Acórdão nº 02019/18.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução29 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A sociedade FC e Filhos, Lda.

Veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 25.10.2018, foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual que intentou contra o Município da PV e em que indicou como Contrainteressada a sociedade ACF & Irmãos, S.A.

, para: anulação do acto que declarou a caducidade da adjudicação do contrato à Autora; anulação do acto de adjudicação do contrato à Contrainteressada; anulação do respectivo contrato de empreitada, caso entretanto tenha sido celebrado; condenação da Entidade Demandada a adjudicar o contrato à Autora, pelo valor da sua proposta, bem como a praticar todos os actos que se mostrem necessários para esse efeito; e, finalmente, para condenação da Entidade Demandada a conceder um prazo de dez dias para a Autora prestar caução, no caso de se demonstrar que a caução não foi atempadamente prestada.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o artigo 91º, nº 1, do Código de Contratos Públicos, uma vez que não é imputável à Autora a apresentação do "seguro-caução" sem as condições exigidas pela Demandada Entidade Adjudicante, sendo que a decisão impugnada, ao contrário do decidido, viola os princípios da boa-fé, da confiança e da proporcionalidade.

*O Município Recorrido apresentou contra-alegações defendendo a manutenção da decisão recorrida.

*A Contrainteressada também contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

*O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. O presente recurso é interposto contra a decisão do Tribunal a quo que considerou legítima a declaração da Demandada Entidade Adjudicante de caducidade da adjudicação da obra a favor da Autora, por não apresentação do "seguro-caução", de acordo com as exigências da Demandada Entidade Adjudicante.

  1. Está pois em causa a apresentação pela Autora, ora Recorrente, do "seguro-caução" exigido pelo programa do concurso e pelos artigos 88. ° e 89. ° do Código dos Contratos Públicos.

  2. Resulta dos factos provados que a Autora apresentou um "seguro-caução" celebrado com a seguradora AIGEL, Londres.

  3. O seguro-caução em causa foi negociado e tratado com a empresa mediadora de seguros denominada OPS, L.da, que declara, no "seguro-caução" - documento 5 da petição inicial - agir como mandatária da AIGEL, Londres.

  4. A Recorrente mantem uma relação comercial com a OPS com mais de 20 anos e já celebrou com ela inúmeros seguros, sem qualquer problema, conforme alegado no artigo 18 da petição inicial.

  5. Face às dúvidas que o "seguro-caução" suscitou à Demandada Entidade Adjudicante, esta notificou a Autora para apresentar uma declaração emitida pela seguradora que certificasse o "seguro-caução" e que confirmasse que a AIGEL se encontrava vinculada perante a Demandada Entidade Adjudicante (por força do "seguro-caução" emitido).

  6. Em cumprimento do ordenado, a Recorrente solicitou à OPS - enquanto mediadora de seguros que atuou por mandato da AIGEL Europe Ltd, Londres e que, em sua representação, emitiu o seguro-caução - a emissão de um documento complementar de certificação a fim de ser entregue à Câmara Municipal da PV.

  7. A OPS entregou à Autora um documento de certificação intitulado "Certificação de Seguro de Caução" (documento 8 da petição inicial), emitido em papel timbrado da AIGEL e assinado por um seu representante, que confirmava o vínculo da AIGEL Europe Ltd, Londres ao "seguro-caução" emitido.

  8. O comportamento da Autora foi adequado, tendo atuado com a diligência e o zelo que a situação exigia.

  9. Após o envio do documento de "Certificação de Seguro de Caução", a Demandada Entidade Adjudicante contactou a sucursal em Portugal da AIGEL (cfr. mails de 18 e 19.06.2018, integrantes do documento 9 da petição inicial) no sentido de obter mais esclarecimentos face às dúvidas que a situação lhe gerava.

  10. Foi-lhe então comunicado pela sucursal em Portugal da AIGEL que esta não se considerava vinculada pelo seguro-caução e que não tinha atribuído poderes à OPS para representar a AIGEL na celebração deste seguro.

  11. Importa sublinhar que o pedido de esclarecimentos efetuado pela Demandada Entidade Adjudicante foi dirigido à sucursal em Portugal da AIGEL.

  12. Ora, o "seguro-caução" entregue pela Autora à Demandada Entidade Adjudicante foi emitido pela AIGEL, Londres, Inglaterra e não pela sucursal da AIGEL em Portugal, sendo certo que a OPS assegurou à Autora que o "seguro-caução" havia sido celebrado com a AIGEL, Londres e não com a sucursal da AIGEL em Portugal.

  13. Note-se que a carta da AIGEL (que integra o documento 9 da petição inicial), datada de 19.06.2018, diz "que a OPS não é representante da AIGEL - sucursal em Portugal, nem dispõe de quaisquer poderes para, em circunstância alguma e para qualquer efeito, representar a AIGEL"; ou seja, fala em nome da sucursal da AIGEL em Portugal, quando o "seguro-caução" foi emitido pela AIGEL, Londres, o que, salvo melhor opinião, justificaria por parte da Demandada Entidade Adjudicante, um pedido de esclarecimentos, no sentido de apurar se a AIGEL, sucursal de Portugal, falava em representação da empresa mãe, sediada em Londres.

  14. Os autos não evidenciam nenhuma comunicação escrita da AIGEL, Londres, a dizer que não emitira o seguro em causa. Este aspecto é relevante na medida em que a OPS sempre afirmou à Autora que o "seguro-caução" fora tratado com Londres e não com a sucursal da AIGEL em Portugal.

  15. A haver falta de diligência e de cuidado quanto à validade do "seguro-caução" tal deverá ser assacado à Demandada Entidade Adjudicante.

  16. Na sequência dos esclarecimentos prestados pela AIGEL - sucursal em Portugal à Demandada Entidade Adjudicante, esta notificou a Autora da intenção de declarar a caducidade da adjudicação com fundamento na falta de prestação de uma garantia válida, tendo-lhe sido concedido prazo para se pronunciar sobre a intenção da Demandada Entidade Adjudicante.

  17. Confrontada com os factos acima descritos, aos quais era totalmente alheia, a Autora esclareceu a Demandada Entidade Adjudicante que sempre atuara com diligência e boa-fé, informando que contactara a mediadora de seguros (OPS) com quem trabalhava e celebrara inúmeros seguros - e cuja relação nunca tinha, até ao momento, gerado qualquer problema, para que fosse obtido o seguro-caução.

  18. Posteriormente, face às dúvidas levantadas pela Demandada Entidade Adjudicante quanto ao "seguro-caução", diligenciou, junto da mediadora de seguros (OPS), pelos documentos complementares e esclarecimentos requeridos, tudo dentro do prazo estabelecido para o efeito.

  19. Não obstante ser alheia a qualquer eventual ilícito ou irregularidade na emissão do "seguro-caução", mas para que dúvidas não restassem quanto à correção do seu comportamento e da sua boa-fé, disponibilizou-se para substituir o "seguro-caução" prestado por outra caução, "obrigando-se a proceder ao depósito em numerário no valor de tal caução" (cfr. artigo 21° da resposta à notificação do despacho do Sr. Presidente da Câmara da PV - documento 10 da petição inicial), pedindo que lhe fosse concedido prazo para o efeito.

  20. Tal pedido foi-lhe negado, sem mais, pela Demandada Entidade Adjudicante, através de notificação remetida no dia 4 de julho de 2018 (cfr. documento 11 da petição inicial).

  21. Do exposto resulta que: (I) a Autora atuou sempre diligentemente e no cumprimento dos seus deveres legais em todo o processo pré-contratual, nunca deixando de diligenciar, dentro das circunstâncias do caso, por toda a documentação e esclarecimentos requeridos pela Demandada Entidade Adjudicante; (II) obteve os documentos necessários (isto é, seguro-caução e certificação por parte da seguradora) em tempo, junto da mediadora de seguros, entidade com quem sempre trabalhou e na qual depositava total confiança, nunca tendo concebido a possibilidade de os documentos disponibilizados não serem absolutamente válidos e verdadeiros; e (III) quando confrontada com a possibilidade de tais documentos não serem válidos (ou, pelo menos, de não serem bastantes para aceitação como garantia pela Demandada Entidade Adjudicante), e não obstante tal facto lhe ser totalmente alheio prontamente se disponibilizou para substituir a garantia prestada por caução de depósito em numerário.

  22. A demonstrar-se que tais documentos não vinculam a entidade AIGEL, Londres ao seguro-caução alegadamente por ela prestado, a Autora foi vítima de uma fraude por parte da mediadora OPS, de tal forma que a não prestação da caução em tempo não pode ser imputável à Autora, nos termos do artigo 91.º, n.° 1, do Código e Contratos Públicos.

  23. Nesse sentido, é desproporcional penalizar a Autora com a caducidade da adjudicação já que a Autora pode ter sido vítima de uma fraude (ou foi mesmo vítima de uma fraude, o que verdadeiramente, neste momento, ainda não sabe), para a qual não contribuiu, e não lhe era exigível outro comportamento, já que nunca se apercebeu de qualquer irregularidade ou ilícito e, apesar da incerteza da situação, ofereceu-se para substituir o "seguro-caução" por caução de depósito em numerário.

  24. A decisão de declarar a caducidade da adjudicação é, pois, desproporcional e violadora dos princípios de boa-fé e confiança que devem pautar a atuação das entidades adjudicantes e a contratação pública.

  25. Assim, e tendo em conta as circunstâncias do caso, a Autora está convicta de que apenas uma decisão poderia ter sido tomada pela Demandada Entidade Adjudicante: não imputabilidade à Autora pela não prestação do "seguro-caução" nos termos exigidos pela Demandada Entidade Adjudicante, com a consequente atribuição de novo prazo à Autora para que substituísse o "seguro-caução" por caução de...

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