Acórdão nº 01126/19.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelIsabel Costa
Data da Resolução13 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório H., melhor identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, ação contra o Ministério da Administração Interna pedindo a condenação deste a conceder-lhe proteção internacional.

Por sentença, datada de 07.07.2019, o referido tribunal julgou a ação improcedente e absolveu o Réu do pedido Inconformada, H. interpôs recurso jurisdicional dessa sentença para este TCA Norte tendo, na alegação apresentada, formulado as seguintes conclusões:

  1. A Recorrente é uma cidadã indocumentada oriunda da República Democrática do Congo, que necessita de proteção internacional devido à perseguição de que é alvo no seu país de origem.

  2. O Digno Tribunal a quo não ordenou quaisquer diligências de prova que pudessem confirmar ou sustentar a veracidade do relatado pela Recorrente.

  3. Muito pelo contrário, o Digno Tribunal a quo limitou-se a levar em linha de consideração única e exclusivamente o teor das Declarações da Recorrente perante a Recorrida e, bem assim, o conteúdo da Decisão da Recorrida, alvo de impugnação judicial nos presentes Autos.

  4. Aliás, neste sentido, veja-se o Acórdão do TCAS, de 21.02.2013, P. n.º 09498/12, onde se consignou que: “constitui princípio geral de direito que o ónus da prova compete à pessoa que submete um pedido (art. 342º CC). Contudo, frequentemente acontecerá o requerente de asilo não ser justificadamente capaz de apoiar as suas declarações mediante provas documentais ou outras. Na verdade, os casos em que o requerente pode fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a excepção do que a regra, sendo claro que as possíveis repercussões de uma decisão errónea são muito negativas. Na maioria dos casos, o requerente chegará sem documentos pessoais. (…) Por isso, considera-se que o ónus de prova tem de ser repartido entre o requerente e o examinador, incumbindo a este o dever de certificar e avaliar todos os factos relevantes invocados para suporte do pedido (cf. arts. 15º, 18º e 28º-1 da Lei 27/2008»”. (negrito nosso).

  5. Em consequência, e face à ausência de elementos passíveis de comprovarem a versão dos factos apresentada pela Recorrente, outra alternativa não restaria ao Tribunal a quo que não fosse ordenar as necessárias diligências de prova, entre as quais se contavam as Declarações de Parte da Recorrente e a prova testemunhal, expressamente requeridas pela Recorrente em sede de Impugnação Judicial.

  6. Em caso de dúvida relativamente ao relatado pela Recorrente, e salvo o devido respeito, nunca poderia o Tribunal a quo considerar a Impugnação Judicial como improcedente, em consonância com o princípio de “nonrefoulement” consagrado no art.º 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  7. Pelo que se encontra erroneamente fundamentada a decisão ora em crise, devendo ser substituída por uma outra que respeite os aludidos princípios fundamentais e conceda Proteção Internacional à Recorrente.

  8. Em caso algum se poderá afirmar que a Recorrente não foi vítima de perseguição no seu país de origem.

  9. Tendo essa mesma perseguição e violência sido perpetradas por um General das Forças Armadas, ergo agente do Estado.

  10. Os factos relatados pela Recorrente enquadram-se numa das situações contempladas no art.º 7.º da referida Lei do Asilo -sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou risco do requerente sofrer ofensa grave o que permite à Recorrente obter uma autorização de residência por proteção subsidiária para si, pelo facto de se sentir impossibilitada de regressar ao seu país de origem por se encontrar em risco de sofrer ofensa grave.

  11. Caso a Recorrente regresse a território do seu país de origem, outro destino não será de esperar que não a morte ou ofensa grave da integridade física e moral da Recorrente.

  12. Facto confirmado pelas próprias Declarações da Recorrente, aquando da sua inquirição pela Recorrida.

  13. O n.º 1 do art.º 7.° da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, estabelece que: "É concedida autorização de residência aos estrangeiros (...) se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrerem ofensa grave.".

  14. Mais uma vez se reafirma a total desadequação da Sentença ora em crise, a qual deveria, do mesmo modo, ter atribuído Proteção Internacional à Recorrente, dados os fundados receios de perda de vida ou ofensa grave que a Recorrente demonstra e alega relativamente ao seu regresso ao país de origem.

    Termos em que deverá o presente recurso proceder e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, anulando-se o ato administrativo impugnado, ordenando-se o deferimento do pedido de asilo requerido pela Recorrente ou, subsidiariamente, a Autorização de Residência por Proteção Subsidiária termos da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, com o que se fará inteira JUSTIÇA! O Recorrido contra-alegou no sentido de o recurso não obter provimento.

    O Ministério Público junto deste TCA foi notificado para se pronunciar, não tendo emitido pronúncia.

    Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

    II – Objeto do recurso As questões suscitadas, nos limites das conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente a partir da respectiva motivação (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consistem em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao dispensar a prova requerida pela Autora e ao entender que esta não reúne os pressupostos para que lhe seja concedida a proteção internacional subsidiária prevista no artigo 7º da Lei nº 27/2008.

    III – Fundamentação de Facto Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos: 1) A Autora nasceu em XX/XX/1991, em K., na República Democrática do Congo - cf. fls. 1, 12 e 82 do processo administrativo (PA); 2) A Autora chegou ao Aeroporto do Porto no dia 06/04/2019, proveniente de Luanda, no voo DT654– cf. fls. 8, 9, 12 e 32 do PA; 3) No momento da sua intercepção no Aeroporto do Porto, constatou-se que a Autora se encontrava indocumentada – cf. fls. 9, 11, 12 a 13, 17, 19 a 22 do PA; 4) Por não ter título de viagem válido, a Autora viu recusada a sua entrada em Território Nacional – cf. fls. 9, 11, 12 a 13, 17, 19 a 22 do PA; 5) No mesmo dia 06/04/2019, a Autora apresentou, no posto de fronteira do PF003-Porto, pedido de protecção internacional – cf. fls. 3 e 23 do PA; 6) A Autora foi ouvida quanto aos fundamentos do seu pedido de protecção internacional, tendo prestado as seguintes declarações: “(…).

    1. Apresentação e objectivos O entrevistador apresentou-se a si e ao intérprete.

    Confirmou-se que o requerente e o intérprete se compreendem e a entrevista foi feita na língua francesa, escolhida pelo requerente e através da qual comunica claramente. Foi igualmente explicado que o intérprete não tem influência sobre a decisão do caso do requerente.

    Foi explicado ao requerente o enquadramento e o objectivo da presente entrevista.

    O requerente foi informado: - Sobre os seus direitos e deveres, - Sobre o papel de cada um dos intervenientes, - Os intervenientes na presente entrevista estão vinculados ao dever de sigilo e confidencialidade, - As informações que indicar não serão comunicadas às autoridades do país de origem ou da nacionalidade, - Deve apresentar todos os elementos de prova disponíveis, - Caso não entenda alguma das perguntas formuladas pelo entrevistador poderá solicitar a clarificação das mesmas, - Caso não saiba a resposta para alguma das perguntar deverá comunicar este facto, -Caso se sinta indisposto ou cansado poderá pedir para interromper a entrevista.

    O requerente também foi informado de que uma transcrição do que é dito durante a entrevista será mantida com o arquivo físico e electrónico do candidato.

    (…).

    Pergunta (P): Relativamente à informação prestada compreendeu tudo? Resposta (R): Sim.

    P:Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento? R: Não P: Que língua(s) fala? R: Língua francesa, um pouco da língua inglesa. Também fala e compreende lingala e suaíli.

    P: Em que língua pretende efectuar esta entrevista? R: Na língua francesa.

    P: Tem advogado? R: Não.

    P: Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de protecção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n.º 5, do artigo 24.º, da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05.05, a decisão que vier a ser proferida no seu processo? R: Sim.

    P: Tem algum problema de saúde? R: Não. Apenas algum mau estar e enjoos relacionados com o seu estado de gravidez de 15 semanas.

    P: Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar a entrevista? R: Sim.

    P: Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar da sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

    R: Nasceu no Congo, é solteira, tem uma filha de dois anos de idade, estudou gestão informática, e trabalhava como empregada de caixa num restaurante “Bingo Royale” que já fechou. Morava em Mangobo, Av. Mambiza, n.º 234, K., com o pai e com a irmã (N.) que visitava a casa durante as férias. A mãe já faleceu. Tem religião cristã.

    P: Tem algum documento que prove a sua nacionalidade e identidade R: Não tem nenhum documento que prove a sua identidade. Acrescenta que não tem ninguém no seu país de origem que possa enviar qualquer documento. Viajou com um passaporte de outra pessoa, e não pagou qualquer valor por esse documento. Foi fornecido pela esposa (M...

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