Acórdão nº 00279/19.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Abril de 2021

Data15 Abril 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: * 1.

RELATÓRIO A., Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 30-10-2019, que rejeitou liminarmente o presente Recurso de Contra-ordenação deduzido pela arguida, com fundamento na sua intempestividade.

Para o efeito formulou as respectivas alegações nas quais enuncia as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: 1.

O despacho recorrido teve por base o indeferimento liminar do recurso contraordenacional por extemporaneidade da interposição do mesmo, por entender que, grosso modo, (1) a decisão não tinha de ser notificada por carta registada com aviso de receção, podendo ser notificada por registo simples e por (2) ainda que quem recebeu a notificação não seja uma trabalhadora da arguida, «não é de aceitar que um estranho permanecesse nas suas instalações e se “entretesse” a recepcionar cartas, apropriando-se das mesmas, (para que fim....?) tanto mais que a Recorrente não alegou nem demonstrou ter participado criminalmente contra “incertos” por apropriação indevida de bens que lhe pertencem».

  1. Salvo o devido respeito, a ora recorrente discorda de tal decisão, uma vez que entende que existindo prova nos autos que quem recebeu a notificação não foi a arguida, o seu representante legal ou um trabalhador da mesma, a presunção de notificação não pode operar, sob pena de violação do princípio da proibição da indefesa do princípio da publicidade.

  2. O princípio da publicidade implica que qualquer ato derivado dos poderes públicos não produza efeitos enquanto o respetivo destinatário não o conhece ou não tem a possibilidade de o conhecer.

  3. Além da notificação ter finalidades informativas, não se deve esquecer que o mesmo ato tem finalidades adjetivas ou processuais.

  4. Neste sentido, (1) o prazo de impugnação (administrativa ou judicial) do ato comunicado só tem o seu início quando o ato é devidamente notificado, sob pena de haver uma violação da Constituição, em especial, do princípio do acesso ao Direito e o do princípio da proibição da indefesa.

  5. Aquele advérbio de modo implica que a notificação deve permitir uma reação consciente do destinatário do ato. Dito de outro modo, a notificação tem de garantir o efetivo conhecimento do ato por parte do destinatário do mesmo, em condições (i) seguras e (ii) idóneas, de forma a que o mesmo possa, querendo, exercer os meios de reação legalmente previstos.

  6. O preenchimento daqueles dois requisitos leva a que a forma da notificação do ato seja a adequada, sendo respeitado o princípio da proibição da indefesa constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, número 1 da Constituição, no âmbito do acesso ao Direito e aos tribunais.

  7. Por outro lado, (2) os atos de notificação podem ter efeitos procedimentais constitutivos dos efeitos do ato do poder público. Assim, um ato que crie uma ordem ou sujeição do destinatário, como um ato de aplicação de sanção, só é obrigatório se o destinatário for notificado – só nessa altura o destinatário tem um dever.

  8. A notificação de atos dos poderes públicos cujos destinatários são individualizáveis, em especial dos atos sancionatórios e para-sancionatórios, está imposta na Constituição, por força do artigo 268.º, número 3.

  9. Por outro lado, entende-se que aquele direito subjetivo implica que o risco de não se ser notificado nos atos imperativos, prima facie, corra por conta da entidade que tem aquele dever.

  10. O destinatário tem um direito a que o ato lhe seja transmitido em condições de ser efetivamente conhecido por ele.

  11. É o ente público que tem de garantir que a forma de notificação utilizada garante que o ato entrou na esfera média de cognoscibilidade do destinatário.

  12. Havendo o risco de que o ato não chegou a entrar na referida esfera, o risco há-de correr por conta da entidade pública, que deve provar que a notificação ocorreu perante aquela garantia de cognoscibilidade.

  13. Dito de outra forma, não é adequado impor-se ao destinatário a prova de um facto negativo no domínio de um direito subjetivo que é seu.

  14. Em suma, a forma da notificação deve assegurar que o ato deve chegar à esfera média de cognoscibilidade do destinatário uma vez que, de outra forma, se entende que a notificação ou falta dela torna excessivamente oneroso o acesso ao direito e à justiça.

  15. Como foi dito junto do Tribunal recorrido, a arguida não conhece a dita «G.» e nunca disse que a mesma se encontrava nas suas instalações. Bem pelo contrário, a arguida disse que as notificações apareceram na sua caixa de correio.

  16. A sugestão que o Tribunal recorrido dá, de que a arguida não prova o afastamento da presunção de notificação porque nem demonstra ter agido criminalmente contra a dita «G.» não deve colher – a lei não impõe a apresentação de queixa criminal para que a presunção seja afastada. E mesmo que apresentasse a dita queixa, quais os seus efeitos? Teria de haver uma decisão de condenação transitada em julgado? 18.

    Pelo contrário, no caso de notificação postal de pessoas coletivas, por força do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o legislador acaba por sugerir que aquela presunção pode ser afastada se se provar que o representante legal não recebeu a dita notificação nem um trabalhador com poderes para rececionar notificações a recebeu. Dito de outra forma, ficando provado que quem recebeu a notificação foi um trabalhador sem poderes para receber notificações ou, como é o caso, um terceiro que não é trabalhador, então a presunção legal de notificação é afastada.

  17. Só este entendimento pode ser sufragado, sob pena de se transformar a presunção legal numa presunção inilidível, violando-se dessa forma o princípio constitucional da proibição da indefesa.

  18. Por outro lado, de que forma pode a arguida provar um facto negativo – de que não foi notificada – além da prova que já fez, de que quem assinou a dita notificação não é (1) representante legal nem (2) trabalhadora da arguida? 21.

    Não se aplicando as normas da citação pessoal à notificação não pessoal, as normas aplicáveis são as do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, para o que interessa a estes autos, as regras do artigo 99.º do Decreto de 14-06-1902, acessível em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/87/136/p348 (assim, conferir, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: anotado e comentado, Áreas Editora, Vol. I, 2011, pp. 383).

  19. As regras relativas à identificação do destinatário e aos poderes para receber notificações têm de ser interpretadas nos termos do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 99.º, §1...

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