Acórdão nº 00254/10.4BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO AJFA e MRGR, devidamente identificados nos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 17.09.2018, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de IRS dos anos de 2004 a 2005.

1.1.

Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «1. A sentença de que se recorre padece de erro no julgamento da matéria de facto e da matéria de direito.

  1. A sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto, impondo-se dar como provado que: Nos exercícios em causa o sogro do impugnante marido, pai da impugnante mulher, entregava cheques ao genro e à filha para que estes lhe pagassem as suas contas pessoais de água, luz, telefone, condomínio, impostos e tudo o mais que se mostrasse necessário; Houve também cheques através dos quais pretendeu dar uma ajuda económica à filha e ao genro, atendendo às dificuldades financeiras que na altura sentiam.

  2. Atendendo ao depoimento prestado pelo Prof. Doutor JSR, supra referido e que se dá por reproduzido, sogro do contribuinte marido e pai da contribuinte mulher, cujo depoimento se mostrou credível, e que confirmou que entregou cheques à sua filha e genro destinados quer a efetuar pagamentos das suas despesas pessoais como impostos, seguros, etc…, designadamente após a morte da sua mulher, quer a título de ajuda porque se apercebeu de dificuldades financeiras que aqueles atravessariam por falta de pagamentos dos clientes, ao depoimento da Drª AIS advogada-estagiária desde 2006, cujo depoimento também se mostrou credível, e que confirmou existirem algumas vezes dificuldades em receber os honorários. Embora esta testemunha tenha apenas contacto com o escritório desde data posterior aos factos em causa, relativos a 2004 e 2005, afigura-se que, de acordo com as regras da experiência comum, poder concluir, de modo razoável, que as dificuldades em receber o pagamento dos honorários dos clientes não terão existido apenas em 2006, mas ser também relativa a anos anteriores e finalmente o pagamento de gastos por conta do Prof. Doutor JSR as faturas e comprovativos de pagamentos constantes de fls. 198 a 350 do P.A.

  3. No caso estamos perante a aplicação de métodos indirectos de acordo com o que do relatório de inspecção consta e que foi levado ao probatório, pelo que, a regra a aplicar é a constante do n.º 3 do art.º 74º da LGT.

  4. E, assim sendo, tendo os impugnantes provado o excesso na quantificação, a sentença recorrida deveria ter anulado o acto na totalidade, valorando-se a favor do contribuinte as dúvidas fundadas que subsistam sobre a quantificação da matéria tributável, inclusivamente as que se gerem sobre os pressupostos da utilização de tais métodos, o que está em consonância com a repartição do ónus da prova nesta matéria, expressamente estabelecido para o procedimento tributário.

  5. O Tribunal recorrido errou ao não dar por verificado o vício de falta de fundamentação das liquidações impugnadas, porquanto não se encontram justificadas as razões pelas quais a AT adoptou os critérios de quantificação que seguiu e, a esse nível, há uma total omissão relativamente à eleição dos factores, à sua obtenção e ao seu modo de ponderação, que foram eleitos para quantificar indiciariamente o rendimento.

  6. É que, para além de não se encontrar qualquer justificação para a mobilização de tal critério na óptica da sua adequação, idoneidade, funcionalidade e, no plano da fundamentação de direito, habilitação legal, tal critério é manifestamente ininteligível quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta.

  7. A fundamentação consubstancia-se num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões subjacentes aos actos praticados.

  8. O discurso normativo-racionalmente justificativo, não poderá deixar de expressar, no mínimo exigível, os factos apreendidos, o modo como foi efectuada essa prognose, os critérios adoptados e as valorações efectuadas, devendo ser apenas tido como suficiente naqueles casos onde se revele uma sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade para revelar inteiramente o juízo do autor do acto administrativo, de modo que possa permitir ao seu destinatário e ao tribunal o controlo da sua validade substancial 10. As exigências de fundamentação em sede de direito não podem considerar-se apenas satisfeitas quando se indica a norma de onde se faz decorrer a verificação dos pressupostos da avaliação indirecta.

  9. Despoletada essa avaliação, tem lugar a quantificação do rendimento e esta, dizendo respeito ao cerne da actividade administrativa desenvolvida nesse contexto, carece também da devida justificação legal e não pode o Tribunal em socorro da Administração apressar-se a suprir as deficiências.

  10. Não tendo essas exigências sido cumpridas, verifica-se claramente que as liquidações impugnadas são ilegais e que a decisão ora em recurso, ao avaliza-las, incorre em erro na aplicação do direito.

  11. Discorda-se do juízo recorrido na parte em que aí se dá por assente que a mobilização do concreto critério de quantificação não carece de fundamentação, acrescendo que continua a desconhecer-se qual a relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte… 14. Não se conhece o nexo de causalidade entre os factos apurados pela fiscalização e a quantificação efectuada.

  12. É patente que a fundamentação empregue é do tipo passe partout e manifestamente insuficiente para integrar as exigências constantes do art.º 87.º, n.º 1, al. b) da LGT. Na verdade, ela não permite entender a razão pela qual a administração chegou a esta conclusão. De qualquer jeito, perante uma tal fundamentação nunca o tribunal poderia considerar como provados pressupostos de facto concretos integradores do conceito jurídico indeterminado de impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria tributável, pelo que o acto também sofre de erro de direito por inadequação dos pressupostos de facto concretos do acto.

  13. Constata-se a falta da validade técnica do critério utilizado, como se verifica pelo facto da Administração pretender tributar quantias que considerou rendimentos mas que se apurou tratarem-se de montantes que efectivamente o sogro do contribuinte marido, pai da contribuinte mulher, entregava para que estes lhe pagassem as suas contas pessoais de água, luz, telefone, condomínio, impostos, e tudo o mais que se mostrasse necessário.

  14. Está assente que para além dos “Cheques do Professor para pagamento de serviços (Cheques do Sogro)”, existiram cheques através dos quais se pretendeu dar uma ajuda à filha e genro, pelo que, existe pelo menos uma situação de dúvida fundada quanto à a existência e a quantificação dos factos tributários relevados pelo fisco.

  15. Os impugnantes inequivocamente provam que a realidade aduzida pela fiscalização é completamente distinta e que o critério por aquela utilizado é errado e inadmissível e ainda que houve erro e manifesto excesso na matéria tributável quantificada – Acs. do TCA da Secção de Contencioso Tributário, de 12.03.2002, Proc. 4318/00, de 5.3.2002, Proc. 3472/00, de 4.6.2002, Proc. 6387/02, de 11.6.2002, Proc. 6634/02 e de 19.6.2001, Proc. 2976/99.

  16. “ De harmonia com o preceituado no n.º 6 (agora n.º 7) deste art. 60.º, se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão. A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts. 58.º da L.G.T. e 104.º do C.P.A.).

  17. A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados “, sendo que: “ A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento “ (Cfr. art.º 60º da LGT anotada e comentada pelos Senhores Juízes Conselheiros Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa e pelo Professor Diogo Leite de Campos).

  18. A AT não se pronunciou nem justificou o que fosse no relatório final a propósito da incompreensão da alusão a uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.

  19. Foram violadas entre outras as seguintes normas: 74º, n.º 3, 77º, 87º e 90º da LGT.

    Termos em que se requer a V.ªs Ex.ªs que se dignem conceder provimento ao recurso, com as legais consequências.».

    *1.2.

    Não foram apresentadas contra alegações.

    *1.3.

    O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 287/288 do suporte físico dos autos, no qual consignou o seguinte: «QUESTÃO PRÉVIA: APROVEITAMENTO DA PROVA DÉFICE INSTRUTÓRIO 10 — Requerido o aproveitamento da prova testemunhal pelos impugnantes no Processo nº 644/10.2BECBR por despacho judicial de 1.10.12 (Fls. 97 e 98) foi deferido tal requerimento e determinado a junção aos autos de cópia do registo da gravação do testemunho requerido o que, foi cumprido, conforme consta da conclusão de fls 107.

    11 — Na sentença recorrida, na motivação da matéria de facto, é feita referência á prova testemunhal efectuada nos autos e à aproveitada do Proc. N.º- 644/10.2BECBR, tendo sido também com base nessa prova que o Tribunal formou a sua convicção para decidir naquele sentido.

    12 — Como acima se referiu, os recorrentes / impugnantes requereram o...

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