Acórdão nº 02673/18.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRos
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. DLM e TFPFB, devidamente identificados nos autos interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 24/01/2019, que julgou totalmente improcedente o recurso da decisão de derrogação de sigilo bancário, deduzido nos termos e ao abrigo dos artigos 146.º-A e 146.º-B do CPPT.

1.2.

Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «

  1. A douta sentença recorrida está ferida de nulidade por vício formal de falta de especificação dos fundamentos de facto, de acordo com o estabelecido nos artigos 125.º do CPPT e 615.º do CPC, uma vez que não discrimina, relativamente à matéria de facto, os factos provados dos não provados, de acordo com as exigências legalmente previstas.

  2. Do elenco da matéria de facto dada como provada descrita nas alíneas E); F); G); H); I); J); K), extraímos que o Tribunal «a quo» deu como provados factos apenas com remissão para documentos constantes dos autos.

  3. O Tribunal «a quo» limitou-se a dar como reproduzidos os documentos constantes dos autos e a alegar que os mesmos não foram objeto de impugnação pelos Recorrentes, sem referir de forma concreta, objetiva, e evidente qual o facto que dá como provado, ou como não provado e a respetiva fundamentação.

  4. Constitui prática incorreta e ilegal que o conteúdo de um facto provado seja preenchido apenas pela remissão para documentos constantes dos autos, cfr nesse sentido e também no âmbito de um recurso sobre decisão de derrogação de sigilo bancário, se pronunciou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do Processo n.º 00253/14.7BEPNF, proferido em 30-09-2014, disponível em www.dgsi.pt.

  5. A mera remissão para os documentos tem apenas o alcance de dar como provada a existência do documento, um meio de prova, mas não o de dar como provada a existência dos factos que com base neles se possam considerar como provados, cfr Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte no âmbito do Processo n.º 00253/14.7BEPNF, proferido em 30-09-2014, disponível em www.dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0596/07 de 31-10-2007, também disponível em www.dgsi.pt.

  6. No caso concreto, o Tribunal «a quo» limitou-se a dar por reproduzidos os documentos que constam dos autos, circunstância que determina manifesta omissão na fixação dos factos que, com base nesses mesmos documentos, poderiam ser eventualmente dados como provados e que seriam relevantes para a apreciação dos fundamentos aduzidos pelos Recorrentes.

  7. Quando se trata de prova documental, a discriminação da matéria de facto não pode limitar-se a dar como reproduzidos documentos que constem do processo, cfr neste sentido vide Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6.ª edição, Volume II, pág. 320.

  8. A insuficiência da decisão sobre a matéria de facto inviabiliza a decisão jurídica do pleito, o que determina, no entendimento dos Recorrentes, a anulação da decisão recorrida, e a consequente remessa dos autos ao tribunal “a quo”, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto.

  9. O Tribunal «a quo» considerou que «não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa», sendo tal afirmação, destituída de qualquer fundamentação, demasiado simplista e por isso geradora também do vício de falta de especificação dos fundamentos de facto que determina a respetiva nulidade da decisão.

  10. No elenco da matéria de facto dada como provada, além de se limitar a remeter para documentos existentes no processo, dando o respetivo teor como reproduzido, o douto Tribunal «a quo» refere que tais documentos não foram impugnados.

  11. Considerar que os Recorrentes não impugnaram os documentos constantes dos autos viola os princípios constitucionais basilares, nomeadamente, o princípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos.

  12. Ao interporem recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário, os Recorrentes discordam em pleno dos fundamentos utilizados pela AT para concluírem pelo levantamento do sigilo, bem como de todos os documentos constantes do processo administrativo e que foram também carreados em sede de Contestação nestes autos.

  13. O recurso apresentado configura em si mesmo a única e adequada forma possível de impugnação dos documentos existentes, não sendo exigível aos Recorrentes que pudessem traduzir a sua discórdia quanto ao teor dos mesmos de forma mais completa do que aquela que resulta do teor do recurso deduzido.

  14. Os documentos em causa integram todo o processo administrativo que culminou com a decisão favorável à derrogação do sigilo bancário, pelo que reagindo através da interposição do competente recurso, os Recorrentes estão já a impugnar o conteúdo dos documentos que não seriam autonomamente impugnáveis.

  15. Ainda que assim não se entendesse, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá não ser de aceitar que a falta de impugnação dos documentos, tenha como consequência a aceitação dos factos neles constantes, pois que, de acordo com o n.º 1 do artigo 376º do Código Civil, a força probatória dos documentos limita-se à sua materialidade, ou seja, à existência de tais documentos, não abrangendo a exatidão dos mesmos, cfr. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 05b3318 em 23 de Novembro de 2005, disponível em www.dgsi.pt.

  16. Os documentos quando não impugnados, provam apenas a sua existência, mas não a veracidade do que neles está escrito nem a correspondência dos mesmos com a realidade dos factos materiais que deverá ser demonstrada por outro meio de prova, por exemplo, a prova testemunhal, cfr neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo 3128/06.0 TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

  17. Andou mal o Tribunal «a quo», no entender dos Recorrentes, ao considerar provados os factos constantes das alíneas E); F); G); H); I); J); K), justificando tal demonstração com a mera remissão para os documentos dos autos, desacompanhados de qualquer outro elemento de prova, nomeadamente testemunhal.

  18. O próprio recurso em si, constitui ele mesmo impugnação global de todos os documentos que serviram de base à decisão favorável para o levantamento do sigilo bancário dos Recorrentes.

  19. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento e na valoração da prova, que determinam a nulidade da sentença, que desde já se requer com todas as consequências legais.

    TERMOS EM QUE: A) deverá ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se, em consequência nula a douta sentença por verificação do vício formal de falta de especificação dos fundamentos de facto B) Deve a douta sentença ser também declarada nula por verificação de manifesto erro de julgamento e erro na valoração da prova documental Declarando-se ilegal com todas as consequências legais, a decisão de derrogação do sigilo bancário dos Recorrentes.

    ».

    *1.3.

    A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira contra alegou e formulou as seguintes conclusões: «A. A decisão do Tribunal a quo ao utilizar na sua decisão a expresão: “não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa” não está ferida de qualquer nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto.

  20. Aquela expressão resulta e assenta na convicção formada pelo tribunal perante toda a prova produzida pelas partes, designadamente prova documental.

  21. Também, foi entendimento do tribunal a quo que para além dos factos que deu como provados não se extraem outros (da prova apresentada) que sejam relevantes para a decisão da causa (seja factos provados, seja factos não provados).

  22. Acresce que os Recorrentes não especificam, como estavam obrigados a especificar, uma vez que estão a impugnar a matéria de facto, nos termos do artigo 640º, nº 1 CPC: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

  23. Dessa forma, o Recurso é tão e apenas uma manifestação de uma opinião, pois não cumpre com os requisitos legalmente exigíveis naquele preceito, F. Logo, deverá ser recusado; G. Com efeito, tem sido entendimento unanime da jurisprudência que: “I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.

    II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.

  24. Logo, atendendo ao objecto do recurso, terá de ser o mesmo rejeitado, pois não cumpre com as exigências legalmente estipuladas no citado preceito.

    I. O Tribunal a quo não se limitou a remeter para os documentos constantes nos articulados também os documentos constantes nos articulados, não tendo os Recorrentes razão neste argumento.

  25. Aliás, o que o Tribunal a quo mais não fez do apresentar como fundamentação de cada facto dado por si como provado o documento onde assentou a sua convicção para daí extrair aqueles factos K. Isso vislumbra-se facilmente dos factos dados como provados quando o Tribunal a quo refere, à frente desses, a seguinte expressão “cfr. fls….. do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (documento não...

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