Acórdão nº 01001/07.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Exm.ª Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 18.03.2019, pela qual foi julgada procedente a impugnação deduzida por J.

e anuladas as liquidações de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor global de €16.628,63.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A- Na douta sentença recorrida, a M.ma Juiz a quo, julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida pelo ora impugnante, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IRS, por considerar, que nos presentes autos não se encontravam reunidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.

B- A referida decisão alicerçou-se na factualidade dada como provada, nomeadamente a que ficou a constar dos pontos 1) a 18) da matéria dada com assente.

C- Não pondo a FP em causa os factos dados como provados, não pode, no entanto, concordar com as conclusões a que se chegou na douta sentença face aos mesmos, e que determinou a procedência da presente impugnação judicial, pelos motivos que passam a explanar.

D- No âmbito da ação inspetiva, e tal como resulta do RIT, analisados os elementos contabilísticos do sujeito passivo, detetaram-se indícios de que a contabilidade não registava a totalidade da situação patrimonial da atividade desenvolvida, devido, nomeadamente, à existência de saldos credores de caixa que eram compensados no final do ano por conta de suprimentos, em que o único documento de suporte era uma nota de lançamento interna, a não disponibilização do inventário relativo ao ano de 2005, quando solicitado, tendo este sido elaborado no decurso da inspecção e a constatação, após testes elaborados aos consumos de matérias-primas, que evidenciavam consumos efetivos muito superiores aos consumos na produção e cuja divergência se afastava claramente da percentagem aceitável de defeituosos para aquela atividade.

E- Tendo em conta os factos acima descritos, os SIT concluíram, que estavam reunidas as condições para a aplicação de métodos indirectos, nos termos do disposto nos artigos 87º, 88º e 89º da LGT.

F- Na douta petição inicial, o impugnante questiona os critérios utilizados pela inspeção tributária na realização dos testes efetuados aos consumos de matérias primas, argumentando que peso/dúzia das peúgas com a designação “Burap” e “Intársia” é de aproximadamente 750 gr e não de 380 gr, nem 450 gr, como foi considerado pela inspeção tributária, e que as meias “Adidas” e “Patrick” pesam muito mais do que os 450/460 gr, que foram tidos em conta na realização dos referidos testes.

G- Ora, e tal como resulta do RIT, os SIT, por análise documental exaustiva e total, na medida em que procedeu a uma análise total e não por amostragem dos documentos contabilizados pelo sujeito passivo, constatou consumos efectivos de matérias-primas na actividade do sujeito passivo muito superiores aos consumos na produção, cuja divergência se afastava claramente de uma percentagem aceitável de defeituosos.

H- Aliás, a ter em conta os valores Kg/dúzia que foram defendidos pelo impugnante no seu direito de audição, que foram sujeitos a um teste de coerência por parte da IT, a mesma verificou que com os valores referidos pelo sujeito passivo, teríamos, não só uma inconsistência no preço quando comparado com peúgas similares, como consumos na produção muito superiores aos consumos efectivos e registar-se-iam margens brutas negativas para a comercialização das peúgas.

I- Nesta sede, constatamos, ainda, que o impugnante apenas contestou o peso considerado para as meias de referência “Adidas” e “Patrick”, no qual diz claramente que aceita o peso/dúzia considerado no RIT para as facturas não relacionadas, ou seja, aceita como correcto o peso ponderado pela inspecção para as facturas 27 a 37 (inclusive) - nas quais se incluem as meias de referência “Intarsa” e “Burap”. Posição que alterou, em sede de impugnação judicial, na qual contestou essencialmente as meias de referência “Intarsa” e “Burap”.

J- Aliás, os cálculos efectuados pela impugnante no artigo 15º da douta petição inicial, ao considerar como equivalente o peso dos artigos constantes nas facturas n.º 27 a 37 de 2003 (referências “Intarsa” e “Burap”) e o peso dos artigos constantes nas facturas n.º 38 a 45 de 2003 (referência “Adidas”), contraria o referido, pelo mesmo, no exercício do direito de audição ( cfr. Anexo II do Relatório de Inspecção Tributária); K- Os valores apresentados pelo impugnante são, ainda, completamente divergentes dos apresentados em pedido de revisão da matéria colectável apresentado para os anos de 1996 e de 1997, onde referiu que “as peúgas podem pesar, no máximo, 720 gr/dúzia”, em artigos com composição idêntica às peúgas em causa, conforme é referido na pág. 14 do relatório em causa.

L- Por outro lado, temos também, entre outras contradições, de destacar a inconsistência entre a variação no custo da matéria-prima e a variação no peso, de acordo como o cenário avançado pelo impugnante, a qual ainda é reforçada se atendermos que o impugnante refere que as meias Adidas têm acabamento reforçado (calcanhar e biqueira verdadeira).

M- Na douta decisão judicial, considerou a M.ma Juiz que: “resultou demonstrado nos autos que as meias “Burap” pesavam aproximadamente 750gr/dúzia” para mais à frente referir que, relativamente às peúgas “Intársia”, toda a argumentação assenta na decisão da IT de expurgar as faturas que apresentavam pesos mais elevados por dúzia, por constituírem um desvio, o que determinou que se tenha perdido o rigor nos cálculos efectuados.

N- Ora, se aos pesos defendidos pelo impugnante para as meias de referência “Adidas” e “Patrick”, ajustássemos também os cálculos das quantidades em função destas considerações para as meias de referência “Intarsa” e “Burap”, ajustamento que seria sempre no sentido do aumento do peso médio da dúzia, O- O cenário de omissão de compras, já descrito no RIT na sequência da posição assumida pelo impugnante, em sede de direito de audição, para as meias de referência “Adidas” e “Patrick”, apresentaria uma expressão muito mais significativa.

P- Face ao exposto, e tendo sempre por base o RIT, bem como os documentos que integram o mesmo, não pode a Fazenda Pública concordar com a douta sentença, ao concluir que a fundamentação da decisão de aplicação por métodos indirectos, no que respeita ao pressuposto em causa, não assentou em dados objectivos e seguros, mas antes em cálculos baseados em médias obtidas com recurso a dados não rigorosos, e como tal não constitui indício válido de falta de credibilidade dos registos contabilísticos do impugnante.

Q- No que respeita à falta de elaboração do inventário referente ao ano de 2005, e se bem interpretamos a douta sentença recorrida, a M.ma Juiz a quo, entendeu que a mencionada falta se traduz numa mera omissão formal, que até foi sanada pelo contribuinte no âmbito do procedimento inspetivo, pelo que, o simples atraso da mesma não constitui fundamento válido para a tributação por métodos indiretos.

R- Ora, e salvo devido respeito não pode a Fazenda Pública concordar com tal afirmação, uma vez que o inventário, consiste numa relação (lista) dos elementos patrimoniais detidos por uma empresa numa determinada data e com indicação do seu valor monetário.

S- Podem ser apontadas quatro fases para a elaboração do inventário: arrolamento/listagem (identificação e listagem dos elementos patrimoniais constituintes do patrimoniais da empresa); classificação (os elementos com características comuns ou semelhantes são agrupados em contas); descrição (indicação dos elementos patrimoniais integrantes de cada conta); avaliação (valoração dos elementos patrimoniais em análise).

T- Quanto à importância de uma correta inventariação dos bens, refira-se que a escrituração comercial, através da contabilidade, é uma técnica de registo e de representação de todas as transformações sofridas pelo património de qualquer entidade económica durante o exercício da sua atividade, de modo a saber, em qualquer momento, a sua composição e o seu valor, na medida em que, organizada segundo os princípios da lei, permite um controlo seguro, relevando os acontecimentos (factos patrimoniais) normais e os extraordinários ocorridos ao longo do exercício, com reflexos, positivos ou negativos, no seu património.

U- Assim, sendo o inventário um meio utilizado para conhecer o património de uma entidade, deve o mesmo respeitar princípios como o da integridade (o levantamento deve especificar todos os elementos que são objecto do mesmo), especificidade (agrupar cada elemento de acordo com a sua função), homogeneidade (medidas uniformes–litros, metros, quilos, euros,...) e uniformidade (manter os mesmos critérios, normas, estruturas, para assegurar a possibilidade de comparações entre inventários sucessivos).

V- Só através de uma correta inventariação será apurado devidamente um dos mais importantes componentes dos custos/gastos de cada exercício - o Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) - que, matematicamente, resulta da seguinte operação: CMVMC=Existências iniciais+Compras–Existências Finais+/-Regularização existências W- Acontece que, a inspecção em causa realizou-se no final do ano de 2006 pelo que, o facto de o inventário do exercício de 2005, que, pelas regras da boa execução da contabilidade, deveria ter sido efectuado nos primeiros dias após 31-12-20[0]5, ter sido executado muito tarde prejudica necessariamente a sua credibilidade.

X- De facto, não estamos perante uma mera omissão formal, mas sim perante uma impossibilidade, dado que no final de 2006 não poderia a firma estar a realizar contagens físicas de bens que influenciam o resultado do exercício de 2005, com contas encerradas em março de 2006.

Y-...

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