Acórdão nº 01975/18.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução05 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.RELATÓRIO 1.1.

A.

, intentou a presente ação administrativa contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, peticionando a anulação do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que indeferiu o seu requerimento para pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho.

Alega, para tanto, em síntese, que houve erro nos pressupostos que estribaram o ato em crise concluindo que o mesmo será anulável por ter contabilizado indevidamente o prazo de 1 (um) ano para requerer o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho ao FGS, mormente que não foi atendido o acordo celebrado com a entidade patronal para pagamento dos créditos devidos e que apenas perante o incumprimento definitivo de tal pacto obrigacional se poderia contar o prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.

Em seu entender, os créditos laborais em causa venceram-se com a declaração de insolvência, e, com o reconhecimento pelo Tribunal e pelo AI, nos termos do artº 155º do CIRE, pelo que, é inócua a circunstância de ter celebrado um contrato de pagamento desses créditos em prestações com a sua ex entidade patronal e de tal contrato ter sido incumprido em data posterior, porquanto, tal acordo não tem a virtualidade de alterar a natureza do crédito em causa, nem a data do respetivo vencimento.

1.2.Citado, o FGS apresentou contestação, que foi desentranhada dos autos, por extemporânea.

1.3. Fixou-se o valor da causa em € 16.765.42 (dezasseis mil, setecentos e sessenta e cinco euros, com quarenta e dois cêntimos) e considerando inexistir matéria controvertida, foi dispensada a audiência prévia.

1.4. O TAF do Porto proferiu sentença que julgou a ação improcedente, constando a mesma do seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julga-se improcedente a presente ação e, consequentemente, absolve-se o Réu do peticionado.

Custas pelo Autor (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido).

Registe e notifique” 1.5. Inconformado com a decisão proferida pelo TAF do Porto que julgou a ação procedente, o Autor interpôs a presente apelação na qual formulou as seguintes Conclusões: «I- A sociedade supra identificada foi sujeita a um processo de insolvência, nos autos que correram termos no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, com o n.º de PROCº 10577/17.6T8VNF-J3, com sentença declarativa da insolvência proferida a Janeiro do ano de 2018.

II- A Recorrente apresentou nos serviços locais do FGS o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, no montante total de € 16.765,42 (dezasseis mil, setecentos e sessenta e cinco euros, com quarenta e dois cêntimos).

III- Sobre o requerimento supra, foi proferido o despacho de 13 de Abril de 2018, do Presidente do Conselho de Gestão, do indeferimento, com o fundamento “o requerimento não foi apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º8, do artº 2º do DL 59/2015 de 21 de Abril”.

IV- Não ocorre dúvida da ilegalidade do acto de indeferimento do pedido apresentado em Março de 2018, pela Recorrente ao Fundo de Garantia Salarial, para pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho ocorrida em Junho de 2015, em que o prazo de caducidade é de 20 anos e não de 1 ano, em que o prazo mais favorável é de 20 anos lei geral.

V- Refere o acórdão colocado em crise, que a apresentação de tal requerimento foi efectuada depois de esgotado o prazo legal fixado para o efeito que, em seu entender, se mostra estabelecido no artigo 2º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, – O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho – diploma que entrou em vigor no dia 04.05.2015, como decorre do seu art.º 5.º. – primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação.

VI- Da análise conjunta do que se refere nos dois parágrafos antecedentes temos que concluir que, segundo a autoridade recorrida, o prazo para a Recorrente apresentar requerimento ao Fundo de Garantia Salarial para obter o pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho ocorrida em Junho de 2015, que não recebeu da sua entidade patronal, não se esgotou, por força de uma lei – Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 – que entrou em vigor em 04.05.2015, mas sim pela regra geral de 20 anos, sem olvidar que o crédito é um crédito laboral e foi peticionado junto do FGS três meses após a declaração de insolvência da Entidade Patronal, Março de 2018.

VII- Ou seja, tinha a Recorrente um direito a ser ressarcida dos seus créditos salariais, crédito privilegiado, pelo ato de indeferimento do FGS, porque uma lei que constatou a necessidade de unificação do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial e procedeu à transposição da Directiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador estabeleceu um prazo no procedimento que, no caso concreto, aniquila o direito que a mesma lei visa garantir, direito de igualdade num sistema de defesa social dos trabalhadores.

VIII- O direito constitucional português nos termos do disposto no art.º 3.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, o art.º 11.º da Directiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008 impõe expressamente aos Estados-Membros que: “A aplicação da presente directiva não pode, de modo algum, constituir motivo para justificar um retrocesso em relação à situação existente nos Estados-Membros no que se refere ao nível geral da protecção dos trabalhadores assalariados no domínio por ela abrangido.”.

IX- Tal nível de protecção veio a ser reafirmado pelo art.º 6.º da Directiva (UE) 2015/1794 do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Outubro de 2015 que alterou as Directivas 2008/94/CE, 2009/38/CE e 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e as Directivas 98/59/CE e 2001/23/CE do Conselho reafirmando que: “A aplicação da presente directiva não constitui em caso algum motivo para uma redução do nível geral de protecção das pessoas abrangidas pela presente directiva, já garantido pelos Estados-Membros nos domínios abrangidos pelas Directivas 2008/94/CE, 2009/38/CE, 2002/14/CE, 98/59/CE e 2001/23/CE.”.

X- A interpretação adoptada do artigo 2º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 conduz, no caso concreto a um retrocesso em relação à situação existente nos Estados-Membros no que se refere ao nível geral da protecção dos trabalhadores assalariados no domínio por ela abrangido, pois a regulamentação anterior, revogada por este DL, consideraria atempada a apresentação do referido requerimento, após três meses a declaração de insolvência da entidade patronal.

XI- Dispõe a Constituição da República Portuguesa no art.º 59.º, n.º 3 que os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei sendo o direito à retribuição considerado, de forma reiterada, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias de que mencionamos a título meramente exemplificativo o Acórdão n.º 510/2016, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt. No âmbito dessas garantias especiais se inscreve o mecanismo de pagamento a cargo do Fundo de Garantia Salarial como entendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777.

XII- O Tribunal Constitucional, em vários acórdãos que se debruçaram sobre situações similares, – a rescisão unilateral pelo trabalhador do respectivo contrato de trabalho, por incumprimento, pela entidade empregadora, do dever de pagamento das retribuições devidas – nomeadamente o 328/2018, formulou um juízo de inconstitucionalidade do artigo 2, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 na interpretação adoptada nestes autos quer pela entidade recorrida quer pelo Tribunal Central Administrativo atendendo a que a configuração do prazo constante do referido dispositivo legal torna na prática impossível, ou, pelo menos excessivamente difícil, o exercício do direito do trabalhador credor. Mais recentemente, no acórdão 270/2019, reafirmou a desconformidade constitucional do mesmo preceito quando, como aqui acontece, a declaração de insolvência da entidade empregadora foi precedida da apresentação de um processo especial de revitalização (PER), tendo em conta a fundamentação expressa nos referidos acórdãos do Tribunal Constitucional que inteiramente subscrevemos.

XIII- Com todo o respeito que é muito pela interpretação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, e colocada em sindicância, fez uma aplicação do artigo 2, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, sem questionar o resultado a que chegou no caso concreto do ponto de vista da tutela jurisdicional efectiva que a lei visa ao regular as situações jurídicas, e sem curarem da necessária compatibilidade que o direito interno tem que manifestar com a norma primária de legislação – Constituição da República Portuguesa – e com o direito comunitário XIV- Não está em causa que o legislador tenha poderes para alterar o regime jurídico em causa, para fixar prazos e procedimentos, mas a sua liberdade está confinada a ser um instrumento de realização dos princípios constitucionais e do direito comunitário, o que neste caso se não verifica, na interpretação referida.

XV- No caso concreto, na interpretação professada pelo Tribunal a quo, com todo o respeito, pese embora o diploma em análise manter o direito de os trabalhadores obterem o pagamento dos seus créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial estabelece uma regra procedimental – prazo...

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