Acórdão nº 00707/18.6BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | Paulo Ferreira de Magalhães |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 27 de fevereiro de 2019, pela qual foi julgado procedente o recurso da decisão de aplicação da coima no processo de contraordenação n.º 00942018060000023002, interposto pela sociedade comercial C. R. C., Lda, e absolvida a Recorrente [ora Recorrida], das infracções que lhe vinham imputadas.
*No âmbito das Alegações apresentadas pela Fazenda Pública [Cfr. fls. 148 a 156 dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCLUSÕES: 1. Relativamente à fundamentação de facto o Tribunal “a quo” deu como assente e provado que em 2012-07-04 a sociedade “C.
R. C.
, Lda”, (doravante, arguida ou recorrente) havia sido declarada em situação de insolvência pelo Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, 1.º Juízo Cível, tendo a respetiva sentença de declaração de insolvência transitado em julgado em 2012-07-25.
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Resulta, contudo, da sentença declaratória insolvencial que a administração da massa insolvente, contrariamente ao que é dado como provado, não foi confiada ao administrador da insolvência, mas ao gerente da devedora, sob fiscalização do administrador da insolvência nomeado (cfr.doc. n.º 004656527, constante a página 125 do SITAF).
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Desconsiderou o Tribunal a quo completamente tal factualidade, não valorando no probatório, como um facto relevante para a determinação da própria responsabilidade contraordenacional.
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Por regra, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e disposição de bens integrantes da massa insolvente, os quais são assumidos pelo administrador da insolvência, dir-se-á que este é o efeito clássico, por excelência, da declaração de insolvência, previsto no art.º 81 n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e que mais impacto tem para a empresa insolvente.
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Assim, a possibilidade de a administração da massa insolvente ser deferida ao devedor, nos termos do n.º 1 do art.º 224 do CIRE, constitui exceção ao principio geral contido no art.º 81 n.º 1 do CIRE, segundo o qual a administração de insolvência priva imediatamente a empresa insolvente, por si, ou por intermédio dos seus administradores ou gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens que integram a massa insolvente.
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De acordo com o art.º 224 do CIRE, a administração da massa pelo devedor é exclusivamente aplicável aos casos em que a massa insolvente envolva uma empresa e depende em geral da verificação dos quatros requisitos previstos nas alíneas do n.º 2 da referida disposição normativa, sendo evidente na alínea b) a ligação entre a administração pelo devedor e a recuperação /continuidade da empresa.
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Acresce que, em 2013-01-22, foi proferida decisão de homologação de um plano de recuperação, a qual transitou em julgado em 2013-07-30.
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Tendo sido confiada a administração ao gerente da devedora, não poderia o Tribunal a quo desvalorizar completamente tal facto no probatório e fundamentar a sentença propalada com base em facto contrário, ou seja, de que a administração dos bens foi atribuída ao administrador da insolvência.
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No que toca aos poderes do devedor, é defensável entender que os seus poderes sobre os bens são análogos aos que competiriam, em regra, ao administrador da insolvência.
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Incumbirá, designadamente, ao devedor exercer os poderes conferidos ao administrador da insolvência no quadro dos negócios em curso (basicamente, decidir se dá ou recusa o seu cumprimento), o mesmo já não se podendo dizer do direito de resolução dos atos prejudiciais à massa, que permanece na esfera das competências do administrador (cfr. n.º 5 do art.º 226.º do CIRE).
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Em consonância com o art.º 226 do CIRE, o administrador da insolvência tem, face à administração da massa insolvente, um dever genérico de fiscalização, o que lhe permite acompanhar a gestão do insolvente e sindicar a sua conveniência e oportunidade, nomeadamente para promover o seu termo, se assim o aconselharam as circunstâncias que ocorram na atuação do devedor (art.º 226 n.º 1 do CIRE).
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Embora coexistindo as funções de ambos, do administrador da insolvência e do representante da devedora a quem foi confiada a administração, isto sem prejuízo da eficácia de certos atos praticados por este último, sempre se dirá que, in casu, a responsabilidade pelo pagamento das taxas de portagem é da devedora, administradora da massa e não do administrador da insolvência.
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Permitindo a lei ao devedor ainda que com limitações, ou contextualizado num regime de repartição de funções, (cfr. art.º 226 n.º 5 do CIRE) a administração da massa insolvente, mal se compreenderia que esse mesmo devedor não pudesse efetuar o pagamento das taxas de portagem decorrentes do desenvolvimento da sua atividade, defendendo, desta forma, os interesses desse património ao evitar futuras condenações em processos contraordenacionais, com o inerente incumprimento, por falta de pagamento das referidas taxas.
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Reportando-se as infrações a Fevereiro de 2013, tal significa que embora sejam posteriores à declaração de insolvência, foram praticadas, também, já depois de ter sido homologado um plano de recuperação (proferida decisão de homologação do plano de recuperação da Recorrente em 2013-01-22), ou seja, quando a Recorrente já havia retomado a atividade e em pleno exercício desta.
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Tendo a Recorrente praticado as infrações em plena retoma e desenvolvimento da sua atividade, reportando-se, portanto, a factos praticados no período de exercício efetivo daquela, deviam como tal ser consideradas dívidas da insolvente e não da massa insolvente, bem como da responsabilidade da Insolvente o respetivo pagamento das taxas de portagem, atento o facto de lhe ter sido confiada a administração da insolvência na sentença declaratória insolvencial.
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Apesar de, em abstrato, possa ser considerada uma divida da massa insolvente, atenta a circunstância de o próprio facto tributário e do respetivo termo do prazo de pagamento serem posteriores à declaração de insolvência, na prática, trata-se de uma divida da própria devedora insolvente, porque praticada no exercício da sua atividade, e principalmente, num momento em que lhe havia sido atribuída a administração da massa insolvente.
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A apreensão dos bens, nos termos do art.º 149 do CIRE é o efeito normal e decorrente da declaração da insolvência, justificada por se tratar de uma diligência urgente e necessária para a conservação dos bens e futura liquidação.
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Porém, quando a administração de bens é entregue ao próprio devedor, nos termos dos art.º s 223 e seguintes do CIRE, não há lugar a tal apreensão, enquanto se mantiver a administração pelo devedor, é o que decorre da própria lei, cfr. art. 228 n.º 2 do CIRE, à contrario.
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Sempre se dirá, salvo o devido respeito, por opinião contrária, que se tal efeito não se encontrasse previsto na lei, a administração conferida ao devedor dos bens integrantes da massa insolvente estaria, desde logo, esvaziada na prática de qualquer sentido útil, em virtude de não ter bens para gerir e administrar, pela razão óbvia de não se encontrarem na sua disponibilidade.
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Constando da sentença declaratória de insolvência que a administração da massa era assegurada pela Recorrente, cabendo ao administrador da massa insolvente a fiscalização dos atos e...
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