Acórdão nº 00535/06.1BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução29 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO JPSSMD, devidamente identificado nos autos, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferido no âmbito da presente Ação Administrativa Comum que o Recorrente intentou contra o MUNICIPIO DE VALONGO e contra o ICERR - INSTITUO PARA A CONSERVAÇÃO E EXPLORAÇÃO DA REDE VIÁRIA - DIRECÇÃO DE ESTRADAS DO PORTO, que julgou procedente a invocada exceção de prescrição do direito do Autor, tendo, consequentemente, absolvendo os Réus do pedido.

Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1. O presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença proferida a fls., dos autos, a qual, julga procedente a exceção perentória da prescrição do direito de indemnização do Autor e, consequentemente, absolve os Réus do Pedido.

  1. A douta decisão em causa não faz, com o devido respeito, uma correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito.

    1. NOTA PRÉVIA 3. Não se mostrando a Justiça indissociável da realidade, importa referir que o Autor, ora Apelante, foi vítima de um acidente (que inquestionavelmente lhe provocou lesões), a culpa e responsabilidade do ente público já foram determinadas no âmbito do processo cível que correu termos sob o n.° 999/2002, no Tribunal Judicial de Valongo (volvidos cerca de 12 anos desde a data da instauração da ação), foi vítima da morosidade da Justiça, foi vítima da divergência jurisprudencial sobre uma questão técnico-jurídica e vê-se agora confrontado com uma decisão fundamentada na prescrição...

  2. Tanto bastaria para justificar a aplicação do instituto do abuso de direito, que expressamente se invoca.

    1. FUNDAMENTOS DO RECURSO DA APRESENTAÇÃO TEMPESTIVA DA ACÇÃO ADMINISTRATIVA 5. Com relevo para a apreciação do presente recurso, designadamente da apresentação tempestiva da ação administrativa, atento o disposto no art. 289° n.° 2 do CPC, em vigor à data dos factos (atual art. 279° n.° 2 do NCPC), importa atender aos factos constantes da douta sentença e, ainda, os seguintes: - O Autor interpôs recurso de agravo da decisão proferida em e) em 04-10-2005, (fls. 281 a 284 do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo); - Por despacho judicial proferido em 11-04-2006, no âmbito da ação judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo, foi admitido o recurso interposto pelo Autor identificado em f), (fls. 333 a 334 e 341 do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo); - No dia 11-05-2006, o Autor deu entrada das alegações do recurso da decisão proferida em e), (fls. 2 a 8 do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002-A no Tribunal Judicial de Valongo); - No dia 12-05-2006, o Autor foi notificado para proceder para os efeitos do art.

    145 n.° 6 do CPC, designadamente para pagamento de custas processuais no valor de € 1.424,00, (fls. 19 do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002-A no Tribunal Judicial de Valongo); - Por requerimento apresentado em 29-05-2006, no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo, o Autor desistiu do recurso interposto e melhor identificado em f), (fls. 386 a 388 do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo); - Por despacho judicial datado de 08-06-2006, proferido no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo, as alegações do recurso identificado em f) foram consideradas sem validade por intempestivas, (fls. 129 do processo físico/ fls. 25 do apenso A do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002-A no Tribunal Judicial de Valongo); - Por despacho judicial proferido em 12-10-2006, no âmbito da ação judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo, foi homologada a desistência do recurso, melhor identificada em j), (fls. 421 do processo judicial que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo); 6. Nos termos da douta sentença, o Tribunal “a quo” entendeu que o despacho saneador proferido no âmbito da ação que correu termos sob o n.° 995/2002 no Tribunal Judicial de Valongo, transitou em julgado em 03-10-2005, (facto alegado no ponto G), do 2.1 da fundamentação de facto da sentença), o que, salvo o devido respeito, se discorda.

  3. O regime da desistência do recurso (art. 681° n.° 5 do CPC, atual art. 632° do NCPC), sendo uma causa de extinção da instância, não está sujeita a limitações pois não depende da anuência da contraparte, podendo ser exercida, livremente, por simples requerimento ou por qualquer outro modo, processualmente admissível.

  4. O regime legal da desistência do recurso diverge, neste sentido, do regime da desistência do pedido ou da instância a que aludem os artigos 37°, n° 2 e 293° a 301°, todos do CPC, quanto ao objecto, aos autores, ao ato processual e respetivos efeitos.

  5. A desistência do recurso tem como consequência a consolidação da decisão recorrida, ou seja, o seu trânsito em julgado, equivalendo à aceitação da decisão proferida, com a única diferença quanto ao momento da prática do ato pela parte que, no caso de aceitação, tem lugar antes da interposição do recurso e, na hipótese de desistência, depois dela, (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.02.2010).

  6. Considerada a posição doutrinária e jurisprudencial sufragada, a desistência do recurso não apresenta efeitos retroativos processuais, consolidando-se a decisão recorrida a partir desse exato momento.

  7. No caso, sub judice, após a apresentação das alegações de recurso e por motivos de insuficiência económica, o Autor apresentou o requerimento de desistência do recurso, conforme melhor resulta dos factos alegados nas alíneas h), i) e j) do ponto III, n.° 1 da fundamentação do presente recurso.

  8. O requerimento de desistência do recurso foi apresentado judicialmente em momento prévio ao término do prazo para pagamento das custas processuais, conforme melhor resulta dos factos alegados nas alíneas i) e j) do ponto III, n.° 1 da fundamentação do presente recurso.

  9. Neste sentido, o despacho judicial identificado na alínea k) do ponto III, n.° 1 da fundamentação do presente recurso, foi proferido indevidamente, na medida em que o Tribunal Judicial de Valongo deveria - como o veio a fazer posteriormente em correção - decidir da homologação da desistência em primeiro lugar.

  10. Assim, a desistência do recurso é anterior à decisão judicial que declarou as alegações apresentadas intempestivas, pelo que, sempre se deverá considerar que o trânsito em julgado da decisão ocorre com a homologação da desistência do recurso pelo Autor, ora Recorrente, em 12.10.2006.

  11. Nestes termos, tendo o Autor interposto a ação administrativa em 20.07.2006, fê-lo antes do prazo dos 30 dias do trânsito em julgado da decisão, pelo que, deve ser declaro, nos termos do art. 289 n.° 2 do CPC (atual art. 279° n.° 2 do NCPC), que os efeitos civis derivados da propositura da primeira causa e da citação dos Réus mantêm-se para efeitos de prescrição.

  12. Por tudo o exposto, deve ser declarada que a ação administrativa que corre termos sob o n.° 535/06.1BEPNF na Unidade Orgânica 1, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, foi intentada em 29.08.2002 e, consequentemente ser julgada improcedente a exceção perentória de prescrição.

    DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ART. 498° N.° 3 DO CÓDIGO CIVIL 17. O Tribunal “a quo” entendeu pela não aplicabilidade do art. 498° n.° 3 do CC e, consequentemente julgou procedente a exceção perentória de prescrição com base nos fundamentos melhor descritos a fls. 17° e 18° da douta sentença, não podendo o Recorrendo conformar-se por tais fundamentos padecerem de uma incorreta aplicação do direito.

    Pessoas Coletivas vs Procedimento Criminal Regime excecional do art. 498 n.° 3 do Código Civil 18. Quanto ao primeiro fundamento invocado pelo Tribunal “a quo” importa referir que o art. 498 n.° 3 do Código Civil tratando-se de uma norma excecional prevê um prazo de prescrição extraordinário nos casos em que o facto ilícito que alicerça o pedido de indemnização civil constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, sendo este o aplicável.

  13. É entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante que para o alargamento do prazo prescricional previsto no n.° 3 do art.° 498° do CC basta a verificação de que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respetiva obrigação de indemnizar preenche os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no art.° 498°, n.° 1, do C. Civil, (e ainda que não existisse alegada, deveria o Tribunal convidar o Autor ao respetivo aperfeiçoamento).

  14. A aplicabilidade do prazo prescricional previsto no n.° 3 do art.° 498° do CC não está dependente de, previamente, ter corrido processo-crime, nem da existência de uma condenação penal.

  15. O alongamento do prazo prescricional radica na especial qualidade do ilícito (na maior gravidade do facto danoso) e não na circunstância de se demonstrar, em sede penal, o respetivo crime, sendo suficiente para a dedução da ação cível que o facto ilícito constitua crime e que a prescrição do respetivo procedimento penal esteja sujeito a um prazo mais longo que o previsto para aquela, não estando subordinada à condição de simultaneamente correr procedimento criminal contra o lesante, pelos mesmos factos.

  16. Deste modo, com referência doutrinais e jurisprudências, vide Antunes Varela in RLJ, Ano 123, página 45 e seguintes, (anotação ao Ac. STJ de 30.01.1985), Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-04-2016, Acórdão do Tribunal...

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