Acórdão nº 01952/11.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*I. Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com o acórdão proferido em 2016-04-07 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a ação administrativa interposta por F. e cônjuge C. tendo por objeto a decisão emitida em 2011-08-30 de cancelamento do benefício fiscal referente a IRS de 2010, nos termos do disposto no art. 14.º do EBF, vem interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “IV-Conclusões: Tudo visto, não podemos conformar-nos com a decisão do tribunal “a quo”, que enferma de erro de julgamento, senão mesmo de nulidade, na interpretação e na aplicação dos princípios da justiça, da confiança e da proporcionalidade ao caso concreto, com o concomitantemente afastamento do princípio da legalidade, porquanto:

  1. O erro capital da sentença ora recorrida foi concluir, à revelia da lei, pelo afastamento do artigo 14.º, n.º 5, alínea a) do EBF, como se este procedimento não fizesse parte do regime legal de isenções, com base em argumentos de justiça material que não se revelam no caso concreto.

  2. Para a norma do artigo 14.º, n.º 5, alínea a), que é uma norma geral e abstracta, o seu intuito é penalizar os contribuintes incumpridores, de modo a que estes, aferidos a 31 de Dezembro de cada ano, não possam ser simultaneamente faltosos e beneficiários de um qualquer regime de benefícios fiscal.

    Esta é uma norma que também ela visa prosseguir o princípio da justiça.

  3. Sendo este o fim visado na norma não se pode estabelecer uma relação “entre pequenos incumpridores e grandes beneficiários”, fazendo desta relação um princípio de afastamento da norma! d) De facto, € 181,81, revela o IMI a pagar por aqueles contribuintes em relação ao património imobiliário que detém – não sendo muito elevado, também não é irrisório - e o imposto a pagar pela perda da isenção de IRS € 20.463,30, revela efectivamente capacidade contributiva, ou seja o imposto que estavam a deixar de pagar em virtude de acordo de cooperação, por se encontrarem deslocados no estrangeiro.

  4. Comparar colectas de imposto com origem em impostos tão diferentes é comparar aquilo que não é comparável! f) O argumento de que estes autores têm de pagar um valor de IRS muito superior à média nacional, revela apenas capacidade contributiva- um dos pilares da tributação do rendimento, e não injustiça ou desigualdade ou desproporcionalidade.

  5. Também o argumento do caso concreto que a sentença utilizou: que os autores,” após a situação a que se referem os autos terem alterado a sua situação cadastral junto da administração fiscal para residentes no estrangeiro, com a designação” de representante legal”, revela que incumpriram o dever de nomear o seu representante legal, no momento em que passaram a ser residentes no estrangeiro.”, não pode ser aceite, uma vez que os autores vivem no estrangeiro desde 2006 e foi só em 30.12.20111 que nomearam um representante legal.

  6. O não cumprimento atempado do artigo 19.º, n.º 6 da LGT não é pois um argumento abonatório desta justiça do caso concreto, mas sim uma agravante, que afasta certamente o princípio da justiça material.

  7. A sentença apresenta como abonatória da conduta dos autores conducentes a relevar a falta de cumprimento atempado da prestação tributária de IMI o facto de ter ocorrido a “extinção por pagamento voluntário da quantia em dívida, no inicio do ano imediato a seguir ao exercício em causa, de 2010”. - Ora isto significa que os autores pagaram a dívida cerca de 9 meses depois do terminus do prazo, sendo este o mês de Abril-, pelo que, a falta não foi regularizada atempadamente.

  8. Acresce que o IMI é um imposto periódico, cujos prazos de pagamento estão estabelecidos de forma imperativa na lei, e que é do conhecimento de todos os contribuintes que são proprietários de imóveis, além de que o CIMI estabelece a obrigação dos contribuintes pedirem uma segunda via do documento de cobrança, caso não recebam este- artigo 119.º, n.º 3 do CIMI.

  9. Em conclusão, vistos os argumentos que a sentença ora recorrida utilizou para afastar a norma que fez cessar os benefícios fiscais, não encontramos em qualquer dos argumentos apresentados um fundamento de peso, que justifique a decisão tomada com base em juízos de justiça e proporcionalidade.

  10. A solução da sentença do tribunal “a quo” ao se afastar do princípio da legalidade teria de estar plenamente justificada, o que não é o caso. Isto porque, a regra geral a que está submetida a actuação da administração tributária, deverá ser e só pode ser, o princípio da legalidade e o escrutínio judicial que se faça a essa actividade também só pode ser com base no princípio da legalidade.

  11. De acordo com o artigo 266.º da CRP, em primeiro lugar, a administração pública visa a prossecução do interesse público. Ora foi exactamente o contrário que a sentença ora recorrida determinou que a Administração tributária fizesse, sendo certo que o interesse financeiro do Estado se encontra abrangido pelo interesse público: “a administração tributária não está sujeita apenas ao princípio da legalidade, mas também deve respeitar o princípio da justiça previsto no art.º 55.º da LGT. Este princípio obriga a que a administração tributária se norteie por critérios de isenção e imparcialidade no apuramento das situações e ainda que tais diligências sejam contrárias ao interesse financeiro do Estado.” n) O n.º 2 do 266.º da CRP determina a forma de alcançar o interesse público: a actuação da administração está subordinada à Constituição e à lei.

  12. Temos, assim, uma sentença inconstitucional? A factualidade é merecedora de tanta protecção, ao ponto se incorrer no risco da sentença ser inconstitucional? p) Deve, ainda, a actuação da administração conformar- aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

  13. A sentença ora recorrida inverte a ordem constitucional destes princípios ao afirmar: “No caso presente, pese embora o princípio da legalidade estrita determinar a cessação de tais efeitos do benefício fiscal para 2010, o certo é que os valores da proporcionalidade, da confiança e da justiça imporiam outra conduta à administração tributária, que fosse no sentido de relevar a falta dos Autores e aceitar a isenção de IRS para o ano de 2010, decorrente do benefício fiscal conjugado no art.39.º do EBF.” r) Nenhuma justificação existe nos factos dos autos para esta inversão de princípios, a que acresce o facto não menos importante de que a decisão da administração tributária ter sido proferida com base em poderes vinculados.

  14. No caso concreto, atendendo à norma do artigo 14.º, n.º 5 do EBF, encontravam-se reunidos os pressupostos exigidos por lei para que a cessação do benefício ocorresse, como, aliás, o admite a sentença ora recorrida.

  15. Estamos convictos que se impunha-se à Administração Tributária a obrigação de efectuar a cessação dos benefícios com base no princípio da legalidade estrita porquanto, estamos perante um acto estritamente vinculado à lei, e a situação daquele que actua na convicção de proceder em conformidade com o Direito é jurídica e autonomamente protegida na ordem jurídica.

  16. Mas para se afastar a solução expressamente legal, tem que se apurar se com esta solução legal existe violação de outros princípios relativamente aos quais a administração esteja também adstrita a cumprir.

  17. E pergunta-se, no caso dos autos, a solução legal, que a sentença expressamente confirmou ao considerar legal o acto da administração tributária, viola o princípio da justiça e da proporcionalidade? Pelas razões já aduzidas, consideramos que não.

  18. Só em casos muitos excepcionais deve o princípio da legalidade ceder perante qualquer outro principio, e o caso dos autos, não é certamente um deles x) Acresce ainda que com a solução dada pela sentença em que se pugna pela primazia do princípio da justiça material, estar-se-á a violar outro princípio que a administração tributária tem de cumprir: o da indisponibilidade do crédito tributário - artigos 30.º, n.º 2 e 36.º, 2 da LGT.

  19. De acordo com este princípio, o credor tributário não pode conformar, por acto de vontade, quer em termos extintivos ou modificativos o objecto da obrigação tributária, afirmando-se esta, como uma obrigação exclusivamente ex legge. Sendo indisponível o crédito tributário, este não permite ao aplicador da lei terminar um litígio mediante o afastamento da prestação tributária, artigo 1248.º n.º 1 do Código Civil.

  20. Não existindo indisponibilidade relativamente à existência da obrigação tributária, esta violação resulta clara da sentença que manda a administração tributária relevar a falta de pagamento atempado do IMI, tendo assim que prescindir da colecta de IRS que resulta da aplicação do artigo 14.º do EBF, por ser excessiva.

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  21. O princípio da legalidade é o princípio estruturante quer do direito administrativo quer do direito fiscal. A Lei assume, o papel de principal fonte de Direito Fiscal. A interpretação deste princípio que é feita na sentença ora recorrida é uma interpretação que...

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