Acórdão nº 00333/21.2BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório D. e M., inconformados com a sentença proferida em 2021-07-19 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal por si interposta contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Felgueiras que indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas de IRC exequendas nos processos n.ºs 1775200501047957; 1775200501052187 e 1775200701011650 referentes, respetivamente, a dívidas de IRC de 2001, a dívidas de IRC de 2002 e 2004; e a dívidas de IRC de 2005, vêm dela interpor o presente recurso.

Os Recorrentes encerram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: A.

A prescrição das obrigações tributárias encontra o seu fundamento em razões de certeza e segurança jurídicas e inscreve-se no âmbito das garantias dos contribuintes, motivo pelo qual a alteração das suas regras deve usar de reforçada ponderação, por parte do legislador, nomeadamente sempre que de tal alteração resulte uma extensão do mesmo prazo.

B.

É de sublinhar que o prazo geral de prescrição das obrigações é de 20 anos, tendo o legislador tributário pretendido (precisamente em nome da certeza e segurança jurídicas e em prol das especificidades da relação jurídico-tributária, que determinam a adequação do prazo à celeridade da vida económica e as acrescidas necessidades da certeza e segurança jurídicas) um encurtamento desse prazo, inicialmente fixado em 10 anos e depois reduzido para 8 anos, demonstrando uma evidente intenção de encurtamento do prazo manifestada pelo legislador na lei de autorização que presidiu à publicação da LGT.

C.

No que respeita aos efeitos das causas suspensivas e interruptivas no decurso do prazo prescricional, é de entender que ambas produzem os seus efeitos típicos, sendo que, no caso da sucessão de regimes relativos à eliminação da regra da degeneração da interrupção em suspensão (em determinados casos), a mesma não afasta a aplicação da regra de que a interrupção apenas tem lugar uma única vez (mesmo que na vigência da lei anterior), hoje consagrada no n.º 3 do artigo 49.º da LGT, mas já antes defendida como princípio geral pela jurisprudência maioritária dos tribunais superiores que especificamente respeita às causas interruptivas.

D.

Deve ainda considerar-se que, quer na redação anterior, quer na atual redação da norma constante do artigo 49.º da LGT, tais efeitos de interrupção da prescrição são instantâneos e determinam a abertura de um novo prazo de prescrição.

E.

Essa é a interpretação mais consentânea quer com o espírito quer com a letra da lei, rejeitando-se a tese da “interrupção duradoura” que vem sendo acolhida por parte da doutrina e da jurisprudência.

F.

No domínio das alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2007, de 29 de Dezembro no artigo 49.º da LGT, estas constituem uma opção legislativa (sem precedente histórico), evidenciando a intenção de promover o alargamento do prazo de prescrição, não assumida expressamente (na medida em que o prazo de 8 anos se manteve intocado), mas indiscutível.

G.

O alargamento do prazo prescricional decorre do facto de o atual regime ter mantido a regra de que as causas suspensivas se prolongam até ao trânsito em julgado do processo na sua origem, combinada com o simultâneo desaparecimento da regra de convolação das causas interruptivas em suspensivas por decurso do prazo de um ano de paragem do processo por causa não imputável ao sujeito passivo.

H.

Esta situação, não raras vezes, conduzirá a um claro alargamento do prazo de prescrição que decorre da alteração das regras da sua contagem, o que não foi precedido nem acompanhado de quaisquer motivos que hajam determinado o legislador a esta opção.

I.

O novo regime traduz-se, de forma absolutamente inédita, numa clara diminuição das garantias dos contribuintes e numa consequente redução da certeza e segurança jurídicas (que haviam determinado anteriormente o encurtamento do prazo), sem que tal sacrifício dos princípios mencionados assente em qualquer argumento que não a nova valoração legislativa.

J. Como se refere na obra, do Mestre Rui Marques. O ESTRANHO CASO DAS DÍVIDAS FISCAIS NUNCA PRESCRITAS: A INTERRUPÇÃO PELA CITAÇÃO: “A norma do art. 327.º, n.º 1, do Código Civil, recorde-se, é uma norma excepcional, pois determina que, sendo a citação a causa interruptiva, o prazo de prescrição apenas se inicia após extinto o processo de execução.” K.

No plano tributário, à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado não deve ser reconhecido o efeito duradouro previsto no art.º 327.º, n.º 1 do Código Civil, porquanto a prescrição é matéria de garantias dos contribuintes, sujeita ao princípio da legalidade tributária (art.ºs 103.º, n.º 2, da Constituição, e 8.º, da LGT) não havendo lugar à aplicação subsidiária do n.º 1 do art.º 327.º do Código Civil e sendo esta aplicação violadora das garantias dos contribuintes.

L.

O efeito duradouro é próprio dos factos suspensivos da prescrição, que passaram a estar previstos, justamente, na LGT (art.º 49.º, n.ºs 4 e 5).

M.

O Legislador, na LGT, quis consagrar causas suspensivas do prazo de prescrição, não se pretendendo socorrer, cegamente, do efeito suspensivo de uma causa interruptiva (a citação) operado por uma norma geral de mera aplicação subsidiária no Direito Tributário.

N. E tanto assim nos parece que o Legislador quis estabelecer no art.º 49.º, n.º 4, alínea b), da LGT, que o prazo de prescrição legal suspende-se enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, no caso de oposição à execução, quando esta determine a suspensão da cobrança da dívida, pelo que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete sempre presumirá que o Legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3, da LGT. (sublinhado nosso)) O. Não se pretendendo que a citação, sendo um ato instantâneo e não um “processo”, tenha um efeito duradouro sobre a interrupção do prazo de prescrição, bastando-se com a inutilização de todo o prazo decorrido anteriormente.

P.

A própria citação (aqui, a causa interruptiva), sendo efetuada pela Administração Fiscal, não tem natureza judicial. Não fazendo, pois, qualquer sentido exigir da Administração uma decisão transitada “em julgado” a pôr termo ao processo, como se tratasse de uma “primeira instância jurisdicional”, ao arrepio de toda a evolução histórico-legislativa.

Q.

Também por esta razão não podendo, manifestamente, ser aplicada a norma do Código Civil à execução fiscal.

R. Aliás, nos termos do art.º 176.º, do CPPT, ao processo de execução fiscal apenas pode ser posto termo (isto é, extinto), grosso modo, em caso de pagamento da quantia exequenda e do acrescido ou em caso de anulação da dívida. Donde que, paga ou anulada a dívida - portanto, inexistente -, e, ademais, extinto o processo de execução fiscal, de todo não se vislumbra como possa ter aplicação o disposto no art.º 327.º, n.º 1, do Código Civil, isto é, como possa ter-se como reiniciado o prazo de prescrição.

S.

Por esta via, eternizar-se-ia a exigibilidade do crédito, porque nunca verificada a prescrição, já que a interrupção ocasionada pela citação permitiria que o prazo prescricional, entretanto inutilizado, não viesse a reiniciar-se.

T. A aplicação cega da norma do art.º 327.º, n.º 1, do Código Civil às dívidas tributárias levaria, não a um efeito duradouro da interrupção ocasionada pela citação (desejado pelo Legislador quanto às dívidas civis, até ao termo do processo), mas a uma eternização dessa interrupção.

U.

Em lugar de a prescrição se impor, ex lege e contra a sua vontade, ao titular do direito creditício, este é que decidiria se a mesma alguma vez se poderia verificar, o que não sucede nas relações entre particulares, perdendo qualquer sentido, por inútil, a norma do art.º 175.º, do CPPT, que estabelece um dever (e não uma mera faculdade) de conhecimento oficioso da prescrição, pelo órgão de execução fiscal ou pelo juiz.

V.

A Administração, desde que realizasse a citação (como sucede, praticamente, sem exceções, em qualquer processo de execução fiscal), poderia perseguir, eternamente, o património do executado, enquanto não “decidisse” o contrário.

W. Verifica-se, pois, manifestamente, a «razão justificativa da prescrição», e daí que o efeito interruptivo da prescrição operado pela citação deva ser apenas, e tão-somente, instantâneo, inutilizando-se o prazo já decorrido (o que não é coisa pouca) e reiniciando-se o mesmo sem demoras.

X.

Como nos diz AMÉRICO BRÁS CARLOS, refutando a aplicação do art.º 327.º, n.º 1, do Código Civil, à execução fiscal: «É que se na relação entre privados bem se entende a regra do não decurso do prazo para execução da dívida, enquanto não tenham transitado em julgado as questões a dirimir, porque impeditivas da realização do direito do credor, tal não ocorre em sede tributária. A regra em matéria de impostos é, no afloramento do brocardo latino “solve et repete”, a de que a discussão da legalidade do crédito tributário não suspende o direito do Fisco a prosseguir até ao fim o processo tendente à cobrança coerciva do seu crédito». «A menos que o executado tributário preste garantia idónea (v. art.º 52.º, n.º 2 a LGT e art.º 199.º do CPPT) ou os bens e direitos penhorados no processo de execução fiscal garantam a totalidade da dívida exequenda e o acrescido (art.º 169.º do CPPT), a discussão da legalidade da dívida não suspende a cobrança do crédito tributário».

Y.

Em face do exposto, pela análise do teor do n.º 2, do art.º 327.º, do Código Civil, se pode também concluir que o n.º 1 deste mesmo artigo não pode ser aplicado às dívidas tributárias, tanto mais que, a sujeição das normas reguladoras da prescrição ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal...

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