Acórdão nº 00827/07.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução01 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO Ordem dos Advogados veio interpor recurso da sentença pela qual o TAF de Viseu, na presente Acção Administrativa Especial instaurada por MAT, advogado, contra o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, decidiu: «…julga-se a presente acção Administrativa Especial procedente, por provada e, em consequência, anula-se a decisão disciplinar consubstanciada no acto impugnado proferido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, no seu Acórdão proferido em 23 de Março de 2007 e, bem assim, do Acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, em 3 de Janeiro de 2005, tendo aquele em recurso hierárquico apreciado este último, nulidade esta consubstanciada em as decisões administrativas em causa terem preterido o direito do contraditório e/ou de defesa do autor/arguido, pelo facto de não terem permitido a presença do advogado pelo mesmo constituído aos actos de instrução respeitantes à inquirição das testemunhas pelo mesmo arroladas na sua defesa e relativamente às quais tal diligência de prova se realizou sem aquela presença do advogado constituído pelo arguido, por omissão da sua notificação para o efeito e com as demais consequências legais.»*Conclusões da Recorrente / Ré A.

A SALVAGUARDA DO DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO, NO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, NÃO EXIGE QUE O ARGUIDO OU O SEU MANDATÁRIO SEJAM NOTIFICADOS PARA ESTAREM PRESENTES NA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS POR SI ARROLADAS; B.

O RECORRIDO NÃO SE VIU PRIVADO DA SUA DEFESA, PELO CONTRÁRIO, PÔDE EXERCÊ-LA - E, DE FACTO, EXERCEU, TANTO NA FASE DE INSTRUÇÃO, COMO NA RESPOSTA Ã ACUSAÇÃO E, POSTERIORMENTE, EM SEDE DE JULGAMENTO EM AUDIÊNCIA PÚBLICA; C.

A FALTA DE NOTIFICAÇÃO PARA AS DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS DO ADVOGADO DO ARGUIDO CONSTITUI UMA NULIDADE, A MESMA CONSISTE NUMA NULIDADE DEPENDE DE ARGUIÇÃO; D.

NÃO TENDO O RECORRIDO ARGUIDO A NULIDADE EM CAUSA NO PROCESSO DISCIPLINAR, VERIFICA-SE A SANAÇÃO DA MESMA POR AUSÊNCIA TOTAL DE REACÇÃO POR PARTE DO RECORRIDO NAQUELES AUTOS; E.

O RECORRIDO TINHA TODAS AS CONDIÇÕES PARA ARGUIR A ALEGADA NULIDADE DA FALTA DE NOTIFICAÇÃO PARA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS DURANTE TODO O PROCESSO DISCIPLINAR, CONTUDO, NUNCA O FEZ; F.

AO ABRIGO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES, NÃO PODE O TRIBUNAL A QUO SUBSTITUIR-SE À ORDEM DOS ADVOGADOS, ENQUANTO ENTIDADE COMPETENTE PARA O EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR; G.

O EXMO. SR. RELATOR, POR DESPACHO DATADO DE 02/03/04, RECUSOU A REALIZAÇÃO DE ALGUMAS DILIGÊNCIAS REQUERIDAS PELO RECORRIDO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 127.°, N.° 2, DO EOA APLICÁVEL, COM FUNDAMENTO NO FACTO DE AS MESMAS SEREM IMPERTINENTES E DESNECESSÁRIAS PARA O APURAMENTO DOS FACTOS; H.

ENCONTRAVAM-SE REUNIDOS TODOS OS INDÍCIOS SUFICIENTES PARA FUNDAMENTAR A PROLAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO CONTRA O RECORRIDO, POR PRETERIÇÃO DOS DEVERES DEONTOLÓGICOS CONTIDOS NOS ARTIGOS 76.° E 83.°, N.°1, ALÍNEA H), DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS APLICÁVEL; I.

O FACTO IMPUTADO PELO ACÓRDÃO IMPUGNADO AO RECORRIDO, CONSISTENTE NA FALTA DE RESTITUIÇÃO À SUA CLIENTE DA MAIS-VALIA OBTIDA COM A VENDA DO PRÉDIO, ENCONTRA CORRESPONDÊNCIA NOS FACTOS INDICIARIAMENTE ASSENTES CONSTANTES DA ACUSAÇÃO; J.

O ACÓRDÃO IMPUGNADO NÃO PROCEDEU A QUALQUER ADITAMENTO/ALTERAÇÃO AOS FACTOS PELOS QUAIS O ARGUIDO VINHA ACUSADO, NÃO TENDO DE FORMA ALGUMA VIOLADO O DISPOSTO NOS ARTIGOS 269.°, DA CRP E 123.°, DO EOA APLICÁVEL; K.

CONSAGRANDO O ARTIGO 76.°, N.°1, DO EOA APLICÁVEL, UM DEVER GERAL DE PROBIDADE, PODERIA O RECORRIDO TER INCORRIDO, COMO INCORREU, EM RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR PELA VIOLAÇÃO DE TAL DEVER; L.

A CONDUTA PREVISTA NO ANTERIOR ARTIGO 76.°, NÃO FOI "DESCRIMINALIZADA", PELO CONTRARIO, ENCONTRA, ATUALMENTE, EXPRESSA CONSAGRAÇÃO NOS ARTIGOS 83.°, 84.° E 85.°, DO ATUAL EOA; M.

A RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR É INDEPENDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL, UMA VEZ QUE ASSENTAM COMO TAL EM DIFERENTES PRESSUPOSTOS E FUNDAMENTOS, E, POR ISSO MESMO, UMA NÃO EXCLUI A OUTRA CONFORME, DISPÕE O ATUAL ARTIGO 111.°, A QUE CORRESPONDIA O ARTIGO 92.° DO ANTERIOR EOA; N.

A NATUREZA SECRETA DO ESCRUTÍNIO NÃO É OBVIAMENTE UM VALOR ABSOLUTO, BASTANDO QUE A DELIBERAÇÃO SEJA VOTADA UNANIMEMENTE, COMO SE VERIFICOU NO CASO DOS AUTOS; O.

O ACÓRDÃO IMPUGNADO FOI PROFERIDO NO ÃMBITO DE UM PROCEDIMENTO DE 2.° GRAU, NÃO HAVERIA LUGAR AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE AUDIÉNCIA PREVIA, CONFORME DISPÕE O ARTIGO 103.°, DO CPA; P.

EXIGÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO FOI TOTALMENTE RESPEITADA PELO ATO IMPUGNADO, QUE TOMOU COMO VÁLIDOS OS FUNDAMENTOS DO PARECER PROFERIDO EM 23/02/07, SENDO PERCETÍVEL QUAL O ITER LÓGICO QUE CONDUZIU À DECISÃO DE NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO APRESENTADO PELO RECORRIDO; Q.

O AUTOR COM O SEU COMPORTAMENTO, VIOLOU DIVERSOS DEVERES DEONTOLÓGICOS, PREVISTOS NO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EM VIGOR À DATA DOS FACTOS), NOMEADAMENTE OS DEVERES DE A INDEPENDÉNCIA, A DIGNIDADE, A PROBIDADE, A ISENÇÃO E O RESPEITO PELA VERDADE - ARTIGO 76.°, DO EOA; R.

ESTAMOS, POR ISSO, PERANTE UM COMPORTAMENTO GRAVE QUE PÕE EM CAUSA O NÚCLEO PRINCIPAL DOS DEVERES DEONTOLÓGICOS DE QUALQUER ADVOGADO, NOMEADAMENTE A RETENÇÃO PELO RECORRIDO DE QUANTIA QUE NÃO LHE PERTENCEM, DANDO UMA IMAGEM PROFUNDAMENTE NEGATIVA DA CLASSE; S.

COMPORTAMENTO ESTE, QUE ALÉM DE PÔR EM CAUSA AS RELAÇÕES ENTRE ADVOGADOS E CLIENTES, PÕE, IGUALMENTE, EM CAUSA A DIGNIDADE DA PRÓPRIA ORDEM DOS ADVOGADOS E O PRESTIGIO DA PROFISSÃO.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, devem Vs. Exas.: a) Julgar o presente recurso jurisdicional procedente e, em consequência, b) Revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a ação improcedente, por não provada.

*Conclusões do Recorrido / Autor em contra-alegação 1.º Ao tribunal ad quem apenas compete apreciar os vícios e erros de julgamento assacados à sentença em recurso e não pronunciar-se sobre matérias que não foram objecto de conhecimento por parte do Tribunal a quo (v. art.ºs 144º, n.º 2 CPTA e 639.º do CPC, e, entre outros, o Acº STA de 19-05-2005, Proc. nº 0209/05, o Acº STA, de 19/12/2006, Proc. nº 0594/06; Acº STA, de 15/03/01, Proc. nº 032607; Acº STA de 04/06/97, Pleno, Proc. nº 031245; Acº TCAN, de 17/09/2015, Proc. n.º 01055/14.6 BEPRT; e, Acº TCAS, de 18-06-2009, Proc. nº 00963), pelo que o objecto do presente recurso está limitado às conclusões A) a F) das alegações apresentadas pelo recorrente jurisdicional – saber se o procedimento disciplinar enferma de nulidade insuprível por o mandatário do arguido não ter sido notificado para comparecer na inquirição de testemunhas - e já não ao alegado nas demais conclusões, as quais se reportam a matérias que não foram decididas pelo Tribunal a quo e se limitam a reproduzir o que esse mesmo recorrente jurisdicional havia sustentado na contestação ali apresentada.

  1. Sobre a única questão em apreço no presente recurso jurisdicional – saber se o procedimento disciplinar enferma de nulidade insuprível por falta de notificação ao mandatário constituído para estar presente na inquirição de testemunhas -, o aresto em recurso não merece qualquer censura, uma vez que a sua decisão está em inteira conformidade com a jurisprudência do STA e dos TCAS, os quais desde há muito vêm firmando que a falta de notificação ao mandatário do arguido para estar presente na inquirição das testemunhas constituiu uma inadmissível violação do direito constitucional de audiência e defesa e determina a nulidade insuprível de qualquer procedimento disciplinar (v. entre outros, o Acº STA, de 17-10-2006, Proc. nº 0548/05, o Acº TCAN, de 23-03-2012, Proc. n.º 00290/09.3BEPNF, o ACº TCAN, de 24-04-2008, Proc. n.º 00172/04.5BEBRG, o Acº TCAS, de 05-07-2012, P. n.º 03997/08, Acº TCAS, de 30-07-2013, Proc. n.º 09997/13).

  2. A tese de que a falta de notificação para o mandatário do arguido estar presente na inquirição das testemunhas não determina a nulidade insuprível do procedimento não só em nada abona a Ordem dos Advogados – que deveria ser a primeira a sustentar a imprescindibilidade da presença do advogado do arguido em todas as inquirições e, consequentemente, a impossibilidade do incumprimento de tal formalidade ser sanada pelo decurso do tempo – como seguramente esquece que a presença do mandatário do arguido na inquirição de testemunhas é uma das manifestações do direito constitucional de defesa (v., neste sentido, o Acº STA, de 22-11-94, Proc. nº 031532), pelo que naturalmente que não pode o regulamento disciplinar prevalecer sobre a Constituição nem ser interpretado em sentido que importe uma restrição da amplitude constitucional desse mesmo direito fundamental (a qual, a existir, teria sempre de constar de uma norma legal e não de um regulamento, o que não sucede até por o diploma legal que aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados ser o primeiro a reconhecer a imprescindibilidade e o direito de qualquer cidadão ser defendido em todos os actos por um advogado). Consequentemente, 4.º Constitui nulidade insuprível a não notificação do mandatário do arguido para estar presente na inquirição de testemunhas arroladas na defesa, razão pela qual o aresto em recurso efectuou uma correcta interpretação do direito aplicável, só devendo a Ordem dos Advogados penalizar-se a si mesmo por não ter respeitado num processo interno um princípio fundamental dessa mesma organização e estruturante de um sistema processual próprio de um Estado de Direito.

Nestes termos deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional e, em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT