Acórdão nº 00273/10.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelCarlos de Castro Fernandes
Data da Resolução25 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A Representação da Fazenda Pública - RFP (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se julgou procedente a impugnação que D., S.A.

(Recorrida) intentou contra as liquidações adicionais de IRC referentes ao ano de 2005, assim como contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios.

No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões: I – O OBJECTO DO RECURSO I.

Visa o presente recurso reagir contra a sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por D., S.A. relativamente à liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2005.

II.

Não podendo a ora recorrente manifestar concordância com o vertido em tal decisão, entende que as questões a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em saber se a sentença padece de erro de julgamento, de facto e de direito, por ter considerado que: a) a AT não poderia ter procedido a correcções ao lucro tributável, designadamente através do mecanismo dos «Preços de Transferência», após a existência de acordo entre os peritos no âmbito do procedimento destinado à produção da «Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis»; b) a AT não reuniu indícios suficientes da falsidade das facturas; c) a tributação por métodos indirectos padece de erro na quantificação da matéria tributável.

II – ERRO DE JULGAMENTO – A determinação do preço de venda III.

Em 21-03-2005 a impugnante vendeu à «Bolsa Predial de (...), S.A.» os prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia da (...) sob os artigos 2584 e 2478.

IV.

O artigo 2478 foi avaliado nos termos do Código do IMI, devendo o VPT daí resultante ter sido adoptado para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do (então) artigo 58.º-A do Código do IRC.

V.

No sentido de ilidir a presunção resultante da aplicação de tal preceito, a impugnante lançou mão do mecanismo previsto no (então) artigo 129.º do Código do IRC.

VI.

Do debate contraditório previsto no n.º 1 do artigo 92.º da LGT resultou acordo entre os peritos, o que – no entendimento do Tribunal a quo – constituía um obstáculo a que a AT promovesse, ao abrigo do regime dos «Preços de Transferência» consagrado no artigo 58.º do Código do IRC, a determinação do valor normal de mercado do imóvel, dado que essa possibilidade lhe estava vedada por força do n.º 5 daquele artigo 92.º da LGT, conduzindo a que a liquidação padecesse de excesso de quantificação nessa parte.

VII.

No entanto, entende a recorrente inexistir qualquer incompatibilidade na aplicação do regime previsto naquele mecanismo com o regime consagrado nos denominados «Preços de Transferência» e/ou qualquer limitação à aplicabilidade destes no caso em apreço.

VIII.

O facto de não existir qualquer divergência entre o preço declarado e o preço real não significa que não possa ser aplicável o regime dos «Preços de Transferência», porquanto: a) os efeitos resultantes do n.º 5 do artigo 92.º da LGT circunscrevem-se aos ajustamentos consagrados nos n.ºs 2 e 3 do artigo 58.º-A do Código do IRC; b) com a previsão legal dos «Preços de Transferência» não pretendeu o legislador apurar o valor real de venda dos bens (no sentido da sua correspondência com o valor declarado), mas sim impedir que, por força da existência de relações especiais entre os contraentes, se promovam distorções do mercado, visando impossibilitar a transferência de resultados entre essas entidades relacionadas.

IX.

Assim, com o devido respeito, laborou o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, por violação do preceituado nos (então) artigos 58.º, 58.º-A e 129.º, todos do Código do IRC, devendo tais normas ser interpretadas e aplicadas no sentido de que a existência de acordo no âmbito do procedimento aberto para «Prova do preço efectivo da transmissão dos imóveis» não preclude a possibilidade de aplicação do mecanismo dos «Preços de Transferência» para determinar os termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

III – ERRO DE JULGAMENTO – A análise parcelar dos indícios X.

A IT reuniu um conjunto de indícios que permitiam qualificar como falsas algumas das facturas emitidas pelo fornecedor M. à recorrida, os quais terão de ser analisados de forma global e integrada e não como se cada um deles funcionasse autonomamente, de forma estanque e compartimentada.

XI.

O Tribunal procedeu a uma análise segmentada e atomizada dos indícios de falsidade e da prova sobre os mesmos produzida, não estabelecendo quaisquer conexões entre os indícios e os respectivos meios probatórios e não conjugando os diferentes meios de prova admitidos nos autos.

XII.

Por força desta visão parcelar dos indícios carreados pela IT, o Tribunal não logrou percepcionar que, em relação a cada uma das facturas consideradas como falsas, se verificavam vários desses indícios de falsidade, assim incorrendo em erro de julgamento.

IV – ERRO DE JULGAMENTO – A extrapolação de factos genéricos XIII.

Relativamente à organização em geral e modo de funcionamento da impugnante, mormente quanto às relações comerciais com a “Base” do Grupo, às relações com os fornecedores (incluindo o M.) e à sua logística de recepção, armazenamento e inventariação de mercadorias, o Tribunal deu como provados os factos 42. a 61. e 63. a 68.

XIV.

O Tribunal incorreu em erro de julgamento ao ter extrapolado de factos genéricos (os procedimentos adoptados pela impugnante para a maioria das suas relações comerciais, nomeadamente com o M.) factos concretos (os procedimentos adoptados quanto às facturas falsas).

XV.

A aceitar-se a argumentação sustentada em factos genéricos, todas as hipóteses apresentadas pela impugnante se poderão configurar como viáveis e todas as excepções por esta invocadas terão de ser aceites.

XVI.

A posição do Tribunal, no que se refere ao apuramento e apreciação da factualidade, terá sido “contaminada” pela conduta da impugnante, a qual não alegou nem provou factos concretos, precisos e objectivos quanto à veracidade daquelas específicas facturas, limitando-se a descrever procedimentos, circuitos documentais, “possibilidades” que se podem aplicar a uma infindável série de situações.

IV – ERRO DE JULGAMENTO – A valoração da prova testemunhal XVII.

Resulta da sentença que o Tribunal atribuiu uma enorme importância à prova testemunhal, a qual se revelou decisiva para a decisão agora recorrida.

XVIII.

As declarações das testemunhas devem ser objecto de valoração, aplicando-se a regra da livre apreciação da prova e recorrendo a máximas da experiência.

XIX.

O julgador deve apreciar a imparcialidade da testemunha e aferir do interesse ou da vantagem que esta poderá ter no desfecho da lide, avaliando casuisticamente a sua posição e levando em consideração as relações de subordinação ou outras com uma das partes.

XX.

O Tribunal deve discriminar os segmentos de um determinado depoimento que são corroborados ou infirmados pelos demais meios probatórios e explicitar fundamentadamente por que motivo, num certo depoimento, apenas toma em consideração uma parte do discurso testemunhal, não podendo desprezar as declarações contraditórias sobre o mesmo facto.

XXI.

O Tribunal laborou em erro de julgamento por ter valorado incorrectamente o depoimento das testemunhas da impugnante e por, com base na prova testemunhal, ter dado como provados factos que exigiam ou são infirmados pela prova documental ou que são meramente genéricos.

XXII.

As testemunhas da impugnante apresentam uma intensa ligação com a D. e/ou com as outras empresas do grupo, o que não foi tido em conta na decisão agora objecto de recurso.

V – ERRO DE JULGAMENTO - Os indícios de falsidade das facturas XXIII.

O Tribunal incorreu em erro de julgamento, por deficiente aplicação das regras do ónus da prova, previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT e por violação do princípio do dispositivo, estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos do CPC, visto que: a) a AT fez prova da verificação dos pressupostos legais que legitimaram a sua actuação, demonstrando a existência de indícios sérios de que as operações constantes nas facturas em causa são simuladas; b) a impugnante não atacou todos os indícios, apesar de o Tribunal os ter apreciado e valorado na sua decisão.

XXIV.

No que respeita à identificação distinta de algumas facturas, consubstanciada na aposição da letra “A” no extracto de conta-corrente do fornecedor M., considera o Tribunal que “o facto de existir um sistema de identificação diferenciado de determinado grupo de facturas, por si só, nada significa quanto à validade dessas facturas ou das operações comerciais a que se reportam”.

XXV.

No entanto, quando se comprova que essas mesmas facturas partilham com outras uma série de características que, se avaliadas globalmente, indiciam que se trata de facturas falsas, não vemos como pode ser pura e simplesmente ignorado este indício.

XXVI.

Ademais, a justificação trazida pela impugnante para esta identificação com a letra “A” encontra clamorosas excepções e mostra-se totalmente divergente da apresentada pelo próprio emitente das facturas.

XXVII. Por outro lado, não é pela mera circunstância de se ter verificado a entrega das mercadorias (o que, in casu, nem sucedeu) e de existir prova documental do pagamento que uma determinada factura não pode ser qualificada como falsa.

XXVIII.

Quanto à desordenação da indicação dos artigos nas facturas consideradas como falsas, o Tribunal recorrido não tomou em linha de conta que esta característica se verifica em relação à totalidade dos documentos reputados como falsos, não se tratando de uma mera coincidência.

XXIX.

E não se diga que a questão se...

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