Acórdão nº 01858/11.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCeleste Oliveira
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO RMBC e mulher MCCP, melhor identificados nos autos, inconformados, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 23/02/2015, que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos contra a sociedade CSI, LDA. e FAZENDA PÚBLICA, na sequência da penhora de imóvel (apartamento para habitação inscrito sob o artigo 1326-E da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Chaves) efectuada no âmbito do processo executivo nº 1872200901075296 que corre termos no Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim.

Formularam nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: 1. Os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto:

  1. Ponto n.° 5 da matéria de facto provada, que deverá ser retificado nos termos infra expostos; b) Alíneas a), b) e c) da matéria de facto considerada na douta sentença como não provada e que, no entender dos Recorrentes, deve ser considerada como matéria provada.

    São as seguintes as provas que impõem decisão diversa da recorrida: 2. Considerou-se no ponto n.° 5 da matéria de facto provada que a penhora que os Embargantes pretendem levantar neste processo, registada em 22.12.2009, foi efetuada no âmbito do processo de execução 1872200200501033450, o que não é correto.

    1. Com efeito, resulta da certidão de registo predial junta aos autos que a penhora atacada neste processo respeita antes ao processo de execução fiscal n.° 1872200901045296.

    2. Na verdade, os aqui Embargantes também deduziram embargos de terceiro à penhora registada em 06.05.2009 no âmbito do processo de execução fiscal 1872200200501033450, embargos esses que deram origem a outro processo que não este, que ainda não está julgado e corre termos pelo Tribunal Administrativo do Porto sob o n.° 1857/11.5BEPRT - Unidade Orgânica 3.

    3. Por conseguinte, a sentença recorrida parte logo da “confusão” de que os presentes embargos respeitam a dois processos de execução fiscal distintos e a duas penhoras distintas quando, na realidade, estes embargos só dizem respeito a um processo (1872200901045296) e a uma única penhora (a de 22.12.2009).

    4. Seguidamente, não se conformam os Recorrentes que o Tribunal a quo tenha considerado que não se provou que estes realizaram obras de acabamento na fração — E, objeto dos autos.

    5. Também não se conformam os Recorrentes que o Tribunal a quo tenha considerado que não se provou que estes começaram a ocupar a fração na data referida no contrato promessa.

    6. Não vamos aqui fazer finca-pé na data concreta em que os Embargantes foram ocupar a dita fração, o que ficará reservado para o julgamento do proc. 1857/11.

    7. Aqui basta-nos que o Tribunal considere provado que os Embargantes foram ocupar a fração em data não concretamente apurada, mas anterior a 22.12.2009.

    8. Ora os Embargantes habitaram o apartamento em causa durante meses com luz e água de obras e garrafas de gás.

    9. Mas, já em novembro de 2009 existem consumos de eletricidade faturados pela EDP à Embargante relativos à fração objeto dos autos (ponto n.° 8 da matéria de facto provada)! 12. Já em novembro de 2009, a Embargante havia celebrado o contrato de fornecimento de gás respeitante à fração objeto dos autos! 13. Há condomínios de vários meses de 2009 pagos pelos Embargantes! 14. A prova documental constituída pelo contrato promessa junto aos autos refere que em 23.04.2009 os Embargantes foram autorizados a entrar na posse do imóvel, dando-lhe o destino que bem entendessem, sendo que já nesta altura os Embargantes lá residiam.

    10. Por fim, não considerou o Tribunal a quo que o preço a que alude o contrato promessa tenha sido pago.

    11. A fundamentação do Tribunal relativamente à decisão sobre este concreto ponto da matéria de facto é em si mesma contraditória.

    12. Com efeito, refere-se na página 6 da douta sentença que “não foi junto qualquer documento comprovativo da entrega em dinheiro, cheque, declaração...”.

    13. Ora, o próprio contrato promessa celebrado por promitentes vendedores e compradores constituí recibo dc quitação integral do preço convencionado.

    14. Com efeito, dele consta que o preço estipulado de € 75 000 já se encontra integralmente pago (cláusula 3).

    15. Exigir-se uma outra declaração, para além do próprio contrato promessa, em que o promitente vendedor volte a declarar que o preço já se acha pago não faz, no nosso modesto entendimento, qualquer sentido.

    16. As testemunhas inquiridas, todas elas, depuseram, de forma desinteressada, idónea e credível, no sentido alegado pelos Embargantes, conforme extratos dos registos áudio que se transcreveram e cujo conteúdo se dá aqui por integrado e reproduzido.

    17. Nenhuma testemunha depôs em sentido contrário nem há outras provas que infirmem o alegado pelos Embargantes.

    18. Acresce que a promitente vendedora CSI foi citada para os presentes autos de embargo e não contestou a matéria dc facto alegada na p.i» 24. Por conseguinte, entendem os Recorrentes que: a) O ponto 5° da matéria dc facto provada deverá passar a ter a seguinte redação: “ Em 22.12.2009, no âmbito do processo de execução 1872200901045296, único a que se reportam os presentes autos, foi penhorado o prédio referido em 04.” b) Deverão ser acrescentados os seguintes pontos à matéria de facto provada; — Os Embargantes realizaram obras de acabamento da fração; — Os Embargantes foram ocupar a fração em data não concretamente apurada, mas anterior a 22.12.2009, convencidos de lhes assistir o direito de propriedade quanto àquele imóvel; — O preço de € 75 000 a que alude o contrato promessa descrito em 2. Foi pago; Isto posto, 25. Não estando em causa a qualidade de terceiro dos Embargantes nem tendo sido posta em causa, pela Embargada, a tempestividade dos Embargos, cumprirá, em nossa opinião, ao Tribunal apreciar se aqueles têm a posse, em termos de propriedade, sobre a fração em questão.

    19. Ora, a posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real. Envolve, deste modo, um elemento empírico — exercício de poderes de facto — e um elemento psicológico-jurídico em termos de um direito real. Ao primeiro chama-se corpus, ao segundo animus.

    20. Os Embargantes, na sua petição, invocam ambos os elementos. Com efeito, invocam que aquando do pagamento integral do bem, o mesmo foi-lhes entregue, passando a tratá-lo como um bem próprio, mormente tendo efetuado obras, habitando-o, pagando o condomínio (corpus), sempre na convicção de o fazer como coisa sua (animus).

    21. A questão que urge ser aprofundada é unicamente quanto ao animus, ou seja, saber-se qual a posse conferida pela tradição da coisa, na sequência de contrato promessa: se é uma posse em nome próprio ou se se trata de mera detenção.

    22. Ainda há quem sustente que a posse obtida por via do contrato promessa é mera posse precária e de mera tolerância.

    23. Outros consideram que a posse exercida em nome próprio pelo promitente-comprador é uma posse condicional, visto depender da celebração do contrato prometido. Ou seja, uma “posse em nome próprio do direito obrigacional de uso fruição”.

    24. Por outro lado, a doutrina e jurisprudência maioritárias defendem uma conceção objetiva de posse, em que se outorga ao promitente comprador um estatuto de verdadeiro possuidor.

    25. Com efeito, a jurisprudência recente vai no sentido de que havendo tradição do bem e, entre outros elementos, pagamento da totalidade ou de parte substancial do preço, contratação de água e eletricidade pelos promitentes-compradores, deve ser tido como verificado o requisito do animus possidendi.

      Veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 18.01.2012, proferido no processo 00642/09.9BEBRG e ainda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.10.2010, proferido no processo 0453/10, onde situações em tudo semelhantes à sub judice mereceram a procedência dos embargos.

    26. A corroborar esta posição, Marco Filipe Carvalho Gonçalves, na sua tese de mestrado “Embargos de Terceiro da Acção Executiva”, Dezembro de 2008, a fis. 152 e 153, escreve: “Com efeito, o promitente-comprador pode deduzir embargos de terceiro quando o corpus da posse por si exercida seja acompanhado do respectivo animus possidendi, isto é, quando o promitente-comprador actua com um animus rem sibi habendi.

      Tal situação verifica-se quando o promitente-comprador se comporte como um possuidor em nome próprio, designadamente quando já tenha liquidado uma parte significativa do preço do imóvel, quando tenha sido requisitada em nome do promitente-comprador a ligação da água, energia elétrica, telefone ou televisão por cabo, quando tenha procedido à realização dc obras de remodelação ou de acabamento do imóvel objecto do contrato-promessa ou à instalação de mobiliário, quando participe na administração do condomínio ou quando o promitente comprador, não obstante se encontrar na posse da coisa, não tenha ainda celebrado o contrato definitivo de compra e venda, nomeadamente porque pretende evitar o pagamento do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”.

    27. Dúvidas não há de que os Embargantes além do corpus têm também o animus, dando-se por preenchidos os pressupostos de que depende a posse. Tendo-se esta por provada, verifica-se que a penhora afecta a mesma, não podendo manter-se no ordenamento jurídico.

    28. Por fim, ficámos com a convicção de que o Tribunal a quo não entendeu bem o porquê de, entretanto, posteriormente ao conhecimento da penhora, não ter sido feita a escritura pública que formalizasse o contrato prometido.

    29. Ora, tal escritura, não pode ser feita por a promitente vendedora ter dívidas fiscais que oneram através de penhoras o próprio bem a transmitir, o que ressalta dos presentes autos.

    30. Com efeito, não é possível efetuar a necessária e prévia liquidação dos impostos (IMT e IS) respeitantes à venda nos casos em que a promitente vendedora tem...

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