Acórdão nº 01477/18.3BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Cardoso
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I- RELATÓRIO 1.

GI, S.A., contribuinte fiscal n.º 50xxx36, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a reclamação judicial da decisão de verificação e graduação de créditos proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro no processo de execução fiscal n.º 0094200601070452, instaurando contra a SEF, S.A..

2.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «[A] Indefere a douta sentença a pretendida anulação do despacho do Serviço de Finanças Feira 1 datado de 21.11.2018.

[B] Para tanto, considera provada matéria constante de fls. 6 a 11 da sentença, que por razões de economia processual se dá aqui por reproduzida, [C] e como não provada a seguinte matéria:

  1. A Reclamante pagou à Executada a quantia de €900,00 em 2/4/2015 e a quantia de €8.100,00 no período entre Abril e Dezembro de 2015.

  2. Em 4/5/2016, a Executada, SEF, S.A., entregou à Reclamante as chaves do imóvel e a Reclamante entregou a quantia de €50.000,00 à Executada SEF, S.A.

  3. A partir de 4/5/2016, a Reclamante realizou diversas obras de manutenção, limpeza e conservação do imóvel em causa nos autos.

  4. A partir de 4/5/2015, a Reclamante recebeu as rendas dos inquilinos relativas ao imóvel em causa nos autos.

    [D] Suporta-se para tanto o Tribunal ad quo na suposta falta de credibilidade da prova testemunhal e por declarações de parte produzida pela Reclamante, decorrente da análise distorcida de tal prova e da imposição dum ónus probatório kafkiano relativamente a factos acessórios e/ou declarações instrumentais.

    [E] Antes disso, porém, recorde-se que constitui objecto dos presentes a reclamação do despacho de 21.11.2018 proferido pelo Serviço de Finanças Feira 1 que recusa o reconhecimento e graduação do crédito reclamado pela ora Reclamante.

    [F] Tal despacho tem como fundamento o teor citado pelo ponto 9. da matéria de facto assente, também vertido a fls. 6 do presente requerimento, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido por razões de economia processual.

    [G] Constatamos que, analisado o seu teor, os fundamentos de recusa da graduação se reconduzem (a) à posterioridade da celebração do contrato promessa relativamente à data da penhora do imóvel e (b) à inexistência de prova documental da tradição do imóvel.

    [H] Releve-se: inexistência, não falsidade nem ineficácia.

    [I] A forma processual de reclamação do ato de órgão da execução fiscal tem como objectivo a sindicância da conformidade legal, ou não, dos atos proferidos pelos órgãos de execução, funcionando como um genuíno recurso duma decisão jurisdicional proferida por uma autoridade administrativa.

    [J] Em consequência desta estrutura e fim peculiares, as questões submetidas à apreciação do Tribunal serão necessária e exclusivamente as constantes da fundamentação do despacho reclamado e do articulado de reclamação, cabendo à Representação da Fazenda Pública a comprovação da conformidade legal da decisão e não o seu aperfeiçoamento posterior.

    [K] In casu, a sentença ora em crise ultrapassou largamente os poderes de cognição que lhe eram conferidos pela lei processual, julgando matéria não constante da decisão reclamada (e objecto do processo) e suscitada pela A.T. somente no articulado de resposta à reclamação (e, nalguns casos, somente mesmo nas alegações finais).

    [L] É que só no articulado de resposta à reclamação é que a representação da Fazenda Pública vem alegar a invalidade dos contratos juntos à reclamação de créditos ou a inexistência de prova complementar aos mesmos.

    [M] Estas questões novas, não constantes do despacho reclamado, não integram nem podem integrar objecto dos presentes autos e, por isso, o seu conhecimento encontrava-se vedado ao Tribunal ad quo.

    [N] Ao Tribunal era exigido, outrossim, o conhecimento quer dos efeitos da posterioridade da celebração dos contratos em relação à data da penhora quer a existência, ou não, de prova documental da tradição do bem – tudo o demais analisado, designadamente a eficácia dos elementos documentais e os efeitos da relação contratual entre as partes, encontrava-se-lhe vedado, por não ter sido objecto de análise pelo órgão da execução fiscal.

    [O] O teor dos documentos juntos pela Reclamante à reclamação de créditos nunca se encontrou em crise, pois o órgão da execução não questionou a sua validade e/ou eficácia, nem tão pouco refutou as respetivas assinaturas, limitando-se a alegar a sua inexistência – e, por isso, a eficácia probatória dos documentos, tal como disposta pelo artigo 376º do C.C., não foi abalada.

    [P] E nos presentes autos não só comprovou a Reclamante que tal prova existia como corroborou ainda o seu teor.

    [Q] Constitui causa de nulidade da sentença o conhecimento de questões de que o Tribunal não podia conhecer, o que consubstancia um excesso de pronúncia – cfr. artigo 125º, nº 1, do C.P.P.T.

    [R] Nessa decorrência, a douta sentença ad quo, conhecendo de matérias cuja apreciação lhe estava vedada, padece de nulidade, por manifesto excesso de pronúncia, o que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

    [S] Caso assim não se entenda, sempre se diga que o Tribunal ad quo incorreu num manifesto erro de apreciação da prova, que inevitavelmente se reflectiu na determinação das matérias dadas como provada e não provada e na decisão final.

    [T] Da análise realizada pela Reclamante, e a que estamos certos o Venerando Tribunal superior aderirá, resulta à saciedade que o Tribunal ad quo não esgrimiu um único argumento, racional e objetivo, que justifique o afastamento da credibilidade da prova testemunhal e por declarações produzida em audiência de julgamento.

    [U] De facto, a análise da prova levada a cabo pelo Tribunal ad quo centra-se simultaneamente em declarações e factos acessórios á lide, assentando na imposição dum ónus kafkiano, e na desconsideração, pré-determinada e injustificada, da coerência e corroboração mútua dos elementos probatórios.

    [V] No que aos pontos A) e B) da matéria de facto não provada concerne, defende o Tribunal ad quo que, destarte a eficácia probatória dos documentos juntos à reclamação de créditos e até da matéria dada como provada nos pontos 4. e 5., as declarações contantes de tais documentos não correspondem à realidade dos respectivos factos materiais.

    [W] Isto porque diz ter encontrado uma série de contradições e fragilidade que contribuem para formar a convicção de que tais factos não ocorreram na realidade.

    [X] A primeira fragilidade apontada pelo Tribunal ad quo consiste no facto de as declarações de parte da legal representante da Reclamante serem, pasme-se, declarações de parte, circunstância que entende fragilizar a força probatória das respetivas declarações.

    [Y] Ora, constitui hoje jurisprudência e doutrina unânimes (como as citadas a fls 10 e 11 do presente requerimento) que é infundada e incorrecta a postura que desconsidera antecipadamente o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte no litígio.

    [Z] É que, entendem os tribunais superiores e a maioria dos autores, ninguém terá melhor razão de ciência dos factos do que as partes – o que importa, outrossim, é filtrar adequadamente sinais transmitidos aquando do depoimento, como a contextualização espontânea dos acontecimentos, em termos temporais, espaciais e até emocionais; a descrição de cadeias de interacção; a existência de corroborações periféricas; a seguração e assertividade da fundamentação ou a vividez e espontaneidade das declarações.

    [AA] E com segurança afirmamos que nenhum dos requisitos suscitados pela doutrina e/ou pela jurisprudência foi apontado como imperfeito ou ineficaz pelo Tribunal ad quo.

    [BB] De facto, constatamos que, na sua ânsia de desconsideração das declarações da legal representante da Reclamante, o Tribunal ad quo assume precisamente a postura rejeitada pela doutrina e pela jurisprudência superior – parte do juízo “não credível porque interessada” para a análise das declarações, relevando assim primeiramente a qualidade da pessoa e só depois as suas declarações e desenvolvendo um juízo destinado unicamente à sua descredibilização.

    [CC] E, não sendo tal suficiente, ainda se dedica a analisar factos e declarações acessórias, absolutamente irrelevantes para a análise do objecto do processo, e pretende impor um ónus probatório genuinamente kafkiano relativamente a esses factos e declarações acessórios.

    [DD] Note-se que, exceptuada a circunstância de os pagamentos terem sido efectuados em numerário, e nesta matéria apenas invocando a sua opinião e sem qualquer fundamento objetivo válido, o Tribunal ad quo não aponta uma única discrepância ou incoerência dos depoimentos relativamente aos factos essenciais ao julgamento do objecto do processo.

    [EE] Considera, desde logo, o Tribunal ad quo que as declarações da legal representante da Reclamante não são credíveis porque afirma (…) que os documentos que constam de fls. 85 a 94 do processo físico foram lançados na contabilidade, não tendo sido junto qualquer documento relativo à contabilidade da empresa ora Reclamante que o comprove.

    [FF] Os documentos em apreço foram juntos aos autos por iniciativa do Tribunal (e não da Reclamante) no decurso da audiência de julgamento, aberta e encerrada no dia 22 de Fevereiro de 2019 e de cujo encerramento decorreu o encerramento da fase de instrução.

    [GG] Foi, pois, o Tribunal quem determinou o relevo probatório de tais elementos documentais, suspendendo-se o encerramento da fase instrutória até à pronúncia da Fazenda Pública sobre os mesmos – à Reclamante estava, pois, vedada a produção de qualquer prova a esse respeito.

    [HH] Mas, mesmo que assim não ocorresse, como poderia a Reclamante considerar a produção de prova de factos acessórios, por si não alegados e decorrentes de declarações periféricas da sua legal...

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