Acórdão nº 00259/05.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*I. Relatório A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 17/12/2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J.

, contribuinte n.º (…), com domicílio na Rua (…), contra a liquidação de IVA e Juros Compensatórios, do exercício de 2000.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A. A Autoridade Tributária e Aduaneira cumpriu o ónus que sobre ela recaia, uma vez que os indícios colhidos em sede inspectiva são sérios, objectivos e consistentes, passíveis de traduzir uma probabilidade elevada, de que as facturas em questão não titulam operações reais.

  1. Os indícios recolhidos na esfera do Recorrido, na qualidade de utilizador das facturas qualificadas como falsas, por não terem subjacentes verdadeiras operações comerciais, foram cruzados com outros indícios relacionados com a actividade das sociedades comercias emitentes.

  2. Contrariamente ao exarado na douta sentença recorrida, os serviços de inspecção tributária analisaram ao detalhe toda a actividade do Recorrido, apurando indícios que, para além de devidamente evidenciados no Relatório, também constam do ponto B dos factos dados como assentes, e de entre os quais destacamos: o tipo de cortiça alegadamente adquirido pelo Recorrido às sociedades C., Lda, e E., não faz parte do tipo de cortiça que estas compravam aos seus fornecedores; as facturas em causa foram alegadamente pagas em numerário, sendo que à data da respectiva quitação o Impugnante ainda não estava inibido do uso de cheques; os pagamentos das aludidas facturas, de acordo com os elementos relevados na contabilidade do Recorrido, foi feito por contrapartida da conta Caixa (111), a qual não comportava a saída de tais montantes, ou seja, não havia dinheiro no Caixa suficiente para dar quitação aos mesmos documentos; a conta Caixa apresentava um saldo credor de € 54.184,01 antes de dar quitação às facturas n.° 1-47 e 1-157, passando para um saldo credor de € 230.393,26, após quitação das referidas facturas; o Impugnante auferiu rendimentos no exercício de 2000 enquadráveis na alínea a) do n.° 1 do art. 1° do CIRS, mas nunca entregou, para o ano em causa, a respectiva declaração de rendimentos, ao arrepio do disposto no art. 57.° do CIRS.

  3. No âmbito da sua actividade instrutória, a Autoridade Tributária e Aduaneira não está impedida de se socorrer de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

  4. Não é questionável a utilização de elementos recolhidos no âmbito de acções inspectivas realizadas aos emitentes das facturas, em sede de inspecção aos destinatários das facturas provenientes daqueles emitentes e, por conseguinte, não devem, nem podem ser ignoradas, indícios concludentes que revelam uma elevadíssima probabilidade de se estar perante operações simuladas.

  5. Mas foi precisamente isto que fez o Meritíssimo juiz a quo, na medida em que não atribui qualquer relevância aos elementos recolhidos pelos serviços de inspecção tributária e vertidos no respectivo Relatório, referentes aos emitentes das facturas, pela simples razão de se ter usado «no relatório factos extraídos de outras Inspecções».

  6. Sobre materialidade fáctica oferecida pela Fazenda Pública, em sede de alegações apresentadas nos termos do art. 120.° do CPPT, o Tribunal o quo não dedicou qualquer análise crítica, apesar de entendermos que ela era imprescindível para se poder aquilatar da elevada probabilidade das facturas in quaestao não traduzirem reais transmissões de mercadorias.

  7. Entre a factualidade que o Meritíssimo juiz a quo não apreciou nem valorou, destacamos: - A C., Lda., emitente da factura n.° 1-157 de 09.05.2000, já tinha sido objecto de acção de inspecção que abrangeu os exercícios de 1993 a 1998. No âmbito da referida fiscalização ficou demonstrado que, nos períodos em causa, a sociedade C., Lda., era uma usual emitente e utilizadora de facturas falsas. Por sua vez, as liquidações emitidas na sequência do referido procedimento de inspecção tributária foram confirmadas na ordem jurídica por sentença proferida pelo TAF de Viseu, em 24.05.2004 (cfr. doc. 1 anexo às alegações).

    - A E., Lda., emitente da factura n.° 1-47 de 05.05.2000, também já tinha sido objecto de acção de inspecção que abrangeu os exercícios de 1993 a 1998. No decurso da referida fiscalização ficou demonstrado que, nos períodos em causa a sociedade E., Lda., era uma usual emitente e utilizadora de facturas falsas. Por sua vez, as liquidações emitidas na sequência do referido procedimento de inspecção tributária foram confirmadas na ordem jurídica por sentenças proferidas pelo TAF de Viseu, em 24.05.2004 e 03.12.2004 (cfr. doc. 2 e 3 anexos às alegações).

    - Estas duas empresas persistiram na emissão e utilização de facturas falsas, nos exercícios de 2000 a 2002. Disso dão conta os factos evidenciados nos RIT, elaborados no âmbito dos procedimentos instaurados ao abrigo das ordens de serviço n.°s 32.792 de 17.02.2003 e 32.492 de 24.09.2002 (cfr. doc. 4 e 5 anexos às alegações).

    - Quer a sociedade E., Lda., quer a sociedade C., Lda., foram constituídas arguidas no processo-crime autuado sob o n.° 43103.5IDAVR, no 2.° Juízo Criminal do TJSM da Feira (cfr. doc. 6 - páginas 1 e seguintes da sentença anexas às alegações).

    - No âmbito do referido processo, foi proferida sentença em 25.05.2012, onde foi dado como provado, relativamente aos anos de 1999 a 2003, que aquelas empresas utilizavam e emitiam facturas falsas.

    - Ainda no âmbito do mesmo processo-crime foi apurado que o prejuízo causado por estas duas empresas, em sede de IVA, com a emissão e utilização de facturas falsas, nos anos de 1999 a 2003, totalizou a verba de €11.227.576,88 (cfr. doc. 6 - página 1183 da sentença anexa às alegações).

    - Pela sua conduta criminosa a E., Lda. foi condenada na pena de 1100 dias de multa, à taxa diária de € 10, perfazendo € 11.000,00 e a C., Lda. foi condenada na pena de 1000 dias de multa, à taxa diária de € 10, perfazendo € 10.000,00 (cfr. doc. 6 - página 1183 da sentença anexa às alegações).

    l. Face ao quadro indiciário que suporta a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira, no sentido de que as facturas em causa não se reportam a serviços efectivos (cumprido que está, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia) impunha-se ao Impugnante, fazer a prova de que adquiriu a cortiça nelas mencionada e que a mesma foi efectivamente fornecida pelos emitentes das facturas.

  8. Ónus que, inquestionavelmente não cumpriu, atenta factualidade dada como provada.

  9. Entendemos, assim, que a douta sentença recorrida, ressalvado o devido respeito, - Padece de erro de julgamento de facto, consubstanciado numa incorrecta apreciação e valoração da matéria de facto dada como assente, e, concomitantemente, em errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas que regem o ónus da prova e o direito à dedução do IVA (cfr. artigos 74.° da LGT, 19.º, n.° 3, do CIVA, 125.°, n.° 1 do CPPT e 607.°, n.° 4 do CPC); - E incorre também em erro de julgamento ao realizar uma incorrecta valoração dos factos evidenciados nos autos e ao operar uma deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida (cfr. art. 125.°, n.° 1 do CPPT).

    Nos termos vindos de expor e nos que V.as. Exas, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a decisão por outra que julgue a Impugnação Judicial improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.”**** O Recorrido não contra-alegou.

    **** O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento e, consequentemente, dever ser revogada a sentença recorrida e julgada a impugnação judicial improcedente.

    **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.

    **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não estarem verificados os pressupostos legais que legitimam a actuação da AT em recusar o direito à dedução de IVA por existência de “facturação falsa”.

    1. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: «III-A – Factos provados Com interesse para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos: A). A Impugnante foi objecto de acção inspectiva, relativa ao período de 2000, cfr. Relatório da Inspecção Tributária de fls. 1 a 29 do Processo Administrativo (PA).

      B). Foi seguidamente elaborado o respectivo Relatório, que se encontra junto a fls. 1 a 51 do PA, e aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os...

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