Acórdão nº 01857/11.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. RMBC e mulher MCCP, devidamente identificados nos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 18.08.2017, que julgou totalmente improcedentes os embargos de terceiro por eles deduzidos contra a penhora efetuada sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1326 – fração E, efetuada pelo Serviço de Finanças de Póvoa do Varzim no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1872200201033450, em que é executada a sociedade comercial “CSI, Lda”.

1.2.

Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: 1.

O presente recurso versa matéria de facto e de direito.

2.

Os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto:

  1. Ponto 21 dos Factos Provados (III. 1), o qual deverá passar a ter a seguinte redação: Anteriormente a 2009 e nesse ano, o Embargante marido prestou serviços a empresas do grupo da Executada, que não lhe foram pagos, tendo acordado verbalmente com a Executada, anteriormente à celebração do contrato promessa judicado, receber a fração do 10 A do Lote 74, em pagamento dos valores em dívida.

  2. Pontos números 1, 2 e 3 dos Factos Não Provados (III.2), os quais deverão passar a integrar os Factos Provados (III.1), com a seguinte redação e numeração sequencial: 28.

    A Executada e os Embargantes reciprocamente declararam prometer vender e comprar a fração penhorada nos autos, em 23/04/2009, tendo o preço sido integralmente pago.

    29.

    Em 23/04/2009, os Embargantes ficaram autorizados a entrar na posse do imóvel, tendo a partir de então dado início às obras de acabamentos referidas no item 22) dos factos provados.

    30 Em julho de 2009, essas obras ficaram concluídas, tendo os Embargantes passado a habitar na fração, utilizando gás de garrafa e luz e água de obras.

  3. Mais deve considerar-se provado o animus possidendi por parte dos Embargantes, alegado no artigo 5° da petição de embargos: 31.

    Desde julho de 2009 até à presente data, os Embargantes passaram a residir no apartamento penhorado, com a convicção de serem os seus donos com exclusão de outrem, o que fizeram continuamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ignorando lesar direitos ou interesses de terceiros.

    São as seguintes as provas que impõem decisão diversa da recorrida: 3.

    Documentos números 1 e 4 a 11 juntos com a p.i., com especial enfoque para o contrato promessa de compra e venda assinados pela promitente vendedora, a executada CSI, e os promitentes compradores, os Embargantes, aqui recorrentes.

    4.

    As testemunhas inquiridas a este respeito, as quais, todas elas, depuseram, de forma desinteressada, idónea e credível, no sentido alegado pelos Embargantes, conforme abaixo melhor se explica com referência aos registos áudio.

    5.

    Os Embargantes habitaram o apartamento em causa durante vários meses com luz e água de obras e garrafas de gás, sendo que: Em novembro de 2009 existem já consumos de eletricidade faturados pela EDP à Embargante relativos à fração objeto dos autos; Já em novembro de 2009, a Embargante havia celebrado o contrato de fornecimento de gás respeitante à fração objeto dos autos; Há, igualmente, condomínios pagos desde Março de 2009 em diante pagos pelos Embargantes: 6.

    A prova documental constituída pelo contrato promessa junto aos autos refere que em 23.04.2009 os Embargantes foram autorizados a entrar na posse do imóvel, dando-lhe o destino que bem entendessem, sendo que nessa altura os Embargantes entraram na posse da fração e iniciaram as obras de acabamentos da mesma.

    7.

    Nenhuma testemunha depôs no sentido de que só posteriormente à data da celebração do contrato promessa e à data do registo da penhora é que os Embargantes tomaram posse do imóvel nem a Embargada CSI contestou que os Embargantes, pelo menos desde a assinatura do contrato promessa, ocupassem aquele apartamento.

    8.

    Por fim, não considerou o Tribunal a quo que o preço a que alude o contrato promessa tenha sido pago, sendo que a fundamentação do Tribunal relativamente à decisão sobre este concreto ponto da matéria de facto é em si mesma contraditória.

    9.

    Com efeito, o próprio contrato promessa celebrado por promitentes vendedores e compradores constitui recibo de quitação integral do preço convencionado, dele constando que o preço estipulado já se encontra integralmente pago (cláusula 3ª).

    10.

    Acresce que a promitente vendedora CSI foi citada para os presentes autos de embargo e não contestou a matéria de facto alegada na p.i. não tendo contraditado que o preço se encontre pago e era a principal interessada em fazê-lo se tal correspondesse à verdade.

    11.

    O próprio Tribunal a quo, ao considerar provado o ponto n.º 21 (anteriormente a 2009 e nesse ano, o Embargante marido prestou serviços a empresas do grupo da Executada, que não lhe foram pagos, tendo acordado verbalmente com a Executada, em altura não determinada do ano de 2009, receber a fração do 1º A do Lote 74, em pagamento dos valores em dívida), considerou que o preço do apartamento foi pago, através de uma dação em pagamento.

    Resumos das transcrições de extratos dos registos áudio que, juntamente com a prova documental referida, impõem a aludida alteração à matéria de facto: Testemunha: JLAV (Chefe de Vendas da CSI) Refere que o imóvel foi comprado pelo M..... (aqui Embargante) e depois houve problemas com esse imóvel (02:00/02:30).

    Refere que os donos da ACCIOP, HACOP e CSI eram as mesmas pessoas (02:30/03:00).

    Acrescenta que o MCS e o filho eram os gerentes destas empresas (03:35/03:35).

    Diz que era o depoente que se encontrava à frente da parte comercial destas empresas em Chaves (03:45/03:55).

    Refere que há um contrato promessa de compra e venda feito nos escritórios das empresas em Chaves e que se lembra bem do M..... ter ficado com um apartamento à troca de trabalho (05:00/05:30).

    Sabe que o M..... executou trabalhos no apartamento dele e, por conseguinte, o valor do apartamento para ele foi inferior ao dos apartamentos semelhantes vendidos a terceiros, que rondava os 80/90 Mil Euros (06:00/06:30).

    Sabe que logo que o apartamento ficou pronto o M..... e a esposa foram para lá morar, o que aconteceu há 10 ou mais anos (07:00/07:30).

    Não tem dúvidas de que o M..... e a esposa se consideram donos deste apartamento (09:20/09:35).

    Sabe que houve outros apartamentos na situação do M....., designadamente do senhor que tinha o restaurante C… (troca de refeições), do AM, dos G… ... , e que o único caso pendurado é o do M....., tendo os restantes sido resolvidos a favor dos donos dos apartamentos (10:00/1 0:50).

    Quando o M..... foi viver para o apartamento, o prédio ainda não estava terminado (11:45/11:55).

    Testemunha: VNSO (vizinha dos Embargantes) Reside num apartamento contíguo aos dos Embargantes, lembrando-se que os Embargantes foram viver para o apartamento em causa pouco tempo depois dela, que o passou a habitar a partir de Outubro de 2008 (14:30/16:00).

    Sabe que a Cristina e o M..... moram no apartamento desde início de 2009 até hoje, vendo-os todos os dias. O filho dos Embargantes, com 3 anos de idade, nasceu já eles moravam há muito no apartamento (16:45/17:15).

    Considera os Embargantes proprietários do apartamento (17: 15/17:30).

    Embora o apartamento da depoente seja da mesma tipologia do dos Embargantes, o destes tem acabamentos diferentes dos dos demais porque foram eles que o acabaram (18:30/19:30).

    Recorda-se bem dos Embargantes usarem água e luz de obras e gás de garrafa (21:00/22: 15).

    Testemunha: SFMT (sócia gerente da empresa TS, administradora do condomínio do edifício) Referiu que os Embargantes se apresentaram como proprietários desde que foi formado o condomínio em Março de 2009 (29:00/31:00).

    Viu o R… fazer obras no apartamento em causa, que está diferente dos outros (33:45/34:00).

    Sabe que os Embargantes moram no apartamento desde 2009 e que usaram gás de garrafa antes de ter gás canalizado, luz de obras e água de obras (34:00/35:20).

    Sabe que os Embargantes se consideram donos do apartamento e ela tem-nos por donos do apartamento (35:20/35:30).

    Refere que desde 2009 até hoje são os Embargantes que comparecem nas reuniões do condomínio (35:30/35:40).

    Ouvidos em declarações de parte, os Embargantes confirmaram a matéria por si alegada na petição de embargos, o que fizeram, não obstante o manifesto interesse na causa, de forma credível e sincera.

    Não houve qualquer outra prova testemunhal ou outra que, de algum modo, contrariasse ou infirmasse a prova produzida a que supra se alude.

    Isto posto, 12. Não estando em causa a qualidade de terceiro dos Embargantes nem tendo sido posta em causa, pela Embargada, a tempestividade dos Embargos, cumprirá, em nossa opinião, ao Tribunal apreciar se aqueles têm a posse, em termos de propriedade, sobre a fração em questão.

    13. Ora, a posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real. Envolve, deste modo, um elemento empírico - exercício de poderes de facto - e um elemento psicológico-jurídico - em termos de um direito real. Ao primeiro chama-se corpus, ao segundo animus.

    14. Os Embargantes, na sua petição, invocam ambos os elementos. Com efeito, invocam que aquando do pagamento integral do bem, o mesmo foi-lhes entregue, passando a tratá-lo como um bem próprio, mormente tendo efctuado obras, habitando-o, pagando o condomínio (corpus), sempre na convicção de o fazer como coisa sua (animus).

    15. A questão que urge ser aprofundada é unicamente quanto ao animus, ou seja, saber-se qual a posse conferida pela tradição da coisa, na sequência de contrato promessa: se é uma posse em nome próprio ou se se trata de mera detenção.

    16. Ainda há quem sustente que a posse obtida por via do contrato promessa é mera posse precária e de mera tolerância.

    17. Outros consideram que a posse exercida em nome próprio pelo...

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