Acórdão nº 00474/20.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO 1.1.

L.

, residente na Rua (…), moveu a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, com sede no Paço (…), e contra a FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, com sede na Azinhaga (…), formulando os seguintes pedidos: “a) liminarmente, de modo a acautelar a possibilidade de maior agravamento da situação do A., em face da urgência da definição do direito a acautelar, com fundamento no disposto no art.º 110.º, n.º 3, do CPTA, que o Tribunal opte pelo processamento dos autos nos termos estabelecidos neste preceito, “em moldes que certamente V. Exa. melhor entenda serem adequados ao caso, e/ou, sem prejuízo, determine desde já que o Autor se possa inscrever, provisoriamente até à prolação de Decisão final, no quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina, de tal modo que seja garantida a frequência às aulas que estão a decorrer e o acesso aos elementos necessários a essa frequência”; b) que a presente ação seja julgada procedente, por provada e, consequentemente, que as RR. sejam condenadas a reconhecer que o A. tem direito a inscrever-se no quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina (MIM), garantindo ainda que não decorre qualquer prejuízo ou consequência na sua avaliação em face dessa inscrição só ocorrer neste momento.” Para tanto, alega, em síntese, que ingressou no Mestrado Integrado de Medicina (MIM), na FMUC, no ano de 2015, com a nota de candidatura de 18,7 valores; No entanto, foi obrigado, em situação extrema, a suspender a sua inscrição em 28/02/2018, referente ao segundo semestre do ano letivo de 2018/2019, desistência essa que foi aceite, sendo que, decorrido esse período, apesar de se ter deparado com novas razões de saúde que o limitaram e que continuam a manter-se, redobrou o esforço no sentido de voltar ao seu percurso académico, o que concretizou no ano letivo de 2018/2019, obtendo resultados que lhe permitiram acreditar que poderia, não obstante aquelas razões de saúde, prosseguir o seu projeto de concluir o curso de medicina; No ano letivo de 2019/2020, tentou obter os melhores resultados académicos que lhe foi possível, porém, não obstante o seu esforço, não conseguiu atingir o objetivo a que se havia proposto, não tendo obtido aprovação numa das cadeiras do ano em que se encontrava, tenho-lhe sido transmitido que não poderia apresentar-se a exame numa outra cadeira, com o argumento de que não teria presenças bastantes nas aulas práticas; Logo nessa altura dirigiu-se à FMUC, invocando que não percebia por que razão não estavam registadas as presenças em aulas práticas que efetivamente detinha, e que, por outro lado, no que se refere a setembro de 2019, apresentara justificação médica que atestava a impossibilidade, por razões de saúde, de se deslocar às aulas; Em 13/07/2020, foi-lhe transmitido que já não seria possível alterar as faltas, por ter decorrido o prazo para o efeito, Esta situação decorre, não da inação do aqui A., mas de erro ou lapso dos Serviços Administrativos da FMUC, ao não terem registado, como deviam, todas as suas presenças em aulas práticas, e ao não terem considerado a justificação apresentada para as faltas ocorridas no mês de setembro de 2019, pelo que foi a descrita atuação da FMUC que impediu, objetivamente, o A. de reunir as condições a que tinha direito para obter aprovação nessa cadeira; Apesar de ter promovido junto das RR. todas as medidas que considerou ajustadas no sentido de que fosse permitida a sua inscrição no 4.º ano do MIM, solicitando urgência na decisão, não conseguiu qualquer efeito útil, apesar do tempo entretanto decorrido, porquanto, tendo apresentado reclamação na R. UC em 17/09/2020, apenas veio a ser notificado, por correio eletrónico de 09/10/2020, de que o seu requerimento foi apreciado, tendo nele sido exarado despacho cujo projeto de decisão apontava no sentido do seu indeferimento, com fundamento na aplicação do “ano barreira”, nos termos do qual os estudantes só podiam transitar para o ano curricular subsequente após obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes, o que não foi o caso do A.; Entende que não lhe pode ser vedado o direito a inscrever-se no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, uma vez que não lhe é aplicável o designado “ano barreira”, criado através do Despacho n.º 9881/2016, por a isso se opor a garantia de efetivação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, consagrados na CRP, princípios esses cuja efetivação só será garantida através da aplicação do regime que vigorava aquando da admissão da sua candidatura, no ano de 2015, em que o ciclo de estudos do mestrado integrado de medicina na FMUC não comportava a existência de um qualquer ano barreira, cuja criação ocorreu apenas no ano de 2016, num momento em que já havia concluído o 1.º ano do curso; Sempre importará ter presente, dando-lhe efetiva aplicação, o regime que decorre da aprovação da Lei n.º 38/2020, de 16/08, que estabelece medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e estudantes do ensino superior público, em especial o seu art.º 6.º, sendo que as RR. entenderam que, por o A. não ter obtido aprovação em duas cadeiras, o ano barreira não seria afastado pela aplicação do citado artigo, com o argumento de que esse se destina a mestrados específicos e não a mestrados integrados; A situação que o legislador procurou acautelar, atendendo ao cenário de pandemia existente, foi a possibilidade de os interessados em prosseguir os seus estudos num ciclo de estudos subsequente àquele que frequentam poderem aceder a esse ciclo de estudos, diferenciado, sem necessidade de terem concluído o ciclo de estudos anterior, não podendo valer, para afastar a aplicabilidade do art.º 6.º daquele Decreto-Lei à situação do A., o argumento de que o acesso à fase de mestrado do MIM (4.º ano e seguintes) não depende de qualquer candidatura; Apesar do regime em que esse mestrado se estrutura, não deixa o mesmo de ser integrado por dois ciclos distintos, atribuindo o primeiro, correspondente aos primeiros três anos, precisamente o grau de Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, sendo que a criação do denominado “ano barreira” na FMUC mais o aproxima da situação comum aos mestrados não integrados, em que, em geral, a conclusão da licenciatura é pressuposto/requisito para se poder aceder àqueles; Uma interpretação diversa, além de contrária aos objetivos perseguidos com a aprovação e publicação desta lei especial, levaria a que o citado art.º 6.º permitisse o acesso a mestrados não integrados sem a prévia conclusão da licenciatura e, diversamente, já não o permitisse nos mestrados integrados, com eventual violação, para além do pensamento e intenção legislativos, do princípio da igualdade de tratamento, também constitucionalmente consagrado; O modo de acesso, por candidatura ou não, não se traduz em requisito que o legislador tenha erigido como determinante para distinguir os estudantes quanto à aplicação da norma mas sim, diversamente, a intenção de permitir, excecionalmente, a todos eles o acesso às fases seguintes dos seus estudos, de mestrado ou doutoramento, ainda que não tenham concluído a fase/ciclo anterior – é essa a conclusão que resulta, aliás, da exposição de motivos do projeto e sua discussão; Em face da vigência do aludido art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, bem como do estado atual de dificuldade e incerteza em que vivemos e cuja manutenção durante este ano letivo é de prever, impõe-se, dando cumprimento ao mencionado normativo, que se afirme a suspensão da vigência do ano barreira, por afrontar diretamente e de modo expresso o regime naquele previsto, bem como o objetivo que se pretendeu alcançar com a sua estipulação legal.

1.2. O TAF de Coimbra proferiu despacho liminar, por via do qual determinou a inscrição e admissão imediata e provisória do A. a frequentar o 4.º ano do mestrado integrado em medicina ministrado pelas RR. e convidou o A. a substituir a petição inicial apresentada, para o efeito de requerer a adoção da(s) providência(s) cautelar(es) que entenda adequada(s) à salvaguarda dos seus direitos, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de caducidade do decretamento provisório da providência.

1.3. Inconformado com o referido despacho na parte em que determinou a substituição da p.i. apresentada, o Autor interpôs recurso jurisdicional, tendo este TCAN por acórdão de 27/11/2020 concedido provimento ao recurso, ordenando a baixa dos autos para que os mesmos aí prosseguissem os seus termos como ação urgente de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.

1.4. Citada, a UC contestou, defendendo-se por exceção, invocando a ilegitimidade da FMUC. Sustentando a ilegitimidade passiva da FMUC. Defendeu-se também por impugnação, invocando, em síntese, que do Plano de Estudos do MIM resulta evidenciada a impossibilidade de a UC admitir a inscrição do A. no 4.º ano do MIM, porquanto não reúne o mesmo as condições necessárias para o efeito, considerando que não realizou os 180 ECTS respeitantes aos três primeiros anos do ciclo integrado; Nenhuma dúvida pode existir quanto ao facto de o Plano de Estudos do MIM e as suas regras serem aplicáveis a todos os estudantes que escolhem frequentá-lo, que por eles ficam abrangidos desde o início da sua vigência, sendo que qualquer alteração à estrutura curricular e ao plano de estudos de qualquer curso, sem prejuízo das regras de transição definidas, vigorará automaticamente para todos os alunos neles inscritos; A decisão da UC de não admitir a inscrição do A. no 4.º ano do MIM, por não ter completado os 180 ECTS necessários para transitar do terceiro para o quarto ano, jamais poderá colocar em causa os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos; A realização do percurso escolar definido pelo Plano de Estudos do MIM...

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