Acórdão nº 00550/16.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução09 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:* M.

(R.L), em acção administrativa intentada contra o Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E. (AICEP), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou a acção totalmente improcedente.

Conclui: 1. Na sentença recorrida cometeram-se erros, na aplicação da matéria de direito, e, por isso, impõe-se uma solução totalmente inversa à decidida na sentença ora impugnada, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura.

  1. No artigo 40.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho, o legislador nacional consagrou o prazo de prescrição de cinco anos como sendo o necessário e suficiente para atuar contra irregularidades cometidas contra o orçamento nacional e em prejuízo das finanças públicas, e assim sendo, entendemos que ao decidir no sentido da aplicação ao caso concreto do prazo de prescrição de 20 anos, o tribunal a quo visou prosseguir uma finalidade diferente da definida pelo legislador, pois, o prazo previsto no artigo 309.º do Código Civil, tem como objetivo dirimir litígios entre particulares, e não entre estes e a administração.

  2. Em cumprimento do dever geral de diligência na verificação das irregularidades e na conclusão dos processos de verificação, impõe-se que a administração atue com cuidado e zelo, pelo que, temos de concluir que o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, vai muito além do necessário para investigar a existência de irregularidades ou incumprimentos cometidos e decidir pela restituição do financiamento, caso seja necessário, pelo que, nos termos do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 324/80, de 25 de Agosto, o prazo para a reposição de dinheiros públicos, foi fixado em 5 anos, o que comprova definitivamente que o prazo de prescrição ordinário se revela desadequado ao caso em apreço, pelo que, deverá ser declarado prescrito o direito da recorrida.

  3. Conforme resulta da leitura do contrato em causa nos presentes autos, nomeadamente da sua cláusula oito, impunha-se à recorrida que acompanhasse e fiscalizasse o projeto com vista à boa execução do contrato, nomeadamente, através da apresentação de uma proposta de redução de financiamento pela não execução integral do pedido aprovado ou não cumprimento integral dos seus objetivos.

  4. O contrato de concessão, previu desde logo a possibilidade de redução do montante total do incentivo concedido, naturalmente na proporção do investimento efetuado, situação essa que não foi utilizada pela recorrida em claro incumprimento da sua missão de fiscalização do projeto.

  5. Atentas as obrigações contratuais a que a recorrida estava vinculada, salvo o devido respeito, entende a aqui recorrente que dúvidas não existem de que, contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, não lhe cabia a si comunicar à recorrida as dificuldades que estava a sentir na execução do projeto, pois, reitera-se, se esta tivesse cumprido os deveres de colaboração e de fiscalização a que estava obrigada teria constatado a existência dos aludidos obstáculos.

  6. Aliás, a este propósito escreveu-se no Ac. de 09.12.04, rec. 763/04, que «as entidades co-financiadoras tenham o poder, e o dever, de acompanhar as ações patrocinadas e de fiscalizar a forma como os financiamentos foram gastos, o que tem como consequência caber às entidades financiadoras a competência para a aferição da efetividade, legalidade, razoabilidade e elegibilidade das despesas efetuadas pelos beneficiários das concessões.

  7. Embora se tenha apercebido que a candidatura da recorrente estava sobredimensionada, o certo é que, apesar da circunstância de tal projeto ser pioneiro, na medida em que, nunca tinha sido levado a cabo por nenhuma sociedade de advogados, e, consequentemente, a recorrente ser totalmente inexperiente nesta área de atuação, a mesma acreditou e desenvolveu todos os esforços para o cumprimento pleno do projeto, ou seja, para o cumprimento do contrato celebrado com a recorrida, razão pela qual, não comunicou insistentemente a esta as dificuldades que estava a sentir, pois, repete-se, acreditou que conseguiria ultrapassá-las e levar a bom porto o projeto.

  8. Por força do contrato de concessão em causa nos presentes autos, à entidade recorrida impunha-se que acompanhasse e fiscalizasse o projeto, prestando a colaboração necessária, e, por isso, é manifesto que, contrariamente ao que consta no ponto i da sentença de que se recorre, a recorrida omitiu as suas obrigações contratuais.

  9. Nos termos da cláusula nona do contrato em causa nos presentes autos, era possível proceder-se à “renegociação do contrato por motivos devidamente justificados, após autorização da entidade que decidiu a concessão do incentivo nos seguintes casos: a) Alteração substancial das condições de mercado, incluindo as financeiras, que justifiquem uma interrupção do investimento, uma alteração do calendário da sua realização ou uma modificação das condições de exploração; b) Alteração do projeto que implique modificação do montante dos apoios concedidos; c) Alteração imprevisível dos pressupostos contratuais”.

  10. Da análise do mencionado clausulado, constata-se que, contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, não é imposto um prazo determinado para ser suscitada a questão da renegociação contratual, pelo que, quando em sede de audiência prévia a recorrente levantou tal questão, uma vez que se verificavam os fundamentos previstos na mencionada cláusula, deveria a recorrida, preventivamente, ter aceite renegociar o contrato, até porque a recorrente havia feito a prova plena de que os fundos recebidos estavam todos comprovadamente aplicados no desenvolvimento do projeto.

  11. Se a recorrida tivesse cumprido o seu dever de cooperação e de fiscalização, teria constatado a existência de uma alteração substancial das condições do mercado, e, consequentemente, poderia, assim, ter tentado renegociar o contrato, possibilitando à recorrente a obtenção de um projeto dimensionado com a sua realidade à época.

  12. Embora efectivamente se reconheça que a crise do “subprime” se instalou na europa no ano de 2008 e que a aplicação interna do PAEF, ocorreu em 2011, factos esses públicos e notórios, a verdade é que, salvo o devido respeito por opinião contrária, tais factos não podem ser analisados de forma estanque/estática.

  13. No momento da assinatura do contrato entre a Troika e Portugal, o nosso país já se encontrar em crise, e, assim sendo, tal situação não pode afastar a possibilidade de aplicação ao caso em apreço do artigo 437.º do Código Civil, pois, embora a crise tenha tido início no nosso país em 2008, a verdade é que, as suas graves consequências só se fizeram sentir com o decurso dos anos seguintes, e com maior gravidade no ano de 2011 e anos seguintes, sendo certo que as consequências de tal situação, contribuíram decisivamente para criar dificuldades inultrapassáveis de concretização do projeto da recorrente, e, por isso, devem ser classificadas como circunstâncias anormais previstas no referido preceito legal.

  14. Muito embora se consiga determinar o início e o fim de uma crise financeira, é consabido que a população só começa a sentir os efeitos da mesma com o decurso dos meses e dos anos, pois, não estamos perante um acontecimento estático de efeitos imediatos, mas sim um acontecimento económico-financeiro duradouro, cujas consequências se vão sentindo com o passar do tempo.

  15. Ao contrário do referido na sentença sob censura, as causas da crise surgiram a partir do ano de 2008 e desenvolveram-se nos anos seguintes, e, por isso, não podem existir dúvidas que as consequências dessa crise, contribuíram decisivamente para criar dificuldades inultrapassáveis de concretização do projeto da recorrente, e, por isso, devem ser classificadas como circunstâncias anormais previstas no referido preceito legal.

  16. O artigo 437.º, nº 1 do Código Civil, estabelece o seguinte: ”se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípio da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.

  17. o referido preceito legal, alude, no entanto, aos seguintes requisitos: a) Que haja alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar. É preciso que essas circunstâncias se tenham modificado. Nada tem, portanto, esta providência com a teoria do erro acerca das circunstâncias existentes à data do contrato. E, além disso, é necessário que a alteração seja anormal. Uma das circunstâncias relevantes pode ser a modificação do valor da moeda. A lei não exige, ao contrário do Código italiano, que a alteração seja imprevisível, mas o requisito da anormalidade conduzirá praticamente quase aos mesmos resultados.

    1. Que a exigência da obrigação à parte lesada afete gravemente os princípios da boa fé contratual e não esteja coberta pelos riscos do negócio, como no caso de se tratar de um negócio por sua natureza aleatório.” 19.Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça, amiúdes vezes, tem vindo a entender, como o fez no recente acórdão de 10/10/2013: que a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias depende da verificação dos seguintes requisitos: que haja alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que essas circunstâncias se hajam modificado de forma anormal, e que a exigência da obrigação à parte lesada afete gravemente os princípios da boa fé contratual, não estando coberta pelos riscos do negócio.

  18. Sobre os requisitos da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, tem vindo a entender-se que tais situações objetivas, cabem no âmbito do...

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