Acórdão nº 02780/18.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução26 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte: AC&Filhos (Parque Industrial C…, 4705-414 Braga), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que julgou totalmente improcedente acção intentada contra o Município B… e contra-interessada SN, Ldª, ambos id. nos autos, acção de contencioso pré-contratual na qual haviam sido deduzidos os seguintes pedidos: i) Ser anulado o acto que declarou a caducidade da adjudicação a favor da proposta da Autora; ii) Ser anulado o acto de indeferimento da impugnação administrativa apresentada pela Autora; iii) Ser anulado o acto de adjudicação a favor da proposta da Contra-Interessada SN, Lda.; iv) Ser declarado não verificado o impedimento da Autora; v) Ser recusada a aplicação da norma constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º do CCP quando interpretada no sentido de que a condenação por um crime de abuso de confiança fiscal constituiu ope legis um impedimento ao exercício da profissão e à celebração de contratos públicos, por padecer de inconstitucionalidade, nomeadamente por violar o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da CRP; vi) Ser recusada a aplicação da norma constante na alínea b) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, por não estabelecer a duração do impedimento, o que torna a norma materialmente inconstitucional por violação do disposto no n.º 1 do artigo 30.º da CRP vii) Ser o Réu condenado a proceder à adjudicação da empreitada à proposta da Autora.

*A recorrente conclui: I. Vem o presente Recurso interposto da, aliás, douta decisão que julgou improcedente o pedido da Recorrente; II. Por mais respeito que o Tribunal recorrido nos mereça – que é, de facto, muito –, entendemos que, nos presentes autos, fez uma menos boa interpretação da factualidade e uma incorreta aplicação do direito; III. As questões centrais que a Recorrente pretende ver esclarecidas por este Venerando Tribunal são, essencialmente, oito: 1. A condenação da Recorrente e do seu Administrador pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, é suscetível de configurar um crime que afete a honorabilidade profissional nos termos e para os efeitos do artigo 55.º, al. b), do CCP? 2. Um crime que, na ótica do Tribunal que julgou a concreta situação de facto revela um diminuto grau de culpa e de censurabilidade é suscetível de constituir um crime que afeta a honorabilidade profissional e constituir um impedimento à celebração de contratos públicos e impedir o exercício da atividade de construção civil de obras públicas? 3. Considerando-se que a condenação da Recorrente e do seu Administrador pela prática do crime de abuso de confiança fiscal consubstancia um crime que afeta a sua honorabilidade profissional é possível, sem que tenha sido aplicada qualquer sanção acessória pelo Tribunal que julgou os crimes, associar de forma automática a essa condenação uma inibição de exercício da atividade e da celebração de contratos públicos? 4. Estabelecendo-se no n.º 7, da Diretiva 2014/24/UE que, no caso dos crimes que afetem a honorabilidade profissional a duração do impedimento não pode ser superior a três anos contados da data da prática do crime, e não tendo o Estado Português transposto esta disposição para o ordenamento jurídico nacional, em clara e manifesta violação do disposto nos artigos 10° e 249° do Tratado, legitima a invocação por um particular da sua aplicabilidade direta? 5. Estabelecendo o n.º 2, do artigo 17.º, do RGIT que em caso de condenação pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal, a pena acessória de privação temporária de participar em concursos públicos “Não podem ter duração superior a três anos, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória” é legítimo que o impedimento previsto na al. b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP tenha uma duração superior (indeterminada)? 6. É consentâneo com o princípio da proporcionalidade a atribuição de um efeito automático de inibição de exercício da atividade e da celebração de contratos públicos pelo facto de o Administrador da Recorrente ter sido condenado numa pena de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) de multa, por um crime cometido com diminuto grau de culpa? 7. A interpretação da norma constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP, no sentido de que a condenação pela prática do crime de abuso de confiança fiscal constitui ope legis, de forma automática e como efeito acessório necessário um impedimento ao exercício da atividade de construção civil de obras públicas é materialmente inconstitucional, por violação do art. 30.º, n.º 4 da CRP? 8. O facto de não ser estabelecido, na norma constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP, um prazo máximo de duração do Impedimento, acarreta a inconstitucionalidade da norma por violação do 30.º, n.º 1, da CRP? Vejamos, IV. Há erro de julgamento porque não decorre da lei ou de qualquer princípio jurídico que o crime de abuso de confiança fiscal consubstancie um crime contra a honorabilidade profissional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55.º, al. b), do CCP e no artigo 9.º, da Lei 41/2015, de 03 de junho; V. O elenco dos crimes suscetíveis de afetar a idoneidade/honorabilidade profissional são aqueles que constam do artigo 9.º, da Lei n.º 41/2015, de 03 de junho, sendo que, em parte alguma vêm referidos crimes tributários e fiscais; VI. Na interpretação do conceito de crimes que afetem a honorabilidade profissional deve atentar-se na natureza estritamente jurídica deste conceito, deve considerar-se excluído qualquer espaço de discricionariedade administrativa, uma vez que, não estamos num campo de juízos morais, referenciados em geral à honra ou honorabilidade da pessoa, exigindo-se uma ligação íntima entre a conduta criminal e a conduta profissional, as regras específicas de uma profissão, nomeadamente, os que se relacionam com a violação das leis de emprego, da saúde e da segurança no local de trabalho, com exigências ambientais relativas à empresa ou com a igualdade de acesso ao emprego; VII. O artigo 55.º, n.º 1, al. b), do CCP corresponde à alínea c), do n.º 4, do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/EU; VIII. Para os crimes previstos no n.º 4, do artigo 57.º, da Diretiva 2014/24/EU, o prazo do impedimento, de acordo com o disposto no n.º 7, não pode ser superior a três anos a contar da data do facto pertinente; IX. Para além de estabelecer um prazo máximo da duração do impedimento por falta profissional em três anos, o n.º 7, do artigo 57.º, da Diretiva estabelece como data para início da contagem do prazo de impedimento a data do facto pertinente, sendo que, o facto pertinente sempre será o facto imputável ao operador económico (data da prática do crime) e não a data de decisão sobre esse facto (trânsito em julgado da sentença condenatória); X. Dito isto, ao abrigo da Diretiva 24/2014/UE (Artigo 57.º, n.º 7) o impedimento em questão (55.º, n.º 1, al. b) do CCP) não poderá subsistir por mais de 3 (três) anos, a contar da data da prática do facto pertinente que, de acordo com os Certificados de Registo Criminal remontam aos anos de 2011 e 2012; XI. Ao abrigo do princípio da aplicabilidade direta da Diretiva 24/2014/UE (Artigo 57.º, n.º 7), por terem decorrido mais de três anos sobre a prática dos crimes caducou o impedimento, sendo que, qualquer decisão em contrário viola frontal e diretamente o Direito Comunitário; XII. A omissão ilegítima da transposição do disposto no n.º 7, do artigo 57.º, da Diretiva 2014/24/EU em causa pelo Estado Português, violadora do disposto nos artigos 10° e 249° do Tratado da Comunidade Europeia, legitima a invocação por um particular num tribunal nacional do regime nela estatuído, por força do princípio da aplicabilidade direta da Diretiva; XIII. Caso o Tribunal que julgou os crimes tivesse aplicado penas acessórias à Recorrente e seu Administrador pelos crimes vertidos na matéria de facto dada como assente nos ponto A), B), C), D) e E) estas já teriam caducado, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RGIT as penas acessórias de privação temporária de participar em concursos públicos “Não podem ter duração superior a três anos, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória”.

  1. Motivo pelo qual, em relação aos crimes vertidos na matéria de facto dada como assente nos pontos A), B), C), D) e E) estaria caduca a sanção acessória por terem passado mais de três anos desde o trânsito em julgado das suas condenações, não podendo ser considerados para efeitos de dar por verificado o impedimento previsto na alínea b), do n .º 1, do artigo 55.º, do CCP; XV. O único crime de abuso de confiança fiscal pelo qual foi condenado o Administrador da Recorrente cuja decisão não transitou há mais de 3 (três) anos, foi o constante do PONTO F) da matéria de facto assente, Processo nº 405/14.0T9BRG do Juiz 3 juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 10.11.2017, transitada em 13.12.2017, crime que não foi praticado enquanto Administrador da Recorrente ou no exercício desse cargo; XVI. Na decisão condenatória do Processo nº 405/14.0T9BRG é referido que: “Era menos exigível que o arguido tivesse assumido um comportamento conforme ao direito, o que indicia a existência de uma diminuição considerável da sua culpa” (…) Tendo em conta a matéria de facto provada, entendo adequado fixar em 6,00€ (seis Euros) o quantitativo diário devido, totalizando a pena de multa o montante de 1440,00€ (mil, quatrocentos e quarenta euros).” XVII. O facto da condenação por um crime de abuso de confiança fiscal cuja pena aplicada é de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) de multa e onde é considerado existir um diminuto grau de censurabilidade e de culpa, acarretar de forma automática e ope legis uma sanção de proibição de participação em procedimentos de contratação pública e de exercício da atividade de construção civil de obras públicas viola, frontal e diretamente, o princípio da proporcionalidade; XVIII. Há erro de...

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