Acórdão nº 01169/19.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | Isabel Costa |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório I., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou extinto o processo cautelar tendente à suspensão da eficácia do ato administrativo proferido pelo Director Nacional Adjunto do SEF, em 16/03/2017, que determinou o seu afastamento coercivo do território nacional, por se encontrar em situação irregular.
Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis: 1. O Tribunal a quo não entendeu o que verdadeiramente está em causa nos presentes autos de providência cautelar.
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Nem de perto, nem de longe, está em causa a anulabilidade do despacho do SEF em crise nestes autos.
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Está, isso sim, em causa, a sua nulidade e periculum in mora decorrente da não suspensão da eficácia do ato administrativo em causa, sendo que a afetação da dignidade da pessoa do recorrente e os danos, objetivamente arrasadores que do seu afastamento coercivo imediato poderiam resultar são bem superiores à afetação do interesse público que daí pudesse decorrer.
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O processo cautelar não é extemporâneo.
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O ato administrativo padece de vícios que configuram a sua nulidade e não a sua mera anulabilidade.
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Está em curso ação administrativa de impugnação – por vício de nulidade do ato administrativo aqui em causa.
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Está também a correr no SEF procedimento visando a renovação do título de residência do recorrente.
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A interpretação que decorra das normas do art. 134º, nº 1 al. a) da Lei 23/2007, bem como do art. 135º, nº 1, als. b), c) e d) da mesma lei que permita em situações abstratas semelhantes, em termos factuais ou em termos axiológicos, com a situação dos presentes autos é inconstitucional.
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Como tal, o ato administrativo, implicando a prática de atos ao abrigo de normas ordinárias, no âmbito de uma sua interpretação inconstitucional, implica a nulidade do ato.
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O recorrente chegou a Portugal com 10 anos e não com 11, como o SEF quer fazer crer.
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E apesar de ter mais de 09 anos (o que impediria a priori o seu afastamento compulsivo) vive em Portugal há já 23 anos, aqui tem o seu emprego, aqui tem toda a sua família, nunca saiu do país (de Portugal), aqui fez toda a sua escolaridade (desde a 3ª classe da primária até ao 12º ano) e não tem nem bens, nem família, nem amigos, nem habitação no Brasil.
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Uma interpretação das normas do art. 134º e 135º que, em situações como a do recorrente, obrigassem ao seu afastamento compulsivo apenas porque deixou caducar o seu título de residência (com a consequente inevitável desgraça pessoal e financeira, mas sobretudo pessoal do recorrente caso seja afastado de Portugal com destino ao Brasil) repugnam à consciência jurídica num Estado de Direito.
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Até porque o recorrente está já a proceder aos trâmites para renovar a sua autorização de residência.
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Uma interpretação das normas dos arts 134º, nº 1 al. a) e 135º, nº 1 als. b), c) e d) da Lei 23/2007 que implicasse ou obrigassem inelutavelmente ao afastamento compulsivo de qualquer pessoa em situações como a do recorrente violam, até atingirem o seu conteúdo essencial, as normas do art. 26º, nº 1, 36, nºs 1, 5 e 6, 13º, 18º, 1º e 2º da CRP.
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Sobretudo trata-se de opor o mero interesse do Estado (os interesses do Estado não são todos da mesma importância) na disciplina do fenómeno migratório à essência da dignidade da pessoa humana.
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Situações como a presente são de uma gravidade absoluta. Está em causa o direito à vida, à integridade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, a constituir família, a educar os filhos e a não ser separado deles.
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Chegar a Portugal com 10 anos e 4 meses, tendo vivido cá 23 anos, tendo em Portugal toda a família, tendo feito em Portugal praticamente todo o percurso escolar, tendo em Portugal emprego e não tendo qualquer ligação ao país de origem, já que dele foi resgatado precisamente por ter sido abandonado e nele não ter qualquer família é AXIOLOGICAMENTE ANÁLOGO a ter chegado a Portugal com 9 anos e 364 dias, tendo atualmente 19 anos e tendo família no Brasil, casa, rendimentos, tendo ido de férias a esse país todos os anos? 18. Não. Para dizer a verdade a CRP protege mais a posição do aqui recorrente do que a do caso hipotético que acabamos de apresentar.
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A consciência jurídica e a análise normativa da CRP implicam que se considere abusiva a ordem de afastamento compulsivo em situações como a do aqui recorrente desde logo por desproporcional afetação do princípio da dignidade da pessoa humana.
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Como é evidente as exigências e o conteúdo normativo do princípio da dignidade humana inscrito no art. 1º da CRP e não se restringem à mera proibição da tortura ou a outras situações que se inscrevem no cartulário programático dos regimes liberais do sec. XIX.
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O conteúdo normativo é hoje mais denso, mais exigente e constitui-se como padrão constante da atuação do Estado: a dignidade da pessoa humana é inviolável.
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Quando a perceção jurídico-normativo-constitucional leva, em termos objetivos, à consideração de que a lei impõe ao cidadão colocá-lo numa situação desumana (ou seja, perante uma desumanidade) situação essa que, à luz de um critério objetivo (que tem como parâmetro referencial a ponderação que é feita pelo próprio legislador constitucional no art. 18º da CRP) impõe ao cidadão de forma desproporcionada uma situação profundamente gravosa para a sua situação jurídica, com sacrifícios enormíssimos, desmesurados face à situação fática que é fundamento do sacrifício que o Estado lhe inflige, estamos perante uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana.
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Como é evidente esta autêntica desumanidade que o Estado pretende infligir a este cidadão causa danos gravíssimos e irreparáveis se não for suspensa a eficácia do ato administrativo em si mesmo.
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Contrariamente ao que diz a decisão recorrida não se invocaram direitos constitucionais que se configurem como meros direitos económicos ou sociais de mero contudo programático.
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O que se invocou e está em causa no presente caso são direitos liberdades e garantias.
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A inconstitucionalidade resulta da violação de um conjunto de direitos constitucionais que são verdadeiros Direitos, Liberdades e Garantias.
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E resulta...
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