Acórdão nº 01078/07.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelTiago Miranda
Data da Resolução08 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* Relatório M., E. e M., contribuintes nºs (…), (…) e (…), na qualidade de sócios da dissolvida sociedade comercial M. & Cª Lda, interpuseram o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 16/6/2011, que julgou improcedente a sua impugnação da liquidação oficiosa de IRC, relativa ao exercício de 2001, no valor total de 1 491.79 €.

Remata a sua alegação com as seguintes conclusões: CONCLUSÕES A. O objecto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 16.06.2011, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada pelos aqui Recorrentes na sequência do indeferimento da reclamação graciosa da liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante IRC) n.° 2005 8310028960, de 30.05.2005, referente ao período de tributação de 2001, no valor de € 1.491,29.

B. A sentença recorrida laborou em manifesto erro de julgamento, por errada valoração da prova produzida, na medida em que ignorou a prova carreada para os autos, da qual resulta, indubitavelmente, que a empresa não possuía, no ano de 2001, qualquer actividade, pelo que não poderia gerar rendimento tributável em sede de IRC.

C. A referência à inexistência de actividade da sociedade consta não só do próprio articulado expendido em sede de impugnação judicial, D. Como, inclusivamente, do próprio pedido efectuado, onde se peticiona que “A Liquidação Oficiosa de IRC com o n.° 2005 00000066796 deverá ser totalmente anulada, por a mesma não ter qualquer fundamento legal, nomeadamente, por não estarem verificados os termos do disposto no art. ° 83. n. ° 1 al. b) do CIRC, atenta a apresentação tempestiva à administração fiscal da declaração modelo 22 relativa à sociedade “M., c.a Lda”, entretanto extinta, referente ao exercício de 2001, ano no qual a sociedade não teve qualquer actividade, bem como por violação do disposto nos artigos 37.°e 38.°do C.P.P.T.

E. Ademais, a afirmação peremptória de que a sociedade não exerceu qualquer actividade foi, por diversas vezes, reiterada pela testemunha ao longo da inquirição de testemunhas, F. Resultando ainda a mesma da prova documental junta aos autos, nomeadamente da declaração de rendimentos Modelo 22 preenchida a zeros.

G. Desta forma, resultando demonstrado nos autos que a sociedade não possuía qualquer actividade, este facto não podia ter sido ignorado pelo Tribunal a quo, o qual deveria ter retirado todas as consequências legais daqui decorrentes, H. Anulando a liquidação objecto de impugnação judicial por esta consubstanciar uma tributação além do que a lei permite e prevê.

I. Sem prejuízo, acresce que o juiz encontra-se adstrito, nos termos do artigo 13.° do CPPT, a um dever de descoberta da verdade material, devendo envidar todos os esforços para alcançar a verdade na tributação.

J. Ora, tendo os factos atinentes à ilegalidade da liquidação — in casu, a falta de actividade, assim como a inexistência de rendimento susceptível de tributação legal – sido alegados e demonstrados, não poderia o Tribunal exonerar-se de se pronunciar quanto à ilegalidade do acto tributário, como aconteceu no caso sub judice.

K. Não se trata aqui de o juiz se substituir às partes ou ao ónus que sobre estas recai nesta matéria mas sim de, em cumprimento do dever de descoberta da verdade material e do princípio do inquisitório, tomar em consideração todos os factos que foram levados ao seu conhecimento.

L. Como tal, laborou em erro o Tribunal a quo quando, ignorando o dever de descoberta da verdade material que sobre si impendia, não tomou em consideração o facto de a sociedade não exercer, em 2001, qualquer actividade capaz de gerar lucro tributável e, consequentemente, originar imposto apagar.

M. Acresce que, está em causa uma tributação que fez tábua rasa do princípio da capacidade contributiva, que decorre da conjugação do n.° 1 do artigo 103.° com o n.° 2 do artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante CRP).

N. Na medida em que, em face do não cumprimento da obrigação declarativa em sede de IRC, serve-se a Administração Fiscal de um aumento do montante de imposto devido, não avaliando a efectiva capacidade contributiva da sociedade, O. Afigurando-se tal tributação como uma verdadeira sanção sobre o sujeito passivo.

P. Ademais, saliente-se que a ilegalidade da liquidação no presente caso consubstancia-se no facto de nem sequer haver lugar ao pagamento de imposto, uma vez que não se verifica o pressuposto basilar de tributação constante do artigo l.° do CIRC.

Q. Nesta medida, esta liquidação só se poderia manter se não houvesse qualquer manifestação por parte do sujeito passivo, o que não sucedeu no presente caso, uma vez que os Recorrentes apresentaram não só reclamação graciosa, como também a declaração de rendimentos Modelo 22, não podendo esta ser desconsiderada.

R. Por último, urge referir que o processo tributário não pode ser entendido como um processo de partes, uma vez que a Administração Fiscal está legalmente obrigada a actuar subordinada ao interesse público, pelo que não pode usar os meios processuais à sua disposição para tributar cegamente os sujeitos passivos mesmo naquelas situações em que notoriamente não há lugar a tributação, como é o presente caso.

S. Em face do exposto, incorreu o Tribunal a quo em vício de erro de julgamento por errada valoração da prova, devendo a decisão proferida ser substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial procedente.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou douto parecer no sentido da procedência do recurso, por ter ficado provada a inexistência de rendimento tributado.

II - Questões a decidir É jurisprudência pacífica que as conclusões do recurso delimitam o seu objecto.

Assim, atentos o teor das conclusões da alegação de recurso, acima transcritas, e a ordem lógica das questões que nelas é possível entreler, importa apreciar: 1º - Se a Sentença recorrida omitiu a pronúncia sobre a prova de um facto sobre um facto alegado ou em todo o caso relevante para a decisão da causa, a saber, que a Sociedade M. e Cª Lda não teve qualquer actividade em 2001.

  1. - Em caso de se dar uma resposta negativa a esta questão, no sentido de que houve tal pronúncia, terá, então, sentido apreciar se houve erro na apreciação da prova quando não se julgou provada aquela inactividade. Mas previamente ter-se-á que apreciar se estão reunidos os requisitos para esta última questão ser apreciada, atento o ónus que para o Recorrente decorre do disposto no artigo 685º-B do CPC em vigor ao tempo da interposição do recurso.

    1. Em qualquer caso e por fim cumprirá apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando o princípio constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva, decorrente da conjugação dos artigos 103º nº 1 e 104º nº 2 da Constituição, e bem assim o artigo 1º do CIRC, ao confirmar na ordem jurídica uma liquidação de IRC por um facto tributário consabidamente inexistente, com base tão só na não entrega em prazo da declaração de rendimentos Modelo 22, a zeros.

    III - Apreciação do objecto do Recurso Recordemos, então, no essencialmente relevante para as questões colocadas, o julgamento da sentença recorrida em matéria de facto: « III. FACTOS PROVADOS Com relevância para a decisão da causa, resulta provada a seguinte factualidade:

    A) A sociedade M. & C.a Lda. tinha como sócios M., E. e M., estando a gerência afecta aos dois primeiros (cfr. doc. 5 junto com a p.i., a fls. 21/22 dos autos).

    B) Em 19/01/2001, a referida sociedade apresentou declaração de cessação de actividade, em sede de IVA, com indicação da data de cessação a 31/12/2000 (cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 15 dos autos).

    C) Por escritura pública lavrada no 5.° Cartório Notarial do Porto, em 15/02/2001, os sócios da supracitada sociedade dissolveram-na (cfr. doc. 2 junto com a p.i., a fls. 13/14 dos autos).

    D) A dissolução e encerramento da liquidação da sociedade foi registada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pela apresentação 03, de 28/02/2001 (cfr. doc. 5 junto com a p.i., a fls. 21/22 dos autos).

    E) Em 15/04/2005, foi emitido pela Direcção-Geral dos Impostos, em nome da sociedade referida em A) e para a sua sede, o aviso n.° 001009212, do qual se extrai, além do mais, o seguinte: “(...) No sistema informático da DGCI não se encontra registada a vossa declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2001, cujo termo do prazo de entrega ocorreu em 2002-05-31 (...).

    Sendo obrigatória a apresentação anual da referida declaração, o não cumprimento desta obrigação, para além de sancionada como contra-ordenação (...) implica a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 83° do Código do IRC.

    Esta liquidação ficará, no entanto, prejudicada se, no prazo de 15 dias, vier a ser apresentada a declaração (...).

    Assim, a apresentação desta declaração é obrigatória, ainda que se tenha verificado a cessação de actividade para efeitos de IVA (...) ou não tenha sido exercida qualquer actividade, devendo, sendo caso disso, ser inscrito o valor “zero” nos campos de preenchimento obrigatório (...) (cfr. doc. 7 junto com a p.i., a fls. 25/26 dos autos).” F) Por carta registada em 02/05/2005, dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, o primeiro impugnante requereu, ao abrigo do art.° 37° do CPPT, a repetição da notificação referida na alínea antecedente, através de carta registada, por estar em causa a “imputação de uma situação que altera a situação contributiva” (cfr. doc. 8 junto com a p.i., a fls. 27/28 dos autos).

    G) Em 30/05/2005, foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n.° 2005 8310028960, ora impugnada, com data limite de...

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