Acórdão nº 00492/19.4BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * I Relatório O Município (...), devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que, em 31 de março de 2020, julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela incompetente para conhecer a presente ação, por preterição de tribunal arbitral.

Em alegações, o Recorrente/Município formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “1ª O teor literal do nº 3º da cláusula 9ª do contrato de fornecimento junto com a Petição Inicial como documento nº 2, e da cláusula 10ª do contrato de recolha de efluentes junto com a Petição Inicial como documento nº 3, exceciona da sujeição ao Tribunal Arbitral as questões relativas a faturação, ao seu pagamento ou falta dele, sendo-lhe apenas obrigatoriamente submetidas, fruto da referida convenção, «todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato».

  1. Na Petição Inicial o Autor referiu expressamente estarem em causa questões de faturação, mais concretamente de não pagamento da totalidade das quantias faturadas.

  2. Por erro de julgamento, entendeu o TAF de Mirandela que a causa de pedir alegada na Petição Inicial dizia respeito a questões de interpretação ou execução dos contratos em causa, desvalorizando a falta de pagamento expressamente alegada, e considerando tal como «questões pontuais e eventualmente de menor complexidade».

  3. Alegar o não pagamento de 46.505,43 € (em razão de faturação indevida) é questão de faturação, concretamente de falta de pagamento, e não é questão pontual e de menor complexidade.

  4. Nos artigos 60º a 63º da Petição, o Autor referiu-se a faturação em excesso no período compreendido entre 1 de junho e 20 de novembro de 2019, remetendo para o documento junto sob o nº 12, no qual constam expressamente identificadas as 19 (dezanove) faturas colocadas em causa pelo Autor, emitidas pela Ré no período compreendido entre 1 de junho e 20 de novembro de 2019, e aí constam os números das faturas, as datas de emissão, a sua descrição e os valores, bem como constam os valores pagos pelo Município, os valores não pagos, e o número dos ofícios e datas através dos quais aquelas faturas foram devolvidas à então ATMAD e solicitada a emissão da competente nota de crédito.

  5. Essa circunstância, esses dados, consubstanciam por forma inequívoca questão relativa à faturação, ao seu pagamento, ou falta dele.

  6. A ordem ou a sequência de formulação dos pedidos não constitui indicador absoluto da sua decrescente importância e, no caso concreto, o pedido principal formulado pelo Autor, o que verdadeiramente lhe interessa, é o que consta formalmente em 4º lugar, isto é, que seja reconhecida a existência de faturação indevida, que não tem que pagar, a quantia de 46.505,43 €.

  7. Porque o Autor não poderia ter formulado esse pedido (o único que lhe interessa) de forma desgarrada e/ou descontextualizada, formulou antes pedidos meramente instrumentais, que ao pedido principal haveriam de conduzir e a fim de o suportar.

  8. Aquelas cláusulas 9ª do contrato de fornecimento e 10ª do contrato de recolha de afluentes, quando referem que cada uma das partes poderá a todo o momento recorrer à arbitragem, à qual poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução dos contratos com exceção das respeitantes à faturação e ao seu pagamento ou falta dele, não estão a excluir, por forma expressa, o recurso ao Tribunal, que jamais poderá ser restringido, limitado ou diminuído.

    10º Aquelas cláusulas devem antes ser entendidas como uma hipótese, como uma possibilidade, como uma alternativa, que ficou na disponibilidade de cada uma das partes exercer ou não. Aliás, se essa tivesse sido a vontade das partes, as mesmas teriam escrito algo mais objetivo, que lhe atribuísse cunho de obrigatoriedade/imperatividade.

  9. Prevendo-se em convenção de arbitragem que “Ao tribunal arbitral poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com excepção das respeitantes à facturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele”, não fica preterida essa instância quando o Autora peticiona em juízo o reconhecimento de valores indevidamente faturados e se considere legítima a falta de pagamento dos mesmos.

  10. Em face da causa de pedir submetida a juízo, tratando-se de questões de faturação e pagamento, mais concretamente de falta de pagamento, dos valores constantes nas faturas identificadas, a apreciação do litígio em causa é da competência do TAF de Mirandela, e não do Tribunal Arbitral.

  11. Ao assim não considerar, a sentença recorrida incorreu em erro de apreciação ou de julgamento, que importa reconhecer e declarar, devendo, em consequência, ser a mesma revogada, com consequente baixa dos autos à 1ª instância, para os autos aí prosseguirem a sua ulterior tramitação.

    Nestes termos, nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vª Exª, deve o presente recurso ser admitido e, a final, considerado procedente, devendo, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e ordenada a baixa dos autos ao TAF de Mirandela para que os mesmos aí prossigam os seus ulteriores termos.” Notificado que foi para o efeito, a Recorrida/Águas (...) não apresentou contra-alegações de Recurso.

    Em 24 de novembro de 2020 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.

    O Ministério Público junto deste Tribunal Superior, notificado em 13 de janeiro de 2021, emitiu Parecer no próprio dia, no qual, a final, se pronuncia no sentido de “que o presente recurso não merece provimento”.

    Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II - Questões a apreciar As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar se os vícios alegados pelo Recorrente se mostram procedentes, designadamente, verificando se a decisão judicial recorrida, ao declarar-se absolutamente incompetente para a apreciação da presente ação, “incorreu em erro de apreciação ou de julgamento”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Arteº 140º CPTA.

    III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz: “1. Por contrato de concessão outorgado em 26.10.2001 entre o Estado Português e a Águas (...), S.A., foi por aquele concedido a esta, pelo prazo de 30 anos e em regime de exclusividade, a concessão da exploração e gestão, abrangendo a conceção, construção de obras e equipamentos, bem como a exploração, reparação, renovação e manutenção, do sistema multimunicipal de abastecimento de água em alta e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, de diversos municípios, entre os quais o Município (...) (cfr. doc. 1 da p.i.).

    1. Em 26.10.2001, entre o Autor e a Águas (...), S.A., foi outorgado um contrato de fornecimento de água, destinada ao abastecimento público, denominado “Contrato de Fornecimento entre o Município (...) e a Águas (...), S.A.”, com o seguinte teor parcial: “(…) (Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância (Artº 663º nº 6 CPC).

      (…)” (cfr. doc. 2 da p.i.).

    2. Na mesma data, entre o Autor e a Águas (...), S.A. foi outorgado um contrato de recolha de efluentes, denominado “Contrato de Recolha de Efluentes entre o Município (...) e a Águas (...), S.A.”, com o seguinte teor parcial: “(…) (Dá-se por reproduzido o documento fac-similado...

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