Acórdão nº 00293/20.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução05 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO 1.1.

F.

, moveu a presente ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, pedindo que seja declarada a nulidade, ou que seja anulado o ato administrativo de 12.11.2019, que indeferiu o pedido de qualificação como deficiente das forças armadas, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, bem como, que seja revogada aquela decisão e que se decida pela existência de nexo de causalidade entre a doença e a prestação de serviço militar, assim como um grau de incapacidade geral de, no mínimo, 30%.

Para tanto alega, em síntese, que na defesa dos interesses da Pátria, foi incorporado como recrutado no Regime de Infantaria n.º 8, em 20 de outubro de 1969, tendo cumprido uma comissão de serviço na ex Província Ultramarina de Moçambique, onde foi exposto a fatores traumáticos, o que o perturbou psicologicamente de forma crónica, tendo por isso, adquirido naturalmente uma diminuição na capacidade geral de ganho; Mais alega que o ato que indeferiu a sua pretensão carece de fundamentação de facto e de direito e é ininteligível à luz da matéria de facto apurada; Na matéria de facto tida por assente na decisão da entidade administrativa, é feita menção a um diagnóstico, de 11 de setembro de 2009, do qual se retira que o impugnante “revela presença de PTSD, patologia do foro psíquico reativa às vivências ocorridas e das quais foi vítima ao longo da sua mobilização para a guerra colonial”; É feita igualmente referência à instrução de processo sumário por stress pós-traumático de guerra no Regimento de Cavalaria n.º 6, na qual prestou o impugnante declarações, em 31 de maio de 2010, tendo tido oportunidade de descrever os episódios traumáticos a que foi exposto, designadamente, a extrema violência das operações, o confronto com o inimigo, as muitas mortes presenciadas ou o acidente sofrido no pé (do qual tem ainda hoje sequelas); Ademais, foram ainda, naquele âmbito, ouvidas cinco testemunhas, sendo que quatro delas se recordavam do impugnante, e que referiram a extrema perigosidade da operação em que, na companhia do impugnante, estiveram envolvidos, e da qual resultaram muitas baixas; Invoca que o ato impugnado também é inválido por ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental, porquanto em sede de audiência prévia, o Autor requereu uma segunda apreciação a realizar por uma entidade externa, o que veio a ser indeferido com base no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 50/2000, designadamente por caber à junta militar proceder ao diagnóstico, o que coarta o seu direito de defesa.

Conclui, pugnando pela realização de perícia médico-legal e pela procedência da ação.

1.2. Citado, o Réu não contestou a presente ação.

1.3. Foi junto aos autos o processo administrativo, do que o Autor foi notificado.

1.4.Proferiu-se despacho saneador-sentença que inferiu a produção de prova requerida pelo autor ( realização de perícia médico-legal e inquirição de testemunhas) considerando que os autos já continham os probatórios necessários para o conhecimento do mérito da ação, dispensou a realização da audiência prévia, em consonância com o disposto no artigo 87.º-B, n.º2, do CPTA e conhecendo do mérito, proferiu decisão que julgou a ação improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados, constando da mesma o seguinte dispositivo: «Nos termos e com os fundamentos expostos: i. Julgo totalmente improcedente a presente acção; ii.

Condeno em custas o Autor (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie); iii.

Registe e notifique.» 1.5. Inconformado com o saneador-sentença que julgou a ação improcedente, o Autor interpôs a presente apelação, formulando as seguintes Conclusões: «I- Objeto do Recurso 1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 21 de Maio de 2021.

  1. Tal decisão vem indeferir todas as diversas pretensões do Autor, julgando improcedente a ação em causa e absolvendo integralmente o Réu do pedido.

  2. Da leitura da sentença, constatamos que o Tribunal a quo, com o devido respeito que nos merece, se limitou, de forma acrítica, a corroborar da posição e a subscrever a decisão da entidade administrativa.

    Vejamos, 4.

    Na defesa dos interesses da Pátria, o Recorrente foi incorporado como recrutado no Regime de Infantaria n.º 8, em 20 de Outubro de 1969, tendo cumprido uma comissão de serviço na ex-Província Ultramarina de Moçambique.

  3. Ali esteve exposto a fatores traumáticos, que o perturbaram psicologicamente de forma crónica, diminuíram inevitavelmente a sua capacidade geral de ganho, e lhe vêm, por isso, condicionando o seu quotidiano.

  4. Solicitou, por isso, junto do Ministério da Defesa Nacional, a sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas.

  5. No decurso do procedimento, apresentou-se o Recorrente perante a Junta Hospitalar de Inspeção no Hospital Militar Regional n.º 1, a fim de ser reavaliada a sua situação clínica-militar e lhe ser atribuído grau de desvalorização equivalente àquela.

  6. Porém, do Boletim Clínico da consulta resulta, não só que o Recorrente não sofre de PTSD, mas sim de ansiedade generalizada, como que não existe nexo de causalidade entre as queixas por ele relatadas e o serviço militar prestado.

  7. Mais, a sua percentagem de desvalorização foi avaliada em 20%.

  8. Sendo o nexo de causalidade e o grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% requisitos cumulativos para a qualificação como Deficiente das Forças Armadas – artigos 1.º, n.ºs 2 e 3, e 2.º, n.º 1, alínea b), acabou o Ministério da Defesa Nacional por decidir pela improcedência do pedido do Recorrente.

  9. Inconformado com a decisão, o Recorrente intentou, contra o Ministério da Defesa Nacional, ação administrativa comum.

  10. Nela peticionando a declaração de nulidade do ato administrativo, subsidiariamente, a anulação daquele, e, ainda, no caso de assim não se entender, a revogação daquela decisão.

  11. Deixou clara a irrazoabilidade, bem como a intangibilidade da decisão administrativa, bem como a necessidade de se produzir prova.

  12. Contudo, o Tribunal a quo, dizendo apenas considerar que os autos já contêm os elementos probatórios necessários, indeferiu a produção de prova requerida.

  13. Ora, o Recorrente não se pode conformar com a afirmação do Tribunal a quo de que não terá alegado “qualquer circunstância que pudesse concluir que a decisão da entidade administrativa padece da existência de erro grosseiro ou manifesto”.

  14. É certo que não o fez textualmente, contudo, não deixou de demonstrar que a apreciação da Junta Hospitalar de Inspeção no Hospital Militar Regional n.º 1, em que a Administração suporta a sua decisão, não reflete minimamente o seu estado de saúde, nem a proveniência das perturbações psicológicas de que padece.

  15. A própria administração, diga-se, reconheceu a presença do Recorrente em cenários de guerra e a, consequente, exposição a episódios traumáticos.

  16. No entanto, apoiada no já referido Boletim Clínico, ao arrepio de tudo quanto havia já sido dado como provado, dos demais elementos constantes dos autos, acaba a concluir que o Recorrente não sofre de PTSD, mas tão somente de ansiedade generalizada, que nada tem a ver com o serviço militar prestado.

  17. Pelo que, não é possível alcançar-se outra conclusão que não seja a de existência de erro no diagnóstico médico.

  18. O que foi devidamente alegado pelo Recorrente no próprio procedimento administrativo, assim como na ação administrativa apresentada.

  19. Contudo, o Tribunal a quo refere não só não vislumbrar qualquer erro manifesto ou grosseiro, como valida o resultado da perícia médica – levada a cabo por hospital tutelado pelo Ministério da Defesa Nacional -, com a chamada “discricionariedade técnica”.

  20. Ora, a assim ser, resultaria na prática que qualquer decisão desta índole seria essencialmente insindicável, pois que a discricionariedade técnica tudo permitiria e justificaria.

  21. Mais do que validar o resultado da perícia, o Tribunal recorrido, à imagem do Ministério da Defesa Nacional, inviabiliza a produção de prova por parte do Recorrido.

  22. O Tribunal a quo tomou, por isso, a sua decisão com base, exclusivamente, nos elementos probatórios de apenas uma das partes, não permitindo ao Recorrente a produção de prova autónoma.

  23. Nova perícia essa que, aliás, não garante que seja dada razão ao Recorrente, mas antes é um meio de reapreciação – verdadeira, factual e não meramente aparente – da decisão que ora se impugna, permitindo assim a efetiva sindicância dessa decisão.

  24. O Tribunal a quo, coartou, assim, de forma injustificada, o princípio do contraditório, prescindindo da produção de prova que, certamente, lhe permitiria alcançar a verdade material.

  25. Acabou, assim, com o devido respeito que nos merece – que é muito -, aquele Tribunal por optar por uma decisão mais confortável, que aceita, de forma pouco crítica, e cristaliza a decisão da Administração.

  26. Assim, ao ter prescindido, como prescindiu, o Tribunal a quo da prova requerida, incorreu num erro de julgamento.

  27. Desde a primeira hora que o Requerente lhe vê vedada a possibilidade de produzir prova.

  28. O mesmo é dizer que, desta forma, a decisão da Administração é, na prática, insindicável, seja administrativa, seja judicialmente.

  29. Estamos perante uma situação que lesa de forma grosseira o princípio da tutela jurisdicional previsto na Constituição da República Portuguesa.

  30. Apesar de o Recorrente não estar impedido de aceder aos tribunais para defender os seus direitos, o certo é que não dispõe de qualquer poder processual que lhe permita influir na decisão final da lide. Motivo, pelo qual, sai aquele princípio totalmente esvaziado.

    Além disso, 33.

    O referido erro de julgamento manifesta-se, igualmente, na apreciação dos factos.

  31. O Tribunal a quo refere que, nos depoimentos das testemunhas inquiridas perante a entidade administrativa, bem como no depoimento prestado pelo próprio Recorrente, apenas são relatadas...

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