Acórdão nº 02824/18.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelIsabel Costa
Data da Resolução20 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório H., LDA vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Braga que julgou procedente a ação que a A., LDA.

intentou, contra si e contra o Município de (...), na qual, ao abrigo do artigo 85º do RJUE, pedia que fosse autorizada a realizar as obras de urbanização omitidas por parte do promotor da operação urbanística e que fosse judicialmente ordenado que a caução prestada ficasse à ordem do Tribunal, a fim de responder pelas despesas com as obras até ao limite do orçamento que junta, devendo o Novo Banco SA ser notificado para o efeito e mais judicialmente ordenado que, em caso de insuficiência da caução, os custos das obras fossem suportados pelo Município.

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis: 1. Vem o presente recurso interposto (i) do despacho saneador que decidiu julgar improcedente a exceção peremptória de abuso de direito, (ii) do despacho que decidiu dispensar a fase de instrução e indeferir os meios de prova indicados pela Ré e (iii) da sentença final.

  1. A Meritíssima Juiz "a quo" ao decidir como decidiu não fez correta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito, pelo que, reapreciando V. Excelências a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar as referidas decisões proferidas pelo Tribunal de Primeira Instância.

  2. Na sentença recorrida, o Tribunal “a quo” decidiu julgar improcedente a exceção de abuso de direito invocada pela Recorrente com a seguinte ordem de fundamentação (i) ausência nos autos de factos suscetíveis de configurar uma situação de abuso de direito e (ii) falta de preenchimento dos requisitos para se verificar qualquer uma das três modalidades do instituto (suppressio venire contra factum proprium e desequilíbrio das posições jurídicas).

  3. A Recorrente não concorda com esta decisão pois entende que se mostram preenchidos os requisitos legais para se considerar verificada qualquer uma das aludidas modalidades de abuso de direito.

  4. A Requerente A., Lda. adquiriu ao Novo Banco, S.A vinte e seis (26) dos trinta (30) lotes que compõem o loteamento “Quinta de (...)”, sito em (...), (...).

  5. Esta aquisição ocorreu quatro anos após a declaração de insolvência da sociedade H. - titular do alvará e aqui Recorrente - que ocorreu a 07 de Janeiro de 2014 com trânsito em julgado em 04 de Fevereiro de 2014.

  6. A Requerente adquiriu os referidos lotes por Eur.195.000,00 (cento e noventa e cinco mil euros), cerca de Eur.500.000,00 (quinhentos mil euros) abaixo do valor de mercado dos bens, tendo sido determinante para a fixação do preço a ausência de conclusão da totalidade das obras de urbanização.

  7. A Requerente teve prévio conhecimento do estado do loteamento, da ausência de conclusão das obras de urbanização e aceitou comprar os lotes no estado físico e registral em que os mesmos se encontravam, ou seja, desprovidos da totalidade das obras de urbanização.

  8. Ao fazer constar da escritura de compra e venda – documento autêntico que faz fé pública do teor, sentido e alcance deste acto solene – a declaração de que a Requerente visitou os lotes, aceitou a sua situação física e jurídica e conformou-se com a realidade destes, assumiu uma posição, um comportamento, aos olhos de terceiros, que não encontra coincidência ou acolhimento na posição que manifesta, agora, na presente lide.

  9. Ao pretender, agora, autorização judicial para executar, por si, as obras de urbanização – cuja omissão conheceu, percebeu, aceitou e se conformou quando decidiu adquirir os lotes – com recurso a capitais de terceiros, a Requerente manifesta, na nossa opinião, um comportamento claramente repreensível, enquadrável na figura do abuso de direito de venire contra factum próprio.

  10. De igual modo, possibilitar-se à Requerente executar as obras de urbanização a expensas da H. - o que se admite apenas por hipótese de raciocínio - o Tribunal está a permitir que a A., Lda. retire, em dois momentos distintos, benefícios patrimoniais avultados com recurso a um dano considerável no património do titular da licença: num primeiro momento quando consegue adquirir os lotes por um valor manifestamente inferior ao valor de mercado (que só foi possível em virtude da ausência de conclusão das obras de urbanização) e num momento seguinte com a execução, por si, das obras de urbanização mas custeadas por terceiros - a aqui Recorrente e, até mesmo, pelo próprio Município, o que é conducente a uma situação de abuso de direito, na modalidade de clara desproporção nas posições jurídicas assumidas pelas partes.

  11. Em 05 de Fevereiro de 2003, a Recorrente H. prestou a favor da Câmara Municipal de (...), como condição prévia à concessão da licença de loteamento e obras de urbanização, uma caução sob a forma de garantia bancária no valor de Eur.251.098,09 (duzentos e cinquenta e um mil, noventa e oito euros e nove cêntimos) destinada a “caucionar as obras de urbanização referentes ao loteamento Quinta das (...) – 2.º fase”.

  12. Desde a prestação da caução ou garantia bancária, passaram-se cerca de vinte (20) anos, sem que, neste interregno de tempo em que os lotes foram transacionados e a H. foi declarada insolvente, tivesse sito acionada a caução ou tivesse sido manifestada uma qualquer intenção neste sentido.

  13. Ora, uma caução que durante quase vinte (20) anos não é executada, conduz a prestadora da garantia, a aqui Recorrente H., à convicção justificada e fundada de que jamais irá ser, o que impede, agora, a reivindicação dos seus efeitos em claro abuso de direito, desta feita na sua forma de “supressio”.

  14. Ao julgar improcedente a invocada excepção de abuso de direito, o Tribunal recorrido não fez uma correta interpretação dos factos e do direito, designadamente do disposto no artigo 334.º do Código Civil, pelo que deverão V. Excelências revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que concerne a esta matéria, substituindo-a por outra que decida pela verificação da invocada exceção peremptória de abuso de direito e, consequentemente, pela absolvição da Recorrente H., Lda. quanto aos pedidos formulados pela Requerente.

  15. O Tribunal a quo, por despacho autónomo prévio à prolação de sentença final, entendeu dispensar a fase de instrução e, consequentemente, indeferiu todos os meios de prova indicados pela Recorrente.

  16. Nos autos, quer a Recorrente quer o Município questionaram a legitimidade do terceiro em lançar mão do mecanismo processual de execução de obras por si, bem como impugnaram e colocaram em causa quer a extensão quer os custos das obras.

  17. Do processo administrativo e dos documentos juntos ao processo resulta prova suficiente e bastante que comprova que no loteamento em questão já foram realizadas algumas obras de urbanização, designadamente para servir os lotes edificados.

  18. Assim, na medida em que resulta da posição das partes divergência processual relativamente a estas matérias, está vedada ao Tribunal a quo, sem mais, a possibilidade de dispensar a fase de instrução, avançando para a decisão final nos termos em que o fez.

  19. O Tribunal recorrido não fez uma correta análise dos fatos e adequada aplicação do direito, pelo que deverão V. Excelências decidir pela revogação do despacho que decide dispensar a instrução e indeferir os requerimentos de prova indicados pelas partes, substituindo-o por outro que ordene o prosseguimento dos autos para a fase de instrução, dando-se sem efeito a sentença final.

  20. Caso assim não proceda, a Recorrente não concorda com o teor e sentido da sentença final – pela qual o Tribunal a quo julgou totalmente procedentes os pedidos da Requerente - pelo que pretende, por via do presente recurso, a sua reapreciação quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito.

  21. Desde logo, o Recorrente pretende a reapreciação do julgamento da matéria de facto pois considera que o Tribunal julgou incorretamente os factos 25) e 28) da matéria assente.

  22. Não há acordo das partes quanto a esta matéria, pois a Recorrente H. tomou uma posição direta e definida no sentido da impugnação dos factos alegados no que concerne à extensão e ao custo das obras de urbanização a realizar no loteamento, bem como dos documentos designadamente os orçamentos apresentados referentes aos custos estimados para as infraestruturas.

  23. A Recorrente requereu que o Tribunal promovesse as diligências necessárias com vista ao apuramento de todos os factos, mormente da extensão e custo das obras de urbanização.

  24. Da prova documental junta aos autos (processo administrativo) resulta que já há algumas obras executadas no loteamento.

  25. O Tribunal decidiu de forma incongruente a matéria de facto - pontos 8), 20), 25) e 28) – quando por um lado, julga provado que o loteamento já se encontrava servido de algumas obras de urbanização (pontos 8) e 20) e, por outro, que estão em falta a totalidade das obras licenciadas e aprovadas pelo alvará (pontos 25) e 28).

  26. Não poderia o Tribunal a quo dar como provada, nos termos em que o fez, a factualidade referente quer à extensão quer ao custo das obras de urbanização, ou, pelo menos, dar como provado que as obras em falta corresponde à totalidade das obras aprovadas por alvará e que o custo das mesmas ascende ao valor orçamentado pela Requerente A., Lda..

  27. Deverão ser eliminados da factualidade assente os pontos 25) e 28), devendo esta matéria ser julgada como não provada.

  28. Por constituírem factos relevantes para a decisão da causa atentas as várias soluções plausíveis de direito, deverá aditar-se à matéria de facto assente seguintes pontos: O pedido de licenciamento para o loteamento deu entrada na Câmara Municipal de (...) em 13/11/1996 e o pedido de licenciamento para as obras de urbanização deu entrada na Câmara Municipal de (...) em 11/12/2000; 30. Atendendo a que se reputa como indispensável...

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