metros).

16 – No que à matéria de direito diz respeito, consideram por outro lado os AA. que existiu erro de julgamento de Direito, quer porque não foi tida em conta a matéria de facto supra referida, quer porque não foram corretamente apreciados os pressupostos da responsabilidade civil por factos lícitos.

17 – Assentou o pedido dos AA. nos danos patrimoniais e não patrimoniais e no Instituto de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por factos lícitos, assente na produção de danos especiais e anormais causados pela abertura ao trânsito de veículos e inerente exploração da autoestrada A--.

18 – Porém, o Tribunal a quo considerou existir prejuízo especial, manifestando “sérias reservas” quanto à verificação da anormalidade desses prejuízos.

19 – Ora, entendem os AA. que o Tribunal a quo fundamenta esta “ausência de anormalidade” na análise de alguns factos, limitando-se e centrando-se apenas no inferior volume de tráfego do que era esperado na A-- e na colocação do piso betuminoso e barreira acústica, concluindo não permitirem formar um juízo de gravidade intrínseca dos danos patrimoniais e não patrimoniais, não assimilável à normal compressão de direitos ou à imposição de pequenos encargos que a vida em sociedade comporta.

20 – Porém, face aos factos dados como provados e aos que foram sublinhados na impugnação da matéria de facto, os AA viram afetado o pleno conteúdo dos seus direitos de personalidade, ao ambiente e de propriedade nos termos em que se mostra consagrado em vários preceitos legais, como por exemplo no artigo 1305.º do CC, provocando-lhes danos; 21 -E, provada a existência destes (factos 30 a 38, corrigidos com o que acima ficou dito quanto à matéria de facto), devem os mesmos ser indemnizados, independentemente de terem sido tomadas pelos RR, todas as precauções julgadas necessárias para que aqueles não se verificassem.

22 - Dúvidas não restam de que as descritas situações de devassa provocada pela abertura ao tráfego de veículos da Auto estrada, afetaram e limitaram o direito de propriedade dos Recorrentes e restringidos os seus direitos.

23 – Demonstradas as restrições ao Direito de propriedade que carecem de indemnização que configuram um excesso de sacrifício para os AA, devem os danos (impactes visuais, sonoros e a privação do gozo standard do imóvel, bem como a frustração do projeto de vida dos AA) ser tidos como ultrapassando os custos inerentes à vida em sociedade, sem dever para os mesmos de os suportar.

24 - A violação do Direito de propriedade é uma lesão que fundamenta a obrigação de indemnizar e deve ser considerada um prejuízo anormal (artº2 do DL 67/2007 de 31 de dezembro) pois não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade (suportados pela generalidade dos cidadãos), ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade da administração.

25 – O que se afere e analisa tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, tal como mencionado o Prof. Fernando Alves Correia, no seu manual “Indemnização pelo sacrifício: contributo para o seu esclarecimento”.

26 - Ora, os AA viram a utilização da sua habitação afetada, com as consequentes e provadas limitações à possibilidade do seu gozo – danos manifestamente fora do normal, assim como viram fracassar o seu projeto de vida e sonho realizado de ir morar para o campo, com o contacto com a natureza e o sossego, tendo sido colocados perante o desvirtuar da paisagem, das vistas que tinham e, assim do “sonho” que estavam a realizar com a compra daquela casa.

27 - Tais circunstâncias são reais e causaram-lhes um prejuízo anormal, tendo uma gravidade intrínseca e lesiva dos direitos dos AA, não só do ponto de vista dos danos não patrimoniais, como também dos danos patrimoniais.

28 – Relevando a posição substantiva dos aqui AA, titulares de um direito de propriedade, de gozo e de fruição que passou a ser limitado por via da abertura ao tráfego de uma auto estrada “vizinha” da sua casa, configurando alteração de um acto constitutivo de direito que ultrapassa os custos próprios da vida em sociedade.

29 - A diferença de ruído entre o antes e o depois do funcionamento da auto estrada junto à casa dos AA é significativa e só pode ser considerada anormal (incremento de 47 para 60 dB(A) diurno e 45 para 51 dB(A) nocturno).

30 - Os AA viram-se obrigados a suportar despesas com a plantação da vegetação, urze e outra vedação...

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