Acórdão nº 00216/07.9BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução11 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Município M.....

(Av.ª C…, 432, 5040-310 M.....

) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Mirandela, em acção administrativa comum intentada contra ACC e esposa LSMC (residentes no lugar de R…, em M.....

), julgada improcedente.

*O recorrente dá em conclusões: 1º) O A/Recorrente MUNICÍPIO M....., pediu a condenação dos RR/Recorridos ACC e mulher, LSM, no reconhecimento de que a parcela de terreno com cerca de 1,5 metros de largura e com 14 metros de comprimento, sita no lugar de RdR, identificada nos artigos 1º e 2º da PI, é um caminho público, que sobre esta parcela de terreno os réus não têm qualquer direito de propriedade ou de outros direitos reais, bem como a absterem-se de praticar qualquer ato que limite, impeça ou dificulte a sua utilização pelo público em geral; 2º) Efetuado o julgamento o Juiz a quo proferiu sentença onde julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu os RR dos pedidos, 3º) No essencial, a sentença ora posta em crise considerou que, não obstante ter resultado provado o uso direto e imediato do público, “[cf. pontos 3. a 8. do probatório], porquanto a população de RdR utilizava aquele caminho para atravessar a linha férrea, fosse para se dirigir para a estação, para a escola primária, para os campos de vinha ou até para os prédios localizados entre o Rio Douro e aquela via-férrea”, o A/Recorrente não logrou provar a imemorialidade do uso/afetação do mesmo.

  1. ) Pelo contrário, deu como provado que a discutida “parcela de terreno foi sendo utilizada, desde há 60 anos, pela generalidade das pessoas que residem e habitam naquele lugar de RdR”, (ponto 3. dos Factos Provados).

  2. ) Sucede que, salvo melhor opinião, os depoimentos das testemunhas MJCTA, ABF, que foram cruciais para a formação da convicção do Tribunal, bem como o do FCC, impõem a conclusão, isso sim, que a parcela de terreno em causa é utilizada desde tempos imemoriais pela generalidade das pessoas que residem e habitam na RdR, e por quem esporadicamente se encontre no local, para acederem a diversos locais e pontos de interesse do lugar.

  3. ) De facto, a testemunha MJ, de forma livre, espontânea afirmou, além do mais, que a discutida faixa de terreno “foi sempre um caminho antigo”, “já não posso dizer por quem foi feito, o que eu sei é que foi sempre caminho…”, que o caminho já existia antes de terem nascido, que “viveu lá muita gente e já morreu muita gente e era por lá que iam”, que não era nascida e nem seria, e já existia o caminho; 7º) Por sua vez, a testemunha MB afirmou, inclusive a instâncias do Mmo Juiz a quo, que que o caminho existia quando a linha férrea passou, desde tempos imemoriais, que já não é do seu tempo nem dos seus avós, “havia lá uma água, umas águas que vinham de um ribeiro, e havia um rego lá para fora pelo caminho”, que o facto de a linha ter atravessado a localidade, deu origem a vários caminhos, e que o caminho já existia antes de a linha férrea ter atravessado a localidade, - “Já existiam, já existiam e não é da minha lembrança, desde tempos imemoriais (…)”; 8º) Por fim, a testemunha FC declarou que este caminho é utilizado por toda a gente, por quem quer lá passar…o povo, a população, e, referindo-se ao facto de o caminho continuar do lado oposto da linha férrea, esclareceu que sempre existiu no local umas “passadeiras”; 9º) Ora, tal só pode significar que o caminho em mérito, com as características alegadas, é utilizado desde tempos imemoriais e não, apenas, desde há 60 anos, como consta da douta sentença; 10º) E idêntica conclusão se retira, por exemplo, e em especial, das seguintes expressões produzidas pelas identificadas testemunhas: Viveu lá muita gente e já morreu muita gente e era por lá que iam, que não era nascida e nem seria, e já existia o caminho; O caminho existia quando a linha férrea passou, desde tempos imemoriais, já não é do meu tempo nem dos meus avós; não é da minha lembrança, desde tempos imemoriais, já não há ninguém vivo da RdR nem da Rede que se lembre da linha passar; 11º) Por outro lado, resultando provado, conforme depoimentos, livres, espontâneos e coincidentes das mesmas testemunhas, que o discutido caminho, entre outros, já existia aquando da construção do caminho-de-ferro, e sendo facto publico e notório que a mesma se iniciou e ficou concluída no Séc. XIX, não carecendo por isso, salvo melhor opinião, de alegação ou de prova, é apodítico que, do mesmo modo, se impõe a mesma conclusão, ou seja, o caminho em mérito é utilizado pela população desde tempos imemoriais.

  4. ) Assim, na ótica do apelante o depoimento destas testemunhas revestem-se da maior importância, e determinam, nesta parte, outra conclusão que não a traduzida na douta sentença ora posta em crise, nomeadamente que “a memória que se apurou nos autos é, portanto, uma memória relativamente recente que, atendendo ao seu intervalo temporal, não é suficiente para integrar o referido requisito/pressuposto com os contornos atrás explicitados.” 13º) Depoimentos esses que contrariam os fundamentos aduzidos na douta sentença.

  5. ) Assim é que, e salvo melhor opinião, uma análise crítica dos citados depoimentos, conjugados com a restante factualidade dada como provada, impõe a conclusão, repete-se, de que a faixa de terreno em discussão configura um caminho público, porque desde tempos imemoriais está no uso direto e imediato do público, “[cf. pontos 3. a 8. do probatório], porquanto a população de RdR utilizava aquele caminho para atravessar a linha férrea, fosse para se dirigir para a estação, para a escola primária, para os campos de vinha ou até para os prédios localizados entre o Rio Douro e aquela via-férrea.” 15º) Matéria que deveria ter sido integralmente dada como provada.

  6. ) Pelo que, ao contrário do que ficou consignado na douta sentença posta em crise, o autor logrou provar, isso sim, a imemorialidade do uso/afetação do caminho, o que determina a procedência total dos pedidos formulado e, consequentemente, da ação.

  7. ) Assim, o Mmo. Juiz a quo, e salvo o devido e muito respeito, ignorou os factos supra alegados, conforme os respetivos depoimentos, bem como o valor probatório destes.

  8. ) Em suma, dando-se como provada aquela factualidade, alterando-se a redação do ponto 3. dos Factos Provados, conforme supra alegado, a douta sentença recorrida deverá ser substituída por outra que, além do mais, condene as RR nos termos peticionados.

  9. ) Atento o exposto, a douta sentença recorrida violou, por incorreto julgamento da matéria de facto e incorreta interpretação e aplicação da lei, entre outras, as normas dos artºs 607º, nº 4, (a contrario), 413º e 516, nº 1, do CPC, artº 202º, nº 2 do CC, bem como o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/1989.

*Os recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo: 1.

A decisão tomada na sentença recorrida de julgar a acção improcedente tem dois fundamentos: a não demonstração do uso imemorial do caminho em discussão, assim como a não demonstração da afectação, entendida esta como satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.

  1. Uma vez que ambos esses requisitos são exigidos para a declaração da dominialidade pública e a recorrente não põe em causa o decidido na sentença quanto à não verificação do segundo deles ( a afectação), tanto basta para que o recurso tenha que ser julgado improcedente.

  2. Acresce que os depoimentos que o recorrente invoca para fazer valer o primeiro dos requisitos (a imemorialidade do uso) não comportam a extensão temporal que pretende, pois a...

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