Acórdão nº 00031/18.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2019
Magistrado Responsável | Luís Migueis Garcia |
Data da Resolução | 15 de Novembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: J. . J. F.
(…) interpõe recurso jurisdicional de decisão proferida pelo TAF de Viseu em acção intentada contra o Exército Português (…), em que foi julgada procedente excepção de caducidade da acção, absolvendo o réu da instância.
O recorrente conclui: 1.º Mal andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, arguida pela Recorrida.
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Porquanto o douto Tribunal desconsiderou, desde logo: (i) O Recurso hierárquico apresentado pelo Recorrente, em 20 de setembro de 2017; (ii) Que o referido Recurso Hierárquico era necessário nos termos do n.º 1 do artigo 110.º do EMFAR; (iii) Que a notificação impugnada, bem como a decisão que incidiu sobre a reclamação apresentada pelo Autor violam, de forma manifesta, o estatuído na alínea c), do n.º 2, do artigo 114.º do CPA.
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Nessa esteira, na ótica do Recorrente, impunha-se a improcedência da exceção de caducidade do direito de ação, maxime uma decisão que considerasse válido o Recurso Hierárquico necessário apresentado.
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Se assim não se entendesse, e sem prescindir, deveria o Tribunal a quo reconhecer que as notificações, tanto do ato impugnado, como do indeferimento da reclamação, violam o estatuído na alínea c), do n.º 2, do artigo 114.º do CPA, e assim sendo são as referidas notificações ineficazes perante o Recorrente. Em consequência, deveria ter sido concedido ao Recorrente a faculdade de, no prazo de 30 dias contados desde o trânsito em julgado da decisão, interpor o respetivo Recurso Hierárquico necessário.
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Entendeu, no entanto, o Tribunal a quo, julgar que o mencionado Recurso Hierárquico apresentado pelo Recorrente, não consubstanciava materialmente um recurso hierárquico, porque, por um lado, (i) “em momento algum refere o Autor que pretende “recorrer” do ato administrativo” e, por outro, (ii) “não está dirigida ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato, que seria o Chefe de Estado-Maior do Exército, nem tampouco a quem proferiu o despacho de indeferimento da reclamação”.
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Efetivamente, e no que concerne especificamente ao teor do Recurso, é certo que o mesmo não continha a referência: “Recurso Hierárquico”, todavia, não se pode olvidar que se tratava de uma impugnação da decisão que recaiu sobre a reclamação apresentada.
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Porquanto, no cabeçalho do Recurso Hierárquico, embora sem a referida menção, pode ler-se o seguinte: “notificado do indeferimento proferido por V. Exa. à reclamação pelo mesmo apresentada (…)”, o que sempre determinaria que a aludida impugnação administrativa apenas poderia ser um RECURSO HIERÁRQUICO.
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Mas se dúvidas houvesse que efetivamente se estava perante uma impugnação administrativa do ato de indeferimento da Reclamação apresentada, o que se reitera, sempre seria um RECURSO HIERÁRQUICO, ficavam completamente sanadas com o petitório final do mesmo.
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Mas, sempre se dirá que, nem o artigo 193.º e ss do CPA, nem tão pouco o artigo 110.º do EMFAR, prescrevem qualquer formalidade desse tipo para o conteúdo do Recurso Hierárquico.
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Por outro lado, e no que concerne aos destinatários do Recurso Hierárquico apresentado, resulta do facto provado I), que o Recorrente dirigiu o mesmo ao “Senhor TCOR ART J. C. P. B., com conhecimento ao «Gab CEME»”.
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Ou seja, o Recorrente endereçou ao subscritor do ofício, que por determinação do autor do ato, lhe comunicou o aludido indeferimento, ao invés do Autor do ato propriamente dito [Tenente General R. . C.], conforme dispõe o n.º 2 do artigo 110.º do EMFAR.
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Indicando, igualmente, como destinatário o Chefe de Estado Maior do Exército (Gab CEME), que efetivamente receberam essas notificações, como resulta dos seus articulados.
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Entenderam, no entanto, não responder ao Recorrente, nem tampouco notificaram o mesmo de qualquer vicissitude de que o mesmo padecesse.
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Aliás, a haver qualquer erro no destinatário do Recurso Hierárquico, o que não se concede, apenas poderá ser imputado à Entidade Demandada que incumpriu com o disposto na alínea c), do n.º 2, do artigo 114.º do CPA.
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Porquanto, na notificação do ato de indeferimento da Reclamação apresentada pelo Recorrente, não indicou a Entidade Demandada, o órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do ato e o respetivo prazo, nem que o Recurso Hierárquico era necessário, nos termos do artigo 110.º do EMFAR.
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O que significa que, a existir qualquer erro na apresentação/destinatários do Recurso Hierárquico apresentado pelo Recorrente, apenas à Recorrida poderão os mesmos ser assacados.
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Refira-se, ainda, que se o destinatário (subscritor do ofício) se tivesse considerado incompetente para a receção do mencionado Recurso, deveria tê-lo enviado, oficiosamente, ao órgão titular da competência e notificado o Recorrente dessa remessa, nos termos do estabelecido no n.º 1 do artigo 41.º do CPA.
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Em suma, como o Recorrente nunca foi notificado do indeferimento liminar do Recurso Hierárquico com fundamento em algumas das situações previstas no n.º 1 do artigo 196.º do CPA, nem da sua remessa, nos termos do estabelecido no n.º 1 do artigo 41.º do CPA, apenas se pode retirar que o Recurso Hierárquico apresentado não ofende qualquer comando legal.
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Por outro lado, é do conhecimento geral que a Administração Pública deve pautar a sua conduta pelos ditames da boa-fé, tutela da confiança e cooperação com os particulares (artigo 10.º e 11.º do CPA).
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Daí que se imponha à Administração Pública o dever de “suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos [ou qualquer outro articulado], de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos.” cfr. artigo 108.º do CPA.
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Pelo que, qualquer vicissitude, de que a peça apresentada putativamente padecesse, deveria ter sido notificado ao Recorrente na altura da sua receção e não apenas em sede de impugnação contenciosa.
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Sendo certo que, para além de não ter suprida qualquer vicissitude nem de ter informado/convidado o Recorrente a supri-la, a Entidade Demandada também não proferiu qualquer decisão quanto ao Recurso apresentado, violando, assim, o princípio da decisão, estatuído no artigo 13.º do CPA.
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Argumentar em sentido diferente, significa premiar uma Administração inerte e violadora dos seus deveres mais elementares.
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Ademais, alude-se ao princípio pro actione, corolário normativo e concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de Justiça, designadamente por excesso de formalismo.
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E, assim sendo, a apresentação da P.I., em 11 de janeiro de 2018 (facto provado J), foi intentada tempestivamente, bem dentro do prazo estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º e do n.º 4 do artigo. 59.º, ambos do CPTA.
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Por outro lado, como aludido supra, julgou o Tribunal a quo que a “reação” que o Recorrente apresentou em 20 de setembro de 2017, não consubstancia materialmente um autêntico Recurso Hierárquico.
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No entanto, com todo o respeito, o Recorrente entende que o Tribunal a quo ao ter decidido como decidiu não tirou daí as devidas consequências legais.
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Porquanto, como fomos indiciando supra, nos termos do disposto no artigo 110.º do EMFAR, o Recurso Hierárquico era necessário.
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E, sendo o Recurso Hierárquico necessário, torna-se manifesto que o Recorrente carece [ainda] de interesse processual, cuja falta, enquanto pressuposto processual autónomo, atípico ou adicional em relação à condição de impugnabilidade do acto, consubstancia a verificação de uma verdadeira excepção dilatória atípica e insuprível.
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Devendo, por isso, e nessa sequência, o Tribunal a quo absolver a Entidade Demandada da instância [artigo 89.º, n.º 4, do CPTA e 278.º, n.º 1, alínea c), do CPC] ao invés de declarar procedente a exceção de caducidade do direito de ação.
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Compulsados os conteúdos da comunicação das notificações (de indeferimento da Reclamação (fls. 124 e ss do PA) ou o ato impugnado...
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