Acórdão nº 00177/18.9BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: VJGM e mulher CSPP vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 28.11.2018, que absolveu o réu dos pedidos, por se encontrar prescrito o direito dos Autores, na presente acção administrativa que os Recorrentes movem contra o Recorrido Município de MF, pedindo ao tribunal a condenação do Recorrido no pagamento, a título de indemnização das quantias melhor discriminadas na petição inicial [relativas, respectivamente, a um projecto de construção, 2.030,00€, a juros vencidos sobre a quantia de 30.000,00€ desde 19 de Maio de 2006 a 23 de Abril de 2010 e 15.000,00€ a título de danos não patrimoniais], na sequência das vicissitudes que relatam na petição inicial.

Invocou para tanto e em síntese que não se verifica a prescrição do direito dos Autores porque a responsabilidade civil aqui em causa é a contratual e não a extracontratual em que se funda o despacho saneador recorrido e a duração do prazo de prescrição daquela é de 20 anos, nos termos do artigo 309º do Código Civil.

*O Recorrido não contra-alegou.

*O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1- Com o devido respeito, que muito é, os AA. não se conformam com a douta decisão recorrida, no que concerne à qualificação da responsabilidade civil extracontratual atribuída pelo Tribunal Recorrido ao R. Município e, nessa sequência, com a decisão que declarou prescrito o direito indemnizatório dos AA..

2- De modo que, impõe-se apurar no presente recurso, para efeitos da verificação da exceção de prescrição, se nos presentes autos nos encontramos perante responsabilidade contratual ou extracontratual do R. Município.

3- Ao contrário do referido entendimento do Tribunal a quo, os factos jurídicos invocados pelos AA./Recorrentes encontram assento no âmbito da responsabilidade contratual, em concreto, no negócio de compra e venda de um lote de terreno destinado a construção vendido pelo R. Município aos AA./Recorrentes.

4- Com interesse para a apreciação da questão em apreço, salienta-se que na Petição Inicial os AA. invocam que, por Edital N.º 12/2006, publicado a 20 de Abril de 2006, a Câmara Municipal de MF tornou público que, de acordo com a sua deliberação camarária de 04 de Abril de 2006, iria proceder à alienação, por recurso à Hasta Pública, de três lotes de terreno destinados a construção urbana, situados no Loteamento da Q..., freguesia de O..., concelho de MF.

5- O Lote que os AA. vieram a adquirir ao R. vinha anunciado no referido edital como: "Lote n.º 4: Parcela de terreno com a área de 545 m2, para construção de edifício de cave e r/c, área de implantação de 150 m2, área de construção 300 m2; base de licitação - 30.000,00 Eur".

6- Face à proposta de compra dos AA. e na falta de qualquer outra, o Lote N.º 4 foi adjudicado ao A. marido e este advertido que deveria efetuar o pagamento imediato de 25% do preço e que escritura pública de compra e venda seria realizada no prazo de 30 dias.

7- Naquele acto o A. procedeu ao pagamento ao R., na pessoa do Sr. Presidente da Câmara Municipal, do valor de 7.500,00 Eur (sete mil e quinhentos euros) e, posteriormente, no dia 03 de Julho de 2006, foi celebrada a escritura de compra e venda entre o R. e os AA., nela tendo ficado a constar que o Município é dono e legítimo possuidor de um lote de terreno, sito no Lugar da Q..., freguesia de O..., no Município de MF, designado por Lote N.º 4, com a área de 545 m2, destinado a construção urbana, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 362, descrito na Conservatória do Registo Predial de MF sob o n.º 00382/021025, inscrito a seu favor pela inscrição G-2, o qual resultou da autorização de loteamento aprovada por deliberação camarária de 04 de Março de 2002.

8- Mais tendo sido consignado que por esse acto, o R. vendeu aos AA. o identificado lote pelo peço global de 30.000,00 Eur (trinta mil euros), do qual já foi pago ao R., a título de sinal e por conta do referido preço, a quantia de 7.500,00 Eur (sete mil e quinhentos euros), tendo os AA., nesse acto, pago o remanescente do preço, no valor de 22.500,00 Eur (vinte e dois mil e quinhentos euros), do qual o R. deu correspondente quitação.

9- À data da realização da referida escritura de compra e venda o prédio em questão encontrava-se inscrito na respetiva matriz sob o referido artigo 362 e descrito na CRP de Mesão sob o n.º 382, como Lote N.º 4 - parcela de terreno para construção urbana com a área de 545 m2, a confrontar do norte e sul com arruamento público, nascente com lote nº 5, poente lote n.º 3.º.

10- Apesar de, nessa altura, não se mostrarem concluídas as obras de infraestruturas previstas para o loteamento, nomeadamente, arruamentos, instalação de luz, água e saneamento ou sequer demarcação dos lotes, no ato da venda em hasta publica e bem assim na data da realização da escritura de compra e venda, os AA. e o seu procurador foram informados que as infraestruturas ficariam concluídas no prazo máximo de um ano, ou seja, entre Maio e Julho de 2007 e, por isso, a partir daí já poderiam construir.

11- Alegaram ainda os AA. que o motivo que determinou a aquisição do referido Lote foi o desejo e a necessidade de construírem, o mais breve possível, uma casa/moradia destinada a habitação, já que sendo um jovem casal, usufruiriam, também, de melhores condições de financiamento.

12- Tendo-se verificado um atraso na execução das obras de infraestruturas e legalização do loteamento durante cerca de 3 anos, em 21 de Janeiro de 2009 o procurador dos AA. solicitou o livro de reclamações, onde apresentou a reclamação e fez constar o seguinte: "Em 12 de Outubro de 2006, fiz a escritura de um lote que comprei à Câmara Municipal de MF. Agora quero construir e a Câmara Municipal não me deixa, nem tão pouco sei onde é o meu lote. Já lá vão quase três anos e não sei quando é que irei começar a construir visto que o loteamento vai a passo de caracol. Será que a Câmara pode vender um lote sem que o loteamento esteja concluído? Sem outro assunto. Nota: O lote é o n.º 4, com o registo de artigo 362." 13- Só em 26.01.2009, O Sr. Presidente da Câmara Municipal, informou o procurador dos AA. que no dia "12 de Fevereiro próximo, pelas 10.30 horas, se procederá à marcação do lote em causa, pelo que, se estiver interessado, poderá comparecer também no local. Mais informo que poderá dar início ao projecto, bem como ao seu licenciamento." 14- Alegaram ainda os AA, que apesar dessa comunicação, em Novembro de 2009, o Sr. Presidente da Câmara Municipal deu a informação de que o processo do loteamento se encontrava parado porque o PDM em vigor não permitia operações de loteamento fora dos aglomerados urbanos, como era o caso, tendo ainda transmitido que, para ultrapassar o impasse, era necessário reparar a ilegalidade ocorrida na alteração ao PDM.

15- Tendo os AA. ainda referido na PI que as obras de loteamento apenas foram recebidas provisoriamente pelo R. a 23 de Abril de 2010.

16- Por fim alegaram que a venda realizada pelo R. Município (enquanto proprietário e promitente vendedor), de um terreno anunciado como terreno para construção, que se veio a verificar não estar apto a tal, pelo menos, durante mais de 4 anos, lhes causou avultados danos de natureza patrimonial e não patrimonial que concretizaram correspondentes ao custo de um novo projeto de construção, no montante de 2.030,00 Eur (dois mil e trinta euros); o valor correspondente aos juros civis em vigor sobre o valor do preço que pagaram de 30.000,00 Eur, entre 19 Maio de 2006 a 23 Abril de 2010, no montante de 4.717,81 Eur (quatro mil setecentos e dezassete euros e oitenta e um cêntimos), correspondente ao período durante o qual ficaram privados da quantia relativa ao preço pago de 30.000,00 Eur, bem assim impedidos de fazer qualquer construção no lote, tal como destinado ou de o poder rentabilizar, seja noutro investimento imobiliário, seja em qualquer aplicação financeira; tendo ainda peticionado do R. danos de natureza não patrimonial igualmente sofridos, porquanto, desde logo, acreditaram que o processo de venda dos lotes promovido pelo R. se tratava de um processo perfeitamente legal e sem qualquer obstáculo ou constrangimento.

17- Da PI resulta inequívoca a alegação de que entre AA. e R. foi celebrado um contrato de compra e venda de um prédio, no caso a venda pelo R. (enquanto proprietário) de um lote de terreno destinado a construção urbana.

18- Resulta ainda alegada a ocultação pelo R. (enquanto proprietário/vendedor), aquando da venda, da impossibilidade de construção (verificou-se que estava fora da área de PDM e que foi necessária a sua alteração para obter a viabilidade de construção no loteamento), sendo manifesto o especial conhecimento que o R. tinha da situação do terreno (enquanto proprietário/loteador e entidade licenciadora) e o especial dever de informar os AA. da sua situação real.

19- Na PI os AA. não invocam ou qualificam a natureza da responsabilidade civil em que fundam os pedidos e na resposta à excepção consignam que o peticionado nos autos encontra assento no âmbito da responsabilidade contratual.

20- Os fatos jurídicos invocados bastavam para ser possível responsabilizar contratualmente o R. Município, nomeadamente, com base em manifesto desrespeito pelos ditames da boa-fé nos termos dos arts. 227º e 239º do C. Civil, responsabilidade essa inserida num contexto de celebração de um negócio com os particulares (aqui AA./Recorrentes) e até por iniciativa daquela (venda em hasta pública).

21- Pelo que, sem embago de prova a produzir para um melhor apuramento da factualidade alegada, no modesto discernir dos AA., no caso, tem aplicação o prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo...

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