Acórdão nº 00144/18.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução28 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Ministério da Saúde veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 21.11.2018, pelo qual se julgou procedente a presente acção administrativa que AASF move contra o Recorrente e em que pede a anulação do despacho da Direcção Geral de Saúde, datado de 25.01.2018.

Invocou, para tanto, no essencial, que se verifica erro de interpretação e aplicação do artigo 4º, nºs 1, 7, 8 e 9, do Decreto-Lei nº 291/2009, de 12.10.

*O Recorrido não apresentou contra-alegações.

*O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. O despacho saneador-sentença recorrido padece de erro de julgamento sobre a matéria de direito, por deficiente interpretação e aplicação do artigo 4.º, n.°s 7, 8 e 9, do Dec.-Lei n.° 291/2009, de 12.10, diploma que republicou o Dec.-Lei n.° 202/96, de 23.10.

  1. O n.° 9 do artigo 4.° do Dec.-Lei n.° 202/96 assegura, a quem tenha visto a sua incapacidade fixada em momento anterior à entrada em vigor da TNI aprovada pelo Dec.-Lei n.° 352/2007, o direito a ver inalterado esse grau de incapacidade, sempre que da aplicação da nova TNI resulte um grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação; 3. Esta norma não foi contrariada pela junta médica de 08.09.2017, como resulta da declaração constante do atestado médico, onde se diz que "o utente é portador de deficiência que de acordo com os documentos arquivados lhe conferiram em 11.04.2000, pela TNI aprovada pelo Dec.-Lei n.° 341/93, de 30.09, o grau de incapacidade de 60%".

  2. Nos termos do n.° 2 do artigo 55.° da Lei n.° 22-A/2007, de 29.06, que aprovou o Código do Imposto sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação, "a percentagem de deficiência é fixada nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades que esteja em vigor na data da sua determinação pela respetiva junta médica".

  3. Na data da realização da junta médica em questão, a Tabela Nacional de Incapacidades em vigor era a que foi aprovada pelo Dec.-Lei n.° 352/2007, de 23.10.

  4. Para os efeitos previstos no artigo 55.º, n.° 1, alíneas a), b), c) e d), da Lei n.° 22-A/2007, a junta médica de 08.09.2017 atestou que, de acordo com a TNI aprovada pelo Dec.-Lei n.° 352/2007, de 23.10 (a vigente), o avaliado é portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 35%.

  5. Do cotejo da tabela que vigorava em 2000 com a atual resulta que a diferença de valores de uma para outra decorre da alteração verificada na tabela mais recente, que para a mesma patologia passou a prever um grau máximo de 35%, quando em 2000 era de 60%, o que não pode ser escamoteado.

  6. Acontece que a junta médica de 08.09.2017 não poderia ter reavaliado o utente por uma TNI já revogada, nos termos do artigo 5.° do Dec.-Lei n.° 352/2007, de 23.10.

  7. E muito menos estava a junta médica de reavaliação vinculada à atribuição do grau de incapacidade de 60%, que na TNI em vigor não corresponde à patologia de que padece o reavaliado.

  8. Aquilo que o legislador quis foi garantir que o grau de incapacidade atribuído ao interessado em anterior avaliação seja mantido, conquanto mais favorável, o que melhor se compreende a partir do cotejo com a norma do n.° 8 do mesmo artigo 4.º.

  9. Idêntica é a determinação constante do n.° 9 da mesma norma, que vigora para as situações como a do Autor, em que não tenha ocorrido alteração clínica na situação do reavaliado.

  10. Assim, por força de lei, o grau de incapacidade atribuído pela junta médica de 11.04.2000 (60%) em função do qual foi constituído o direito ao benefício fiscal previsto no artigo 54.°, n.° 1, do Código do Imposto Automóvel, prevalece sobre o grau de incapacidade fixado na junta médica de 08.09.2017 (35%).

  11. O que pacificamente foi reconhecido pela Junta Médica, pela Direção-Geral da Saúde, e reiterado na contestação do Ministério da Saúde.

  12. Em consonância e no estrito cumprimento da lei, para manter inalteradas as expectativas jurídicas do avaliado, em campo próprio do atestado médico de 08.09.2017, foi expressamente declarado o grau de incapacidade de 60% atribuído na junta médica de 2000.

  13. Tal bastaria para que o interessado pudesse, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, solicitar o benefício a que tem direito.

  14. Contrariamente ao entendimento veiculado pelo despacho recorrido, em lado algum a lei vincula a junta médica à inscrição no campo próprio para atestar a situação clínica atual do Autor, de um grau de incapacidade diverso daquele a que chegou por aplicação estrita da TNI de 2007 (35%), que a lei manda aplicar.

  15. Numa situação concreta similar e no mesmo sentido interpretativo se posicionou a sentença do TAF de Leiria, no Proc. n.° 39/12.3BELRA, já transitada em julgado, junta pelo Ministério da Saúde à sua contestação.

  16. A pronúncia da junta médica deve traduzir a situação clínica real do avaliado, de acordo com os conhecimentos da ciência médica dos peritos que a compõem aplicados ao caso concreto e de acordo com os procedimentos recomendados pela leges artis; 19. O que está vedado à junta médica, isso sim, é ficcionar um grau de incapacidade que corresponda a um estado clínico que não reflita a realidade atual, apenas para o fazer coincidir com o valor constante da avaliação inicial, deste modo mascarando a realidade.

  17. O mesmo atestado médico tem um duplo efeito: um primeiro, de natureza constitutiva, consiste na atribuição do grau de incapacidade real e atual resultante da reavaliação.

  18. E um segundo, de natureza certificativa, que se refere ao grau de incapacidade atribuído na avaliação imediatamente anterior, de harmonia com o disposto no n.° 7 do artigo 4.° do Dec.-Lei n.° 202/96, na redação do Dec.-Lei n.° 291/2009.

  19. Sendo o atestado em causa um documento multiuso, a indicação dos dois graus de incapacidade no mesmo atestado tem a vantagem de potenciar o seu uso: sem falsear a realidade, tanto serve para a manutenção de direitos anteriormente constituídos, como para atestar a situação médica real do utente, encontrada à data.

  20. Se assim não fosse, a junta médica de reavaliação careceria de todo o sentido e o atestado médico não seria um documento multiuso, como decorre da lei.

  21. Em caso algum se pode admitir ter sido intenção do legislador forçar a junta médica a atestar que o avaliado, ainda que contra a verdade médica, continua a ter o mesmo grau de incapacidade que tinha quando da avaliação inicial.

  22. Daí o erro interpretativo e de aplicação da lei em que incorreu o Tribunal a quo, patente no facto de não ter tido em conta que a junta...

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