Acórdão nº 00454/14.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução22 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* Ministério da Administração Interna (Praça (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, que julgou procedente acção administrativa especial intentada por F.

(Lugar (…)), anulando decisão punitiva disciplinar.

O recorrente conclui: I) A douta sentença errou quando considerou que o despacho punitivo incorrera em erro sobre os pressupostos de facto, já que não infirmou a materialidade dos factos constantes dos artigos 1° a 3° da Acusação do processo disciplinar; II) E errou igualmente quando assinalou a existência de um erro sobre os pressupostos de direito, por, a seu ver, ter considerado os factos constantes dos artigos 1° a 3° da Acusação "para a definição da pena a aplicar (..), valorando a conduta em causa para efeitos de definição da sanção a aplicar”.

Com efeito, III) O Ministério, ora Recorrente, entende que a Lei exige dos elementos policiais um comportamento, quer no serviço, quer fora dele, que não foi observado pelo Recorrido.

IV) A conduta do ora Recorrido para além de ter violado os deveres funcionais indicados na Acusação e no despacho punitivo incumpriu grosseiramente a definição de "condição policial” que consta do artigo 4° do Estatuto Profissional do pessoal com funções policiais (EP/PSP), aprovado pelo Decreto-Lei n° 243/2015; V) E o mesmo se diga do princípio fixado no artigo 4° da Orgânica da PSP, aprovada pela Lei n° 53/2007: "A PSP não pode dirimir conflitos de natureza privada, devendo nesses casos, limitar a sua ação da manutenção da ordem pública"; VI) Para o Recorrente, a matéria provada no processo criminal e no processo disciplinar configura um retrato da atuação do ora Recorrido que está longe de corresponder às exigências legais e à conceção que a Corporação e o Ministério têm da condição policial; VII) E a Corporação e o Ministério são as entidades competentes, de acordo com a lei (cfr. artigos 18°, 19° e 43° do RD/PSP), para procederem à avaliação disciplinar da conduta do ora Recorrido. De facto, VIII) Elas são detentoras do poder disciplinar, cabendo-lhes exercer o poder discricionário inscrito e delimitado no artigo 43° do RD/PSP; IX) O Tribunal, de acordo com jurisprudência pacífica e constante, só pode afastar a avaliação disciplinar da autoridade administrativa perante a evidência de um uso indevido dos poderes discricionários constitutivos do poder disciplinar.

O recorrido não contra-alegou.

*Ultrapassada já nos autos questão relativa à prescrição, subsiste «Saber se estão verificados os pressupostos para a anulação ou substituição da decisão punitiva por inexistência dos pressupostos de facto em que a mesma assenta».

*A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada para efeitos do art.º 146º do CPTA, deu parecer no sentido da procedência do recurso.

*Dispensando vistos, cumpre decidir.

*Os factos, que a decisão recorrida deu como provados: A. Em 5.12.2007, deu entrada nas instalações da Direcção Nacional da PSP missiva subscrita por A. e M. à qual se juntou: - Despacho da Digna Magistrada do Ministério Público de (...), de data ignota, com o seguinte teor: «Valido a constituição como arguido de F. efectuada nestes serviços do Ministério Público (…) - Relato de A. dirigido ao Director da PJ de Coimbra, donde se retira o seguinte: (…) Vem participar criminalmente contra (…) F.

(…) O que faz nos termos e fundamentos seguintes: 1º No mês de Maio de 2007, em dia que o denunciante não consegue precisar, o ora denunciado F. e a sua esposa A., deslocaram-se à residência do ora denunciante com o objectivo de receberem uma suposta dívida no valor de mil euros.

  1. Dívida que, segundo o denunciado, a Firma V. Lda., na qual a esposa do denunciante detinha uma participação social supostamente teria para com a esposa do denunciado há já 3 anos enquanto ex-trabalhadora daquela.

  2. O ora denunciante explicou então que não era sócio nem gerente da referida firma mas que era apenas familiar dos sócios da mesma e que, portanto, embora desconhecendo se a dívida existiria ou não ou até mesmo se a mesma já teria prescrito, nada tinha a ver com a mesma.

  3. Perante esta explicação o ora denunciado, aparentemente, aceitou-a, no entanto, alguns dias depois telefonou ao ora denunciante ameaçando este de que, se não pagasse a referida dívida, iria recorrer à solução de cobrança de dívidas difíceis, podendo, o ora denunciante, receber uma visita nesse sentido.

  4. Tal desiderato veio a confirmar-se em 16/06/07, quando o segundo denunciado se fez transportar no seu veículo de matrícula XX-XX-XX, até à habitação do denunciante, transportando um outro indivíduo que se veio a apurar ser o denunciado A..

  5. O ora denunciando, A., ao chegar junto da habitação do denunciante, recebeu instruções do denunciado F., no sentido de abordar o denunciante por forma a tentar receber, fosse de que forma fosse, a quantia já mencionada, posto o que o denunciado F. se afastou cerca de duzentos metros, aguardando pelo resultado da investida do mencionado A..

  6. Este último deslocou-se então à habitação do denunciante e falou com a esposa do mesmo a perguntar pelo denunciante, tendo sido informado que vinha cobrar duas dívidas, uma da senhora A. e outra da senhora L., também esta uma ex-funcionária da mencionada firma.

  7. Assim, ao ser informado que o denunciante não se encontrava em casa, o denunciado A. deixou a promessa de que viria mais tarde tendo tal acontecido no dia 21/06/07 pelas 15h45m.

  8. Com efeito, nesta data o denunciante ao ser confrontado com esta situação e temendo pela sua, assim como da sua esposa, integridade física, bom nome e saúde, solicitou o auxílio dos agentes da posto da GNR de (...), tendo os mesmos procedido à identificação do denunciado A., que até então era desconhecido do denunciante.

  9. Na altura em que estava a ser efectuada a identificação do denunciado pelo agente da GNR, Sr M., o ora denunciado, F., surgiu descontrolado e sugeriu que se identificasse também o agente identificador.

  10. Após este episódio, o ora denunciante, começou a receber ameaças para o seu telefone fixo, sendo que a última foi feita no dia 26/06/07 às 00h30m nos seguintes termos: "se não pagas, estás fodido pois tens a rede montada, és um caloteiro! Vou-te foder a ti e à tua família, nem que para isso tenha que te matar!".

    (…) Ao actuar da forma descrita os denunciados tinham o propósito de coagir, ameaçar e injuriar o denunciante de forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação e a prejudicar a sua liberdade de determinação, bem como ofender a sua honra e consideração imputando-lhe fados de modo nenhum verdadeiros. Sendo que um dos denunciados, F., sendo agente de autoridade abusou dos seus poderes, pretendendo causar prejuízo a outra pessoa.

    (…)» - Exposição dirigida aos serviços do Ministério Público de (...), com o seguinte teor: «No passado dia 31 de Julho de 2007, cerca das 18hl5m, (…) os arguidos, após estacionarem a viatura onde se deslocavam dirigiram-se a pé à referida habitação, tendo em voz alta começado a apelidar a esposa do denunciante e referindo-se a estes como “vigaristas paguem o que me devem”, sendo certo que nada lhe é devido por aqueles.

    Já no dia 14 de Agosto de 2007, durante a manhã, o denunciante enquanto caminhava pela rua e junto à agência do BES na Vila (...), o denunciante que o arguido F. vinha na sua direcção conduzindo o seu veículo, pelo que e tendo-o imobilizado na via aberto a porta e tendo saído perguntou-lhe em voz alta, para quem quiser ouvir. “Ó vigarista quando é que me pagas? Deixa estar que de uma maneira ou de outra vais pagar-me".

    (…)».

    - Queixa-crime dirigida aos mesmos serviços, com o seguinte conteúdo: «(…) no passado dia 23 de Outubro o arguido F., em frente à habitação do assistente dirigindo-se a este de dentro do interior da viatura em que se deslocava vociferando e gesticulando ostensivamente na direcção do assistente proferiu as seguintes expressões: "Caloteiro, quando me pagas o que me deves?".

  11. Novamente no dia 5 de Novembro o arguido F. dirigiu-se ao assistente em frente ao Lar da Santa Casa da Misericórdia de (...), sito na Av. dos (...) e deslocando-se o mesmo na sua viatura, após imobilização da mesma, proferiu "Então quando é que me pagas ó caloteiro?".».

    - Requerimento de A. dirigido ao Processo n.º 152/07.9TASRE (Cfr. fls. 3 a 16 do PA, cujo teor se tem por inteiramente reproduzido); B. Em 20.12.2007, foi exarado, no ofício, de 6.12.2007, do Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional da PSP, pelo Comandante Distrital da PSP de Leiria, o seguinte despacho: «Ao NDP, Subcomi. A., para processo disciplinar» (cfr. fls. 2 do PA); C. Ao referido processo disciplinar foi atribuído o número único de processo 2007LRA00039DIS (cfr. fls. 2 do PA);; D. Em 27.12.2007, no referido processo disciplinar, foi lavrado pelo Subcomissário J. o auto com o seguinte teor: «ABERTURA DE PROCESSO DISCIPLINAR (…) autuo o despacho do Ex.mo Comandante, datado de 20-12-2006, exarado no ofício 2007GDD04462 do Gabinete de Deontologia e Disciplina da D PSP que acompanhou uma exposição subscrita por A. e sua esposa M., (…) à qual fazem juntar documentação duma queixa crime que foi apresentada nos Serviços do Ministério Público de (...), na qual acusavam entre outras pessoas, o Chefe M/(...), F., deste proferir injúrias e ameaças às suas pessoas e a exigir-lhes o pagamento de um dívida no valor de 1000,00€ e de ainda no dia 21-06-07 fazer transportar na sua viatura até à residência do queixoso um outro indivíduo no sentido deste fazer a devida cobrança, dando-se assim início ao presente processo disciplinar a fim de apurar os factos e eventuais responsabilidades que possam caber ao referido chefe.

    (…)» (cfr. fls. 19 do PA);; E. Em 3.1.2008, pelas 9h, o A. assinou a certidão com o seguinte conteúdo: «CERTIDÃO (DISCIPLINAR, nup2007LRA00039DIS) Certifico que em 03/01/08, pelas 09H00, notifiquei o individuo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT