Acórdão nº 00466/08.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelTiago Miranda
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório M. NIF (…), residente no Lugar (…), interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 19 de Abril de 2010 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação do acto administrativo em matéria tributária, notificado em 30/10/2007, que considerou que o atestado médico de incapacidade permanente de 80%, emitido em 25 de Novembro de 1996 por médica do Centro de Saúde do Concelho de Monção, não era suporte válido, ante os termos do DL 202/96 de 23/10, para que a Impugnante beneficiasse do estatuto dos benefícios fiscais em 2003, bem como da consequente liquidação adicional de IRS desse ano e de juros compensatórios, que resultou num valor total a pagar, de 5 553,45 €.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: CONCLUSÕES 1. O acto administrativo - conversão em definitivo do projecto de decisão de recusa de atestado comunicado por Ofício n.º 15324, de 13-09-2007 da Direcção de Finanças de Viana do Castelo (notificado por ofício número 17372, de 30-10-2007, da Divisão de Tributação e Cobrança daquela Direcção) que determinou a recusa de atestado médico e a consequente revisão dos benefícios fiscais referentes aos anos de 2003, 2004, e 2005 (com as correspectivas liquidações), teve por fundamento o facto de a Administração Fiscal ter considerado e decidido que a Recorrente não fez prova de que era portadora de incapacidade física de carácter permanente igual ou superior a 60%, referente aos anos em causa, avaliada de acordo com os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23/10.

  1. Os problemas de saúde que determinaram a alegada incapacidade da Recorrente são de natureza oncológica e foram quantificados em 80% pelo atestado médico datado de 25.10.1996, que também declarou serem as sequelas adquiridas, crónicas, evolutivas e de carácter permanente, não susceptíveis de ser atenuadas, no todo ou em parte, pela aplicação de quaisquer meios de correcção ou compensação.

  2. À data da emissão daquele atestado – 25 de Outubro de 1996 – as avaliações de incapacidade estavam já a ser feitas de acordo com o estabelecido nos critérios que vieram a ser consagrados no DL 202/96, tendo sido com base nas regras estabelecidas neste diploma que a Recorrente foi avaliada, pois que, não obstante o referido no documento a fls. 65 dos autos, desde 21.12.1995 as avaliações vinham a ser feitas de acordo com as regras que vieram a ser consagradas no referido diploma de 1996, pelo facto de a interpretação da Direcção-Geral de Saúde constante da informação n.º 63/DSO, de 26.08.1994 ter sido revogada pela Circular normativa n.º 22/DSO, de 15.12.1995, da mesma entidade, tendo deixando, por isso, de se aplicar nas avaliações de incapacidade.

  3. Por essa razão a Administração Fiscal passou a considerar que os atestados emitidos anteriormente a 20.12.1995 não eram aceites fiscalmente para prova das incapacidades dos contribuintes, nomeadamente para obtenção de benefícios fiscais, o que fez constar da circular n.º 1/96, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, e notificou os contribuintes em conformidade.

  4. Quando o Atestado apresentado pela Recorrente foi emitido, já há cerca de um ano que os procedimentos definidos pela informação n.º 63/DSO não tinham, como se disse, aplicação.

  5. Por essa razão, a Recorrente requereu ao Tribunal que notificasse a Sra. Dra. I. (médica que emitiu o atestado em apreço) para que informasse complementarmente, porque pertinente para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, se as sequelas ou deficiências apresentadas pela paciente eram susceptíveis de ser corrigidas, no todo ou em parte, por prótese, ou qualquer outro meio médico, clínico, ou outro e, em caso afirmativo, se a avaliação teria sido efectuada após a melhor correcção conseguida para as deficiências patenteadas e, se fora efectuada com ou sem quaisquer limites máximos de redução dos coeficientes, pedido a que, tanto quanto a Recorrente sabe, o Tribunal nunca deu tratamento ou seguimento.

  6. Por outro lado, o DL 202/96 entrou em vigor em 30.11.1996, tendo o atestado apresentado pela Recorrente sido emitido pela entidade que, à data em que foi emitido (25.10.1996), era a legalmente competente.

  7. Em face da apresentação do atestado em causa, a Administração Fiscal tinha perfeito conhecimento daquilo que “precisava de saber”, ou seja, de que a Recorrente era portadora de deficiência IGUAL OU SUPERIOR A 60% de acordo com as regras e critérios que já vigoravam durante todo o ano de 1996.

  8. Do referido nas conclusões precedentes resulta, inequivocamente, a plena validade e eficácia do atestado médico em apreço, o qual, à data em que foi apresentado, era meio de prova próprio.

  9. Como se alegou, e resultou demonstrado, em Outubro 1996 a Impugnante apresentou o Atestado de Incapacidade supra identificado, o qual foi aceite como bastante, suficiente e relevante para fazer a demonstração e comprovação da incapacidade existente para efeitos de Benefícios Fiscais, documento do qual os Serviços da Administração Fiscal têm, desde tal data, pleno e efectivo conhecimento.

  10. A partir do momento em que lhe ficou fixada incapacidade parcial permanente superior a 80%, a Recorrente passou a apresentar as suas declarações anuais de rendimentos, invocando, e documentando nos termos legalmente exigidos, essa mesma incapacidade para efeitos do disposto no EBF – Estatuto dos Benefícios Fiscais, usando aquele Atestado.

  11. Com a conduta que teve ao longos dos sucessivos anos, a Recorrente ficou totalmente descansada, tendo dado por integralmente cumprida a sua obrigação, como qualquer contribuinte medianamente diligente, inteligente e prudente teria considerado.

  12. Segundo o artigo 119°., nº. 1 do C.I.R.S., na redacção então em vigor, a Administração Fiscal podia e devia exigir aos sujeitos passivos a apresentação de documentos comprovativos dos factos ou situações mencionados na respectiva declaração, designadamente com vista a apreciá-los enquanto suportes do beneficio pretendido, face às exigências constantes da lei.

  13. Após a entrega da primeira declaração de rendimentos em que o atestado médico em causa é invocado para demonstração da incapacidade e dos benefícios fiscais respectivos, a Administração Fiscal tinha em seu poder todos os elementos que lhe permitiam proceder ao imediato controle interno da situação da contribuinte, aqui Recorrente, a partir daqueles documentos, sem necessidade de desencadear qualquer procedimento inspectivo.

  14. Não é admissível que decorridos 10 anos, a Administração Fiscal, através da Direcção de Finanças de Viana do Castelo resolvera fazer tábua rasa de tudo o que a propósito já tinha sido visto e decidido em todos os anos anteriores, ou seja, do facto de durante todo aquele longuíssimo período a Recorrente ter apresentado junto da Administração fiscal o atestado em causa, que esta sempre reconheceu como válido e eficaz para a demonstração da sua qualidade de portadora de deficiência, traduzida na I.P.P. de 80%, e por força do qual foram reconhecidos e concedidos os benefícios fiscais em todos os anos seguintes – 1996, 1997, 1998, 1999, etc... –, até ao projecto de despacho de 2007, da Direcção de Finanças de Viana do Castelo.

  15. De acordo com as regras da experiência comum e o desejável princípio de colaboração entre a administração e os contribuintes, a Administração Fiscal, se entendesse que devia ser apresentado novo atestado médico após a entrada em vigor do DL 202/96 devia, para isso, ter notificado tempestivamente - elementar obrigação, e tal como tinha feito quando a interpretação da DGS foi alterada, já que tal prerrogativa se insere no poder/dever de exigir a apresentação de documentos comprovativos de factos ou situações, nomeadamente, a deficiência, mencionados na declaração de rendimentos - a Recorrente , esclarecendo-a que o atestado de 25.10.1996, apesar de muito recente, não era válido ou que sofria de qualquer irregularidade que lhe retirava a relevância para efeitos de ser reconhecido o benefício fiscal decorrente da alegada incapacidade, a fim de que aquela obtivesse a sua correcção, eliminação, ou substituição.

  16. Nunca nenhum outro documento ou meio de prova lhe foi minimamente solicitado ou exigido; nunca o reconhecimento da sua situação de incapacidade foi posta em causa; se devidamente alertada para alguma irregularidade ou deficiência, a Recorrente fácil e prontamente teria obtido, quer no final daquele ano, quer em qualquer um dos anos seguintes, outro atestado.

  17. Ao proceder daquela forma, a Administração Fiscal excedeu claramente os limites impostos pela boa-fé, e conduz a que o acto impugnado, e os actos subsequentes (alterações das declarações de rendimentos / liquidações) seja também ilegal por violar, manifestamente, os princípios de boa fé e da protecção da confiança.

  18. Na verdade, todo o comportamento tido pela AF, de forma repetida e sucessiva, durante 10 longuíssimos anos - o seu absoluto silêncio - gerou na contribuinte, ora Recorrente, a convicção segura, e legítima, de ter cumprido integralmente aquilo que lhe tinha sido exigido, de ter observado integralmente as disposições legais que regiam, ao tempo, a matéria em causa, e de ter feito prova segura e bastante da sua situação de incapacidade.

  19. A confiança suscitada na contraparte pelo comportamento adoptado e praticado, é merecedora de tutela.

  20. A tutela da confiança acolhida como sub-princípio na norma do artigo 6.º-A, do C.P.A., que densificou os princípios consagrados nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, releva e protege a confiança suscitada na contraparte pela actuação empreendida.

  21. Tal princípio vincula a Administração nas suas relações com os particulares, sobre a mesma recaindo a especial obrigação de dar, através da sua actuação, o exemplo de probidade, de...

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