Acórdão nº 02145/19.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução05 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO 1.1.

B.

, intentou a presente ação administrativa de impugnação contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA pedindo que seja declarado inválido o ato administrativo consubstanciado na decisão do Ministro da Administração Interna que determinou a aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço e a sua readmissão ao “serviço” da GNR, dando-se como sem efeito a sua dispensa, mantendo-se o seu vínculo funcional enquanto Guarda daquela entidade.” Alega, para tanto, em síntese, que pela decisão final de 24 de maio de 2019 do Senhor Ministro da Administração Interna, foi determinado aplicar-lhe a medida estatutária de dispensa de serviço, nos termos do disposto no artigo 79.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março, (doravante EMGNR); Sucede que, a seu ver, o artigo 79.º do EMGNR é não só formal e organicamente inconstitucional, como materialmente inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade, uma vez que a medida estatutária de dispensa de serviço possui na realidade a natureza de uma sanção disciplinar, pelo que a sua aplicação teria que atender obrigatoriamente aos mesmos pressupostos que permitem a aplicação de uma pena expulsiva; Sustenta ainda que o despacho sindicado é anulável, porquanto a aplicação da sanção estatutária de dispensa de serviço não assentou num qualquer critério ou juízo objetivo quanto às suas condutas anteriores enquanto militar da GNR, uma vez que não lhe foi determinada a aplicação da pena expulsiva de separação de serviço em sede de processos disciplinares, o que demonstra uma ausência de proporcionalidade da decisão.

Conclui pugnando pela procedência da ação.

1.2. Citado, o Réu apresentou contestação pugnando pela improcedência da ação, alegando, em síntese, que as questões da (in)constitucionalidade formal e orgânica, bem como material do artigo 79.º do EMGNR, já foram amplamente discutidas na jurisprudência, tendo os Tribunais (incluindo o Constitucional) decidido sempre pela não inconstitucionalidade da norma em crise, em qualquer das suas vertentes, e que apesar da legislação citada pela jurisprudência sobre essas questões já se encontrar revogada, as questões de direito são exatamente as mesmas, sendo que a previsão desta medida estatutária decorreu da obrigação legal constante do artigo 59.º do RDGNR, tendo este diploma sido aprovado por Lei da Assembleia da República.

Mais invoca que a medida estatutária não viola o princípio da proporcionalidade, concluindo que o artigo 79.º do EMGNR não padece de qualquer inconstitucionalidade, e que a decisão não é arbitrária, porquanto assentou em critérios objetivos e respeita integralmente o princípio da proporcionalidade.

1.3. Proferiu-se despacho saneador que indeferiu o pedido de junção aos autos de certidão de avaliação individual de desempenho do autor, bem como a produção de prova testemunhal, por os autos já conterem todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da ação, dispensou-se a realização da audiência prévia, fixou-se o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) e proferiu-se saneador-sentença que conheceu do mérito da ação.

1.4. O saneador-sentença julgou a ação improcedente, constando do mesmo o seguinte dispositivo: «Em face do exposto: i) Julgo a presente ação administrativa totalmente improcedente, absolvendo-se o Réu «Ministério da Administração Interna» dos pedidos.

ii) Condena-se em custas o Autor.

Registe-se e notifique-se.» 1.5. Inconformado com o saneador-sentença assim proferido, o Autor interpôs o presente recurso jurisdicional formulando as seguintes Conclusões: «A. Tendo a dispensa de serviço do aqui Apelante sido decidida nos termos do disposto no art. 79º do EMGNR, arguiu-se desde logo a inconstitucionalidade orgânica de padece um tal normativo.

B. Um tal art. 79º do EMGNR, seja, do D.L. n.º 30/2017, de 22 de Março, foi emanado pelo governo, por entender o mesmo como sendo uma matéria não reservada à A.R., o que não pode proceder, em razão da possibilidade que através de um tal normativo se disponibiliza, como seja, a cessação de vínculo funcional de militar.

C. Essa medida estatutária é em tudo idêntica a uma qualquer sanção disciplinar, exceptuando no respectivo procedimento para a sua aplicação, não se exigindo para estas a verificação de quaisquer condutas específicas, mas apenas indiciadoras de “notórios desvios”, sem que contudo determine ou gradue tais indiciadores.

D. Consequentemente, essa medida estatutária é atentatória do preceituado no art. 53º da C.R.P., porquanto atinge de forma definitiva e absoluta o direito à segurança no emprego, motivo pelo qual, ao legislar sobre essa medida o Governo legislou sobre uma matéria que nos termos, nos precisos termos do disposto na al. b) do art. 165º da C.R.P., constitui reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

E. Carecia o Governo, sob pena de inconstitucionalidade, da competente autorização da A.R., concluindo-se pela inconstitucionalidade orgânica da norma do art. 79º do EMGNR, porquanto claramente restritiva dos direitos constitucionalmente consagrados no art. 53º da C.R.P., F. Sendo que, nem uma qualquer referência ao carácter não inovatório de uma tal norma poderá fazer “cair” uma tal inconstitucionalidade, na medida em que, se entendêssemos o normativo anteriormente existente como bastante para que o Governo se apresentasse a legislar novamente sobre essa matéria estaríamos a consentir na frustração do imperativo constitucional resultante do art. 165º da C.R.P. no que se reporta às competências legislativas.

G. Neste ponto, aliás, é patente uma clara e ostensiva omissão de pronúncia, por parte do Tribunal “a quo”, que se limitou a aludir à pronúncia anterior por parte dos Tribunais Superiores, sem cuidar de ponderar e, eventualmente, rebater os argumentos aduzidos pelo ora Apelante naquela sua Petição, o que deverá ser reconhecido e declarado com todas as devidas e legais consequências.

H. Não obstante, será aqui de referir que, apesar de não inovador, o normativo do art. 79º do EMGNR “reitera” poderes que, à data, já não se reconheciam ao Governo, uma vez que a autorização que anteriormente havia sido concedida não tinha o “condão” de habilitar, ad eternum, o Governo a legislar sobre uma tal matéria e quando bem o entendesse, I. A observância pelos preceitos constitucionais faz-se, ou deve fazer-se, a cada momento, exigindo-se uma nova autorização para que pudesse o governo legislar sobre matéria que não lhe competia, salvo autorização expressa nesse sentido, pois que sempre se impõe um juízo de conformidade e de actualidade no aferimento da constitucionalidade normativa.

J. Ainda que não inovatória, a norma do art. 79º do EMGNR emanou de poderes legislativos que à data já não se reconheciam ao Governo e, como tal se afiguravam como constitucionalmente inexistentes.

K.

A inconstitucionalidade orgânica agora em causa determina, de per si, a total invalidade, por Nulo ou Anulável, do Despacho proferido no sentido da dispensa de serviço do ora Apelante, nos termos do disposto no art. 161º, n.º 2, als. b) e c, e 163, todos do C.P.A..

SEM PRESCINDIR L. O art. 79º do EMGNR mostra-se ainda como ferido de inconstitucionalidade material, na medida em que, uma tal medida estatutária colide, frontal e cabalmente, com o direito à segurança no emprego, ínsito no art. 53º da C.R.P..

M. Donde, atendendo ao disposto nos nºs 2 e 3 do art. 18º da C.R.P., temos que uma tal restrição de direitos fundamentais terá sempre que observar o princípio da proporcionalidade, bem como o princípio da salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental restringido, o que não sucede no caso presente.

N. Pois que, a amplitude daquele art. 79º do EMGNR, permite a expulsão de um militar, bastando-se com meros indiciadores, sem uma qualquer objectividade, mas unicamente subjectividade, apesar de, no final das contas, representar uma verdadeira sanção, comparável às sanções disciplinares mais graves.

O. A alegada incapacidade moral ou profissional de um militar é atestada sem a necessidade da prática de uma qualquer infracção disciplinar muito grave, mas apenas em razão de um “saneamento” por parte dos serviços da GNR, em clara afronta do preceituado no art. 53º da C.R.P..

P. Inexistem quaisquer critérios que possam “conduzir” à aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço, que efectiva e verdadeiramente possam ser objecto de controlo judicial, não cumprindo, por isso, aquele art. 79º do EMGNR, a função de garantia que se lhe exige, atentas as suas próprias “consequências”.

Q. Estamos perante uma clara afronta do princípio da proibição do excesso (ou princípio da proporcionalidade), expresso no n.º 2 do art. 18º da C.R.P., sendo aquele art. 79º do EMGNR claramente atentador do princípio da justa medida, que decorre naquele normativo constitucional, R. Sem descurar da violação do princípio de salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental, ínsito no n.º 3 daquele art. 18º da C.R.P., atendendo a que, como referido, não cumpre a impreterível função de garantia que tem de pautar toda a qualquer norma que restrinja um direito fundamental.

S. O processo estatutário não carece de prova, mas tão-somente de juízos e conclusões, naturalmente subjectivas, não observando os fundamentos e requisitos que se exigem num qualquer processo disciplinar, o que deveria suceder atendendo à “gravidade” da medida de passível aplicação.

T. Estamos, portanto, perante uma certa...

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