Acórdão nº 00098/06.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCarlos de Castro Fernandes
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I – A Representação da Fazenda Pública – RFP (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida por I., Lda.

(Recorrida) contra a liquidação de IRC do ano de 2003.

No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões: I A acima identificada impugnante, veio apresentar impugnação judicial, nos termos dos arts. 992 e seguintes do CPPT, requerendo a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao exercício de 2003, melhor identificada nos autos.

II A liquidação impugnada teve na sua origem numa acção de inspecção, realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Braga, no âmbito da qual foram desconsiderados os custos suportados com a intermediação de contratos de venda, relativamente aos quais não existiam documentos externos que comprovassem a existência dos mesmos.

III No que ao exercício de 2003 respeita, e como tais custos tiveram como beneficiária a "C., Ltd", empresa sediada num dos Paraísos Fiscais listados na Portaria 1272/2001, de 9/11, os custos com comissões foram desconsiderados, atento o disposto no art. 59º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).

IV O M. Juiz "a quo", deu como provados os factos enunciados sob os ns.2 1 a 12 da douta sentença recorrida, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, tendo concluído, com base nos mesmos, e depois de analisada a prova documental e testemunhal, que a impugnante conseguiu provar que os custos que não foram aceites pela IT (relativos a comissões) correspondiam a operações reais.

VI Ora, é entendimento da Fazenda Pública, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que a douta sentença recorrida enferma de errada interpretação dos factos, e consequente aplicação da lei, senão vejamos, VII Tal como é referido na douta sentença recorrida, a questão que se coloca é a de saber se a prova apresentada pela impugnante é suficiente para comprovar se os custos desconsiderados pela IT, correspondem ou não a operações reais. Entende a FP que não, pelos motivos que passamos a explanar.

VIII A ora impugnante, e como já foi referido, foi objecto de uma acção inspectiva, no âmbito da qual foram desconsiderados os custos suportados com a intermediação de contratos de venda, relativamente aos quais não existiam documentos externos que os comprovassem, atento o disposto no art. 59º do CIRC.

IX O art. 59º do CIRC dentro das chamadas medidas anti-abuso, tenta controlar a deslocalização de rendimentos para países com regime fiscal claramente mais favorável. os designados paraísos fiscais, estabelecendo que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar, conforme dispõe o nº 1 do artigo, que: • correspondem a operações efectivamente realizadas • não têm um carácter anormal • não são de montante exagerado X Nos termos do nº 4, devem os sujeitos passivos comprovar que as condições exigidas no nº 1 do citado artigo se verificam.

XI Trata-se de uma situação de inversão do ónus da prova, pelo que cabia à impugnante provar a veracidade das operações realizadas.

XII No caso em apreço, a relação comercial que a impugnante alega ter efectivamente existido trata-se de um serviço de um comissionista sediado nas Ilhas Virgens e que terá realizado o serviço de angariação de clientes no território brasileiro.

XIII Ora, um vulgar serviço de angariação de clientela implica, desde logo, a realização de inúmeras diligências quer preparatórias quer no decurso da relação comercial, tais como envio de fax's, cartas, e-mail's, estabelecimento de acordo quanto aos termos e condições da relação comercial a estabelecer, termos e condições que é usual reduzir a escrito para salvaguarda dos interesses de cada uma das partes.

XIV Documentos que nunca foram apresentados pela impugnante, e que a existir a referida relação comercial, não seriam difíceis de juntar.

XV Por outro lado, a própria impugnante no decurso da acção inspectiva, aquando da resposta à notificação para vir exercer o direito de audição do projecto de Relatório de Inspecção Tributária (de acordo com o disposto no art. 60º da Lei Geral Tributária e 60º do RCPIT) referiu a existência de um contrato escrito entre as partes (cr. documento que se encontra junto ao autos a fls. do processo administrativo): " ... como tal apenas queremos fazer prova de que os custos deverão ser aceites, pois temos documentos que comprovam a veracidade dos mesmos assim como o contrato entre ambas as partes que a gerência possui.

Pretendemos para os custos em causa fornecer contrato existente entre as partes, assim como toda a facturação subjacente aos mesmos." XVI Contrato escrito cuja existência foi, inclusive, confirmada pelas testemunhas S. (cujo depoimento ficou gravado na cassete nº 1, lado A, das 14 rotações até às 1590 rotações) e S. (cujo depoimento ficou gravado na cassete nº 1, lado A, das 1591 até às 618 rotações do lado B), funcionárias da impugnante.

XVII Tendo, no entanto, sido desmentida a sua existência pela testemunha N. (cujo depoimento ficou gravado na cassete nº 1, lado B, das 619 rotações até às 2315 rotações), que referiu que nunca houve qualquer contrato escrito com a impugnante.

XVIII E mais tarde pela própria impugnante, após ter sido notificada pelo tribunal para juntar aos autos o contrato celebrado entre ela e a "C., ltd", XIX Situação que não se compreende e que não se pode deixar de estranhar e que desde logo coloca em causa quer a veracidade das vendas em causa nos autos, bem como dos depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.

XX De referir, ainda, que a impugnante além dos documentos acima referidos poderia ter junto aos autos as facturas emitidas pelo comissionista (que existirão a ser verdade a relação comercial que invoca), o que também não fez.

XXI Por último, não podemos deixar de mencionar, a reserva apontada no ponto 7 da Certificação Legal de Contas para o exercício de 2003, elaborada a 13.09.2004, em que foram postos em causa os encargos em questão (cfr. informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária, datada de 16.10.2006, que se encontra junta aos autos a fls...). que a seguir transcrevemos: ... nas rubricas "Fornecimentos e Serviços Externos" e "Custos extraordinários - Correcções relativas a exercícios anteriores" os montantes de, aproximadamente, 149.000Euros e 176.000Euros, respectivamente, relativos a diversos encargos com comissões de intermediação em vendas realizadas no período de 2000 a 2003. Contudo, não obtivemos suficiente documentação que nos permitisse analisar a razoabilidade daqueles encargos.

XXII Face ao exposto e atenta a prova documental e testemunhal constante dos autos, apresentada pela impugnante, entende a FP, que não poderia ter sido dado como provado o facto enunciado sob o n.º7, bem como os factos enunciados sob os ns.º 8, 9 e 10, caso estes se reportem à relação comercial dada como provada no facto n.º 7.

XXIII Assim, ao decidir como decidiu o M.mo Juiz "a quo" fez uma errada apreciação da prova produzida nos autos e consequentemente aplicação...

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