Acórdão nº 00008/11.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução12 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: FPM, Unipessoal, Ldª (Av.ª J…, 4770-755 Vermoim, Vila Nova de Famalicão), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção intentada contra Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.

(Parque de Saúde de Lisboa, Av.ª do Brasil, n.º 53, 1749-004 Lisboa), julgada improcedente.

Conclui a recorrente:

  1. Com o presente recurso a Recorrente vem impugnar a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida em 1 de março de 2019, que julgou improcedente a ação administrativa proposta pela mesma, tendo, em consequência, absolvido o Recorrido do pedido.

  2. Como se verá, a sentença empreendeu uma apreciação errada e precipitada dos factos e do direito, fixando-se numa questão prejudicial inexistente, ignorando factos supervenientes que eliminariam essa questão prejudicial, subvertendo o sentido da lei e com tal condenando ao encerramento um posto de medicamentos que preenche todos os requisitos para ser transformado em farmácia - algo que o legislador pretendeu precisamente evitar.

  3. O litígio em causa nos presentes autos tem por objeto a condenação do Recorrido a admitir a transformação do posto de medicamentos da Recorrente em farmácia, nos termos do artigo 43.º do Decreto-Lei n.° 307/2007 e dos artigos 30.º e seguintes da Portaria n.° 1430/2007, vigentes à data e aplicáveis à pretensão da Recorrente.

  4. O objeto da presente ação não é a análise do acerto do ato de recusa de apreciação do requerimento, como esclarece o n.° 2 do artigo 66.º do CPTA, nem tem como efeito cristalizar a análise da pretensão da Recorrida na situação de facto existente naquele momento.

  5. Nos termos conjugados do n.° 2, do artigo 66.°, e do n.° 1, do artigo 71.º, do CPTA, o objeto de uma ação de condenação à prática de ato legalmente devido é a pretensão que o autor invoca, o que justifica que, mesmo quando a Administração não tenha dado qualquer resposta ao requerimento do interessado ou se tenha recusado a apreciá-lo, o Tribunal tem de pronunciar-se sobre a questão de fundo por referência ao quadro de facto existente no momento do encerramento da discussão em primeira instância, i.e. 24 de maio de 2013, nos termos do n.º 1 do artigo 611.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.

  6. O Tribunal a quo não decidiu sobre o fundo da causa pelo que a Sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n.° 1, do artigo 615.°, do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

  7. O Tribunal a quo errou ao considerar que o desfecho da impugnação do concurso público para instalação de uma farmácia no lugar de R..., concelho de Vila Nova de Famalicão, constituía uma questão prejudicial para a decisão sobre a ação para a condenação à prática do ato legalmente devido.

  8. A transformação de postos em farmácias não está dependente do preenchimento de requisitos de capitação mínima e distância mínima relativamente a outras farmácias, já que tais requisitos, previstos no artigo 2.º da Portaria n.° 1430/2007, apenas se aplicam à abertura de novas farmácias e à transferência de localização de farmácias existentes.

  9. Sendo que a farmácia resultante do concurso aberto em 2001 está já também instalada, como resulta da Deliberação n.° 38/CD12013 de 27 de fevereiro de 2013, junta como Doc. n.° 1 ao processo cautelar apenso aos presentes autos.

  10. Os únicos e exclusivos requisitos exigidos para a transformação de postos farmacêuticos permanentes são taxativamente elencados nas alíneas a) a d) do n.° 1 e no n.° 2, do artigo 30.º da Portaria n.° 1430/2007 e, por remissão da referida alínea d), no artigo 2.° da Deliberação n.° 2473/2007 do INFARMED, publicada no Diário da República, 2. Série, de 24 de dezembro - não existem quaisquer outros.

  11. O conceito legal de "abertura de novas farmácias" abrange apenas a abertura ex novo de farmácias pela via normal do concurso público e é distinto, e mesmo legalmente contraposto, ao conceito de abertura de farmácias por via da transformação de postos pré-existentes, como resulta à exaustão da letra e da organização sistemática da Portaria n.° 1430/2007.

  12. Por esta razão, a Portaria n.° 1430/2007 não exige ao requerente da transformação de um posto em farmácia que apresente documento comprovativo do cumprimento dos requisitos de capitação mínima e distância mínima, ao contrário do que acontece relativamente às demais modalidades de abertura de farmácias.

  13. A dispensa do cumprimento destes requisitos foi propositada e visou, em homenagem aos princípios da justiça e da proporcionalidade, contrabalançar a gravosa solução da extinção de todos os postos com a admissão da sua transformação em farmácias, sendo que para que esta possibilidade de transformação existisse em concreto era necessário serem dispensados os requisitos de capitação mínima e distância mínima, uma vez que o anterior regime havia determinado a abertura de concursos para novas farmácias em todos os locais onde existiam postos.

  14. Não se pode invocar o anterior regime aplicável nesta matéria para determinar o encerramento do posto de medicamentos da Recorrente com fundamento na abertura da farmácia resultante de concurso público na mesma localidade (n.

    ° 2 do artigo 18.º da Portaria n.° 936-A/99), uma vez que tal regime se encontrava-se já à data revogado e foi revogado com a clara intencionalidade de reavaliar a situação de todos os postos de medicamentos existentes, consagrando uma solução respeitadora dos princípios da justiça e da proporcionalidade.

  15. Com efeito, o regime revogado, para além de iníquo, era manifestamente inconstitucional, por violação do direito de propriedade consagrado no artigo 62.° da CRP, na medida em que determinava sem mais a extinção de todos os postos existentes e a sua substituição por farmácias a abrir por via de concurso público, ao qual os detentores dos postos se encontravam impedidos de concorrer.

  16. Não se afigura correto aplicar o regime anterior com base numa norma manifestamente inidónea para o efeito (o artigo 56.° do Decreto-Lei n.° 307/2007, que determina que aos concursos públicos lançados ao abrigo da lei anterior se continua a aplicar tal lei), uma vez que se trata de urna norma de alcance eminentemente procedimental, com âmbito de aplicação limitado aos opositores ao concurso, que não tem minimamente o escopo de lesar direitos de terceiros, os quais não têm sequer qualquer obrigação de conhecer o concurso.

  17. Sem prejuízo do que acima se disse, mesmo que se considerasse que o desfecho da impugnação do referido concurso público constituía uma questão prejudicial, à data em que foi proferida a Sentença já tinha tido lugar a Deliberação n.° 38/CD/2013 de 27 de fevereiro de 2013 pelo que a alegada questão prejudicial invocada pelo Tribunal a quo não existia de qualquer modo.

  18. Não pode o Tribunal a quo afirmar que desconhecia esse facto uma vez que o mesmo consta do processo cautelar com o n.

    ° de processo 639/13.4BEBRG no Tribunal a quo, onde a Recorrente pediu, e obteve, a suspensão de eficácia do referido despacho, que determinava o encerramento do posto de medicamentos da Recorrente e consequentemente indeferia o pedido da sua transformação. Nos termos do n.° 3 do artigo 113.

    0 do CPTA e 364.° do CPC corre sempre por apenso ao processo principal - tal foi, aliás, requerido pela Recorrente aquando da sua propositura.

  19. De resto, a doutrina aponta no sentido de os documentos adquiridos no processo cautelar deverem ser atendíveis no processo principal, independentemente da sua natureza ou origem, de acordo com o princípio da aquisição processual (cfr. artigo 413.° do CPC).

  20. Em todo o caso, na hipótese de não ter havido, como era legalmente obrigatório, de acordo com o n.° 3, do artigo 111°, do CPTA, apensação, a Sentença recorrida sempre padeceria de nulidade, nos termos do artigo 195.º do CPC, uma vez que estamos perante uma omissão de uma formalidade obrigatória que influenciou - indevidamente - a Sentença.

  21. A título subsidiário, não se deve deixar de referir que (i) era dever do Recorrido, enquanto entidade administrativa, informar o Tribunal sobre a emissão da Deliberação n.° 381CD/2013 de 27 de fevereiro de 2013, nos termos dos n.°s 3 e 4 do artigo 8.º do CPTA, e (ii) nos termos do artigo 621.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, sempre poderia a Recorrente renovar a ação invocando o facto superveniente, sendo que o...

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