Acórdão nº 02031/18.5BEPRT-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução11 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO LMOSV E MICPVSV propuseram providência cautelar contra o MUNICÍPIO P… e a Contra-interessada «AI, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.», peticionando a suspensão de eficácia dos actos praticados pelo Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo que deferiu o pedido de licenciamento com o n.º 159/17/CMP submetido pela Contra-interessada e, em consequência, determinou que “a Contra-interessada [devia] cessar de imediato os trabalhos, ficando os mesmos suspensos.” Veio «AI – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA» interpor recurso do Despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF), de 12 de outubro de 2018 que julgou procedente o incidente de suspensão de eficácia, determinando que «deverá a Contra-interessada cessar de imediato os trabalhos de construção, ficando os mesmos suspensos».

*Conclusões da Recorrente: 1.º Vem o presente recurso interposto do Despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12 de outubro de 2018, que julgou procedente o Incidente de suspensão de eficácia dos actos praticados pelo Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo que deferiu o pedido de licenciamento com o n.º 159/17/CMP e, em consequência, determinou que “a Contra-interessada [devia] cessar de imediato os trabalhos, ficando os mesmos suspensos.”.

  1. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo (i) fez uma errada interpretação do artigo 128.º, n.º 2 do CPTA e da natureza dos actos de construção, (ii) para além de que a interpretação do artigo 128.º CPTA, efetuada neste Despacho, é materialmente inconstitucional por violação da garantia constitucional da tutela jurisdicional efetiva na vertente do direito a um processo equitativo com igualdade de armas, consagrado nos artigos 20.º e 268.º da Lei Fundamental.

    PORQUANTO, DA ERRADA EXEGESE DO N.

    º 2 DO ARTIGO 128.

    º DO CPTA E DA NATUREZA DOS ATOS DE CONSTRUÇÃO 3.º Nos termos de tal inciso legal, os seus efeitos são apenas os de não poder “iniciar ou prosseguir a execução do acto”, pelo que o acto de administrativo de licenciamento da construção continua a existir, plenamente válido e eficaz, apenas sendo automática a suspensão da sua execução.

  2. No entanto, e ao contrário da posição assumida no Despacho Recorrido, o acto automaticamente suspenso (ato administrativo de licenciamento), esgotou-se na emissão do alvará que titula o acto de licenciamento, não ficando a sua execução dependente da prática de qualquer acto – jurídico ou material - por parte da Contrainteressada.

  3. O acto de licenciamento de uma dada operação urbanística é, assim, um acto de execução instantânea que esgota a sua execução em si mesmo.

  4. Por conseguinte, o exercício do direito de construção por parte da Contra-interessada não é um acto executivo do acto suspenso, podendo, quando muito, ser um acto que é uma consequência do acto suspenso, no sentido de que foi permitido por aquele, mas não é um acto executivo dele próprio, dado que se traduz no exercício de um direito subjectivo próprio da Contra-interessada, enquanto proprietária do solo em causa.

  5. A construção da obra licenciada pelo acto suspenso por parte da Contra-interessada consubstancia, reitera-se, um exercício de um direito próprio desta e não depende de qualquer actuação/execução por parte do Município P….

  6. Assim decidiu esse Venerando Tribunal, no proc. 01910/09.5BEPRT-A-B, em que foi relator Rogério Paulo da Costa Martins, de que “não constitui[ndo] a construção de um edifício privado a execução do acto administrativo de licenciamento, para efeitos do disposto no artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos…”.

  7. Por outro lado, e para além do exposto, sempre se dirá que, independentemente dos problemas interpretativos eventualmente suscitados pela letra do preceito, importa ter em conta a "unidade do sistema jurídico" (Cf. Art. 9.º, n.º 1 do CC) o que sempre determinaria que a exegese do n.º 2 do artigo 128.º, nomeadamente do trecho “execução do acto”, apenas se reporta-se à execução do acto administrativo em si mesmo, na prossecução do interesse público.

  8. Porquanto, no âmbito da previsão da aludida norma, o seu âmbito de proteção é apenas o de assegurar, neste domínio, uma justa composição entre, por um lado, o interesse público por parte da Administração em executar de imediato o acto que praticou e, por outro, o interesse de um particular em suspender a execução do acto.

  9. Norma que foi perspetivada numa relação bilateral simples, e que não permite que a Contra-interessada possa invocar um prejuízo mais relevante dos seus interesses para obstar ao referido efeito cominatório.

  10. Terminando esse Venerando Tribunal, em sumário, sentenciando que “A expressão «execução do acto», constante do n.º 2 do artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, deve ser tomada em sentido restrito ou próprio, de execução do acto administrativo em si mesmo, feito pela Administração ou por acção dos interessados, para prossecução de um interesse público.”.

  11. Ou seja, interpretar o disposto no n.° 1 do art. 128. ° do CPTA no sentido de que a mera citação da Contra-interessada, no âmbito da impugnação de um ato administrativo de licenciamento de obra, suspende automaticamente a execução das mencionadas obras licenciadas, e em execução, significa atribuir à referida norma um alcance que o legislador, seguramente não quis.

  12. Em face do que antecede, não deve confundir-se a proibição prevista no n.° 1 do art. 128.° do CPTA de "não iniciar ou prosseguir a execução do ato", com o decretamento de uma providência cautelar, essa sim apta a suspender os efeitos e eficácia do acto de licenciamento.

    15.

    º E, assim sendo, é de concluir que tal Despacho, aliás douto, viola o artigo 128.º n.º 2 do CPTA, devendo V. Exas. revogar a decisão recorrida.

    DA INTERPRETAÇÃO MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAL DO N.

    º 2 DO ARTIGO 128.

    º DO CPTA 16.º Conforme acima destacado, o douto Despacho recorrido decide, com fundamento no n.º 2 do artigo 128.º, suspender, de imediato, os trabalhos de construção que decorriam na propriedade da Recorrente.

  13. O douto Despacho recorrido, com todo o respeito por opinião diversa, efetua uma exegese do 128º, nº 2 que é materialmente inconstitucional.

  14. Porquanto ignora e despreza, pura e simplesmente, os direitos ou interesses da Contrainteressada, que acaba por a abandonar a uma situação de total indefesa.

  15. Estes direitos ou interesses não são objecto de ponderação material em ordem a determinar se deve, ou não, haver execução do acto. Partindo o legislador do paradigma tradicional de uma relação bilateral entre a Administração e o requerente da providência e esquecendo, do mesmo passo, os potenciais interesses conflituantes de terceiros contra-interessados, que são, assim, completamente sacrificados e “sem apelo nem agravo”.

  16. Este esquecimento ou imolação dos direitos e interesses legalmente protegidos da Contra-interessada traduz-se, reitera-se, numa interpretação inconstitucional, por pôr em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva do beneficiário do acto (artigo 20.º e 268.º da CRP), sobretudo na sua dimensão de direito a um processo equitativo capaz de assegurar a igualdade de armas no processo – proibição de tratamentos preferenciais ou discriminatórios de carácter arbitrário – e o direito ao contraditório – abertura para as partes fazerem valer as razões de facto e de direito que lhes assistem.

  17. Na medida em que o seu interesse na execução do acto não é tomado em consideração, o que é tanto mais relevante quando a autoridade administrativa opta por não emitir uma Resolução Fundamentada, o que ocorreu in casu, permitindo, assim, a manutenção da suspensão automática do acto, pela mera apresentação do pedido de suspensão de eficácia do mesmo e sem que o beneficiário do mesmo seja “tido nem achado”, de modo a poder contrapor o seu interesse na execução do acto, ao interesse do requerente.

  18. O que sempre culminaria que, na prática, a proibição da execução do acto de construção, nos termos defendidos no Despacho Recorrido, tivesse os mesmos efeitos do decretamento da providência cautelar, sem que esteja assegurado qualquer contraditório ou possibilidade de reacção por parte do particular contrainteressado, o que constituiria uma violação da garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva na vertente do direito a um processo equitativo com igualdade de armas entre as partes, consagrado nos artigos 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa.

  19. Assim se entendeu, também, no aludido Acórdão, onde esse Venerando Tribunal decidiu que “Entendimento contrário traduziria uma interpretação inconstitucional do disposto neste preceito, por violação da garantia da tutela jurisdicional efectiva, na vertente do direito a um processo equitativo com igualdade de armas entre as partes, consagrado nos artigos 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa, dado não estar previsto que o particular, interessado na construção, se possa opor ao ataque do contra-interessado que quer ver a obra paralisada, como a Autoridade Pública pode fazer através de resolução fundamentada, para defesa do interesse público posto por lei a seu cargo (nos termos do disposto no n.º 1 do mesmo artigo).”. (destacado nosso).

  20. Aqui chegados, pedimos vénia fazendo nossas as palavras acabadas de transcrever, e com base nessa douta argumentação, arguir aqui expressamente a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 128.º do CPTA vertida no douto Despacho Recorrido, por violação expressa dos artigos 20º e 268º da...

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