Acórdão nº 00668/19.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município de Vila Nova de Gaia, tendo apresentado contra o Ministério da Cultura, o presente Processo Cautelar, no qual requereu a suspensão de eficácia “(...) do ato consubstanciado no Aviso n.º 19137/2018, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 245, de 20 de Dezembro, da Secretaria de Estado da Cultura”, o qual “Torna público que o Centro Histórico do Porto, inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO, teve a sua designação alterada para Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do Pilar, mantendo-se a área do bem inscrito e a da sua zona tampão”, inconformado com a Sentença proferida no TAF do Porto, em 8 de julho de 2019, que julgou “improcedente a presente ação cautelar e, em consequência”, recusou “a concessão da providência conservatória requerida”, veio em 26 de julho de 2019, apresentar Recurso para esta instância, no qual concluiu: “A - A providência requerida não foi concedida por o Tribunal a quo ter entendido que seria improvável que a pretensão anulatória deduzida no processo principal fosse procedente; B - A decisão proferida no Proc. nº 3.133/10 anulou o Aviso então publicado por diversos motivos, designadamente por não ter havido publicação prévia de Portaria, por não haver decisão final no procedimento então iniciado e por não ter havido articulação com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia na criação da ZEP; C - O Aviso agora impugnado mantém integralmente os mesmos vícios; D - O recorrido está obrigado a respeitar a decisão judicial transitada em julgado ainda que entenda que a decisão não é correta; E- Para cumprir aquela decisão o recorrido estava obrigado a eliminar integralmente os vícios que determinaram a anulação do Aviso, designadamente a existência de um procedimento e a articulação com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia; F - Salvo o devido respeito, o fundamento da sentença sob recurso de que os pressupostos são diferentes porque havia um lapso no aviso anterior, não tem relevância para afastar o vício invocado, uma vez que não podemos ignorar que sempre estamos perante uma execução de sentença e, no processo judicial, nunca foi aflorada a questão da existência do lapso, esta é uma questão/argumento nova, com a qual a recorrente é surpreendida no Aviso impugnado.
G - Ora, os fundamentos que sustentam o ato têm de ser anteriores ao mesmo e não posteriores e muito menos na defesa a apresentar em juízo, pelo que não podem servir de suporte ao decidido pela douta sentença, H - Acresce que a entidade requerida iniciou devidamente a execução da referida sentença, como resulta do ofício de 29/06/2017, constante do ponto 10 da matéria de facto assente, cujo assunto é "Fixação da Zona Especial de Proteção (ZEP) do Centro Histórico do Porto (...)" e onde nada se diz relativamente a qualquer lapso.
I - Assim, na apreciação desta questão os factos assentes permitem concluir pela possibilidade clara de existir uma invalidade que determine a procedência da ação principal, verificando-se ainda violação do artigo 173º do CPA, uma vez que a entidade recorrida não cumpriu o dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
J - Está assente que o recorrido iniciou um procedimento com vista à fixação da ZEP, procedimento esse que não foi concluído; K - Iniciado o procedimento o recorrido estava legalmente obrigado a decidi-lo, sob pena de violação do princípio da decisão, obrigação que existe ainda que, posteriormente, o recorrido viesse a entender que o procedimento seria desnecessário; L - Foi o próprio recorrido a reconhecer, ao (re)abrir o procedimento, que deveria assegurar a participação dos interessados na definição das características, restrições e extensão da ZEP; M - Na verdade, se a entidade requerida optou por abrir um procedimento para a fixação da ZEP, (mesmo que a isso não estivesse obrigada) tem a obrigação de o terminar, assim impõe os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da justiça e da razoabilidade, da boa-fé, da participação e da decisão, aos quais a entidade requerida deve obediência.
N - A falta de decisão é uma invalidade óbvia, que pode levar à anulação do ato impugnado; O - Esta evidente ilegalidade, que o recorrente continua a sustentar, deveria ter levado o Tribunal a quo a considerar que havia uma séria possibilidade de a ação principal obter vencimento, concedendo assim a providência requerida, todavia, sobre a mesma o Tribunal nem sequer se pronunciou, muito embora a tenha enunciado.
P - O procedimento de criação da ZEP legalmente previsto decorre do imperativo constitucional de intervenção das Autarquias nas decisões que digam respeito ao território por si administrado; Q - Por assim ser, a interpretação do art. 72º, nº 2, deve ser conforme aos normativos legais e constitucionais; R - Para permitir esta concordância, o art. 72°, nº 2, deve ser lido apenas como uma dispensa de fixar a área a abranger pela ZEP, não como dispensa de adotar o procedimento legal dos arts. 36° e ss., sob pena de se encontrar uma forma de criar ZEP's em desrespeito pelas normas legais e inconstitucionais que enformam o procedimento; S - Assim se entendeu no Proc. 3133/10, entendimento que o recorrido estava obrigado a seguir ainda que com ele não concordasse pelo que também este vício poderá levar à procedência da ação principal; T - Na verdade, o procedimento de definição da ZEP implica a audição dos interessados, decorrente até do imperativo constitucional de participação das Autarquias nas decisões que digam respeito ao território por si administrado, audiência esta, como refere o artigo 45º do citado diploma, que tem como objeto a pronúncia não só sobre a ilegalidade, inutilidade, excessiva amplitude ou onerosidade mas também excessiva onerosidade das restrições impostas pelos zonamentos e demais especificações, especificações estas e restrições que a recorrente e os particulares abrangidos desconhecem de todo e desconhecem porque inexistem, porque a determinação da ZEP deste modo não cumpre os requisitos previstos no artigo 43º.
U - Acresce que, de acordo com as Orientações Técnicas para a Aplicação da Convenção do Património Mundial (ponto 104) não só a zona tampão se destina apenas a proteger o bem inscrito na Lista e proposto e não o bem classificado, como e principalmente tem de nela constar os pormenores relativos à extensão, as características e usos autorizados e as delimitações exatas.
V- ln casu, nada disso acontece, uma vez que a entidade requerida quando propôs a inscrição do bem não indicou nem submeteu tais requisitos, como deveria.
X - Se não o fez quando deveria, pelo menos tem de fazer agora quando pretende que a classificação tenha eficácia internamente, com a sua publicação, sob pena de o recorrente e todos os proprietários de bens incluídos ficarem sujeitos à arbitrariedade da Entidade Requerida, situação que é muito verosímil, como se descortina do comportamento pelo qual a entidade requerida se tem pautado no procedimento em causa.
V - Os princípios constitucionais da legalidade democrática, da universalidade, igualdade, justiça, boa fé, proporcionalidade e imparcialidade, pilares de um Estado de Direito e os princípios gerais da atividade administrativa, mormente o da legalidade, da boa administração e da proteção de direitos de terceiros, impõem que antes da publicitação da ZEP sejam definidas as restrições e/ou ónus a que os bens nela inseridos vão estar submetidos.
Z - Seguindo-se a tese do recorrido - e da douta decisão em crise - estaria encontrado o meio simples de criar uma ZEP, que constitui uma servidão administrativa, fazendo tábua rasa destas normas e destes princípios constitucionais, violando-os e, por isso, verificando-se não só a ilegalidade como a inconstitucionalidade do ato sob recurso.
AA - O recorrente não pode ser penalizado nem tem responsabilidade pelo facto da entidade requerida, quando inscreveu o bem na Lista de Património Mundial, não ter definido essas restrições, pelo que este vício invocado não é manifestamente improcedente, ao contrário do que decide a douta sentença recorrida, merecendo ponderação mais profunda.
AB - O comportamento da entidade requerida, manifestado na publicitação do Aviso impugnado sem mais, abandonando o procedimento (re)iniciado afeta substancialmente a autonomia do recorrido na defesa do interesse público na proteção do seu Centro Histórico e da definição das regras de organização e planeamento desse território, pelo que se impõe a sua participação ativa na decisão, sob pena de inconstitucionalidade.
AC - O deferimento da providência não acarreta lesão para o interesse público, sendo que a produção de efeitos do ato acarreta graves prejuízos para o recorrente; AD - O recorrente fica sujeito a uma servidão administrativa cujos contornos desconhece, ou seja, fica com encargos em toda uma zona do seu território, que, por acaso é só o seu Centro Histórico, sem saber que encargos ou restrições são esses e, em consequência submetido à arbitrariedade da entidade requerida, pondo em causa a sua autonomia.
AE - O interesse público, subjacente ao ordenamento e gestão do território municipal nos termos definidos no PDM que mereceu a concordância do próprio Ministério da Cultura naquela Comissão de Acompanhamento, deve prevalecer, pois o PDM, tal qual aprovado e publicado não lesa os interesses protegidos do Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do Pilar, qua tale, e necessariamente, independentemente da publicitada "servidão", pretendida ao arrepio do Município e dos munícipes, em violação da autonomia...
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